sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Escrever ou Consagrar-se?

Por Sérgio Bernardo

  

Li matéria de jornal sobre Harper Lee, autora do best-seller O sol é para todos, com mais de 10 milhões de exemplares vendidos desde o lançamento, em 1960. Mais impressionante do que a cifra astronômica (é como se Portugal inteiro, de Cavaco Silva a um bebé – lá a grafia é esta –, tivesse lido a obra), o que espanta é ser este, até hoje, o único título da autora. Com ele Harper Lee recebeu o Prêmio Pulitzer de 1961 e, por conta dele, é reverenciada em seu país.


É fácil imaginar o quanto o sucesso do livro tem pesado sobre ela. Tímida e avessa à imprensa, vive reclusa em Monroeville, no interior do Alabama, na companhia da irmã Alice, de 100 anos (a advogada mais idosa em atividade nesse estado norte-americano, comparecendo ao escritório pelo menos três vezes por semana). O fato de não ter publicado mais nada pode revelar o temor da luz que este seu sol possa jogar sobre um outro trabalho, mas pode também querer dizer que a autora simplesmente não deslanchou no ofício de escritora, por motivos que só Freud talvez explicasse. Quem sabe não preferiu, em vez da difícil arte, ser fabricante de donuts (ao contrário de Cora Coralina, que pulou dos doces para as letras) ou apenas uma boa dona de casa? Os que não nascem para as luzes dos refletores têm direito à sombra e ao silêncio, e pode até ser que, caso O sol é para todos não tivesse sido um acontecimento, Harper Lee até hoje publicasse, com a modéstia e discrição que lhe são características. Sem badalações, apenas escrevendo e publicando para número menos fabuloso de leitores.
 

Muitos dos que escrevem hoje não se consagrarão nunca. Ou pode ser que só sejam descobertos postumamente, como tantas vezes tem acontecido por aí. Isso não diminui a literatura de ninguém. O que é fundamental, escrever ou consagrar-se? Vêm à mente as palavras de uma amiga escritora, que tem dito repetidas vezes: “Minha intenção, ao escrever, é abrir corações e não mercados”. Já que até agora resvalei pelo terreno das suposições, e continuando nesta linha, talvez um pensamento semelhante tomasse Harper Lee ao pôr no papel as primeiras letras de seu livro, que em tempo algum pretendeu um best-seller.
 
  
Com uma figura doce (tem certeza de que a senhora não faz donuts?) que lembra muito a da minha avó paterna, dá vontade de trazer Harper Lee para casa e ficar ouvindo suas histórias, a primeira delas contando por que para alguns, como é seu caso, a sombra é mais fascinante do que o sol. E por que, sendo o astro-rei para todos, muitas vezes ele só brilha no quintal do vizinho.

2 comentários :

  1. Pessoalmente, acho q todo akele q escreve deve faze-lo por si msm, sempre.Escrever p os outros ou p o mercado traz o risco da prostituição das letras.
    Excelent txt!

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  2. É isso, Paula, também respondo à minha própria pergunta no título: escrever! Obrigado pela intervenção valiosa, abraço!

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