domingo, 30 de abril de 2017

Os olhos de meu pai
e os olhos de minha mãe

Por Oswaldo Antônio Begiato




Meu pai
Tinha um par de olhos azuis
Cheios de contentamentos.
Quando minha mãe se entristecia
Meu pai emprestava os olhos a ela.


Minha mãe
Tinha um par de olhos azuis
Cheios de delicadezas.
Quando meu pai se embrutecia
Minha mãe emprestava os olhos a ele.


Os olhos de meu pai
E os olhos de minha mãe
Ouviam mais que seus ouvidos,
Sentiam mais que suas peles,
Cheiravam mais que seus narizes,
Falavam mais que suas bocas.


Os olhos de meu pai
E os olhos de minha mãe
Viam com tanta santidade
Que o mundo ao meu redor
Era um carrossel de sentidos.


Deles herdei os olhos;
Só não herdei a sabedoria de domá-los.


Por isso sou triste e rude.

sábado, 29 de abril de 2017

Mania de ler: marca texto

Por Meriam Lazaro




Quando criança, os livros me eram apresentados como amigos, quase sagrados. Para sua proteção, recebiam duas capas: um belo papel de presente, onde se colava etiqueta com nome e endereço, recoberto com plástico transparente. Eram escassos e impecáveis os livros naquele tempo. Conheço quem nunca marque o texto durante a leitura, para que os próximos leitores não sejam contaminados com suas preferências. Essa pureza tem valor também para as trocas ou vendas de livros que não iremos reler, e pode ser preservada utilizando-se cadernos ou blogs para as anotações essenciais, post its, além das agendas que são vendidas para se fazer diários de aventuras literárias. Se, ao iniciar a leitura, eu não encontrar uma frase digna de nota, o intruso – em minhas prateleiras – permanecerá intacto e estará fadado ao abandono. Mas, ao me apropriar da história, faço marcações a lápis (de cores variadas), grifando nomes de personagens ou lugares, livros e filmes citados, clichês, louvores, palavras para consulta no dicionário. Nessa profanação parece que, além de olhos, meus livros ganham alma. E você, qual é o seu pretexto?

sexta-feira, 28 de abril de 2017

Português amoroso L

Por Mayanna Velame




O poeta se perdeu
no caça-palavras.
Tornou-se um caçador.
Ele caça a dor
de cada uma delas,
para convertê-las em obra poética.

quinta-feira, 27 de abril de 2017

Doce vontade

Por Nana Yamada




Suavemente sinto uma sede de você
Com um toque leve com seu perfume
Que espalha por toda parte
Fazendo-me ter lembranças


Lembrando das coisas boas
Que plantamos com todo amor
Dominados pelos desejos ardentes
Tranquilizando o coração e a alma


Vento que desarruma meu cabelo
Como se você estivesse sussurrando
Faz meu corpo arrepiar de ponta a ponta
Desejando estar em seus abraços


Nenhuma vontade a mais eu poderia sentir
Além dessa minha doce vontade
Vontade que não controlo
De você...

quarta-feira, 26 de abril de 2017

Love song

Por Fabio Ramos




as
cordas
do
violão


ressoam no
quarto


a
voz
é dela


a canção também


(...)


isso
maravilhou
o
rapaz


tão surpreso
ao notar


que
a letra
foi


uma declaração

terça-feira, 25 de abril de 2017

Invento

Por Denise Fernandes




Quanto mais invento

mais desvendo os mistérios do meu ser.

essa dentadura

essa solidão

o sangue quente dentro do seu caminho,

até espinhos,

reinventados.

observo a matéria profunda e ela se move.

a avenida comprida,

o porquê da história;

a morbidez, amor,

pode ser um rápido aviso

(esse momento foi muito árduo

para ficar em branco);

o mistério era essa sufocante reedição de mim.

segunda-feira, 24 de abril de 2017

à sombra das palavras

Por Ana Paula Perissé




                                          não há como
                                          ser de outra forma
                                          se as palavras aparecem
                                          descendentes
                                          para um escriba
                                          que é puro veículo


                                          viagem sem pausa sôfrega
                                          como se houvesse
                                          pena
                                          para o acaso
                                          de uma fuga
                                          perda de palavras
                                          incontáveis e apressadas
                                          sem sentido
                                          em hora
                                          de sua enunciação
                                          ( profana)


                                          Corrente
                                          tormenta de sensações
                                          aceitas
                                          em sua fugaz tragicidade
                                          indizíveis ao contato
                                          pleno ao senti-la


                                          ver o fluxo
                                          sentir o temor
                                          à clareira enluarada


                                          elos de nós
                                          em desenlace
                                          atados
                                          no pulso de vós

domingo, 23 de abril de 2017

sábado, 22 de abril de 2017

Mania de ler: livro abandonado

Por Meriam Lazaro




Quando a leitura não é do seu agrado, você costuma abandonar o livro pela metade? Para quem considera que o livro seja mais que um simples objeto, a interrupção da leitura nem sempre é uma possibilidade. Algumas vezes, a persistência põe o leitor frente a um parágrafo salvador ou a tão surpreendente final que lhe desperta imediato desejo de releitura. Por mais que resulte em tempo perdido, quem persiste terá formado opinião própria a respeito e poderá dar outra chance ao livro ou ao autor. O contrário também ocorre, quando, tendo louvado uma leitura, na releitura o leitor se pergunta o que viu de tão interessante naquele livro. No entanto, por mais que a alma não seja pequena, há livros que não valem a insistência.

sexta-feira, 21 de abril de 2017

Português amoroso XLIX

Por Mayanna Velame




Posso não ser um termo
essencial em tua oração.
Então, ao menos...
Deixe-me ser um termo integrante.

quarta-feira, 19 de abril de 2017

Sonho antigo

Por Fabio Ramos




mais uma vez
no sebo


a
sujar
os dedos


(...)


quantas vezes


o dinheiro
do pão


virou
um
novo título?


(...)


as
ilustrações
nas
obras


servem
de
consolo


pois
AINDA HOJE


ele
não
sabe ler

terça-feira, 18 de abril de 2017

Pai

Por Denise Fernandes




Eu gosto do cheiro do meu pai. O professor de língua portuguesa me disse que eu não deveria começar as frases com "eu", porque é mais chique, mais erudito. Saia da norma popular se você quer ser escritora. Tem que ser mais discreta. Faz de conta que você não está vendo o que você está vendo, não escreva "eu" no começo das frases. Seja um sujeito oculto porque é mais chique, mais erudito. Saia do popular. Eu saí, sem saber o que estava fazendo. Saí porque sou influenciável, e achava que o professor tinha um grande conhecimento de tudo, principalmente sobre o escrever.

Eu gosto do cheiro do meu pai. Não é o Édipo: é seu perfume, sua pele, sua risada, seu jeito de andar. Eu gosto do meu pai pelo que ele é. Eu gosto do seu cheiro de pessoa doce. Gosto quando ele faz biquinho ao ficar zangado. Gosto da cor da sua pele, do nariz que se parece com o meu. O Freud tinha pai, será que ele gostava do pai dele? O meu pai é importante para mim porque o sobrenome dele é Silva e me ensinou a pescar, a plantar. Ele me ensinou a ser simples. Mesmo eu sendo tão complicada.

O meu pai anda doente e isso me deixa triste. As pessoas não deviam ficar doentes, nem deviam morrer. A vida deveria existir sempre, de uma forma diferente. Tudo que eu queria era não a imortalidade do espírito, mas a imortalidade do corpo. Que chato homenagens, que chato fazer um minuto de silêncio (seja por quem for). As pessoas deviam durar para sempre. Não seria chato nada. Porque ninguém sabe como seria. A morte é nossa dura companheira, e ela não faz parte do milagre da vida. Ela simplesmente mata a vida.

Ando sem paciência para a morte. Não que eu acredite na eternidade da morte. Sua essência passageira, tênue como um colibri, me assusta. Gostaria de poder assustá-la. Mas, pelo menos, perdi o medo de ser um sujeito aparente  sendo um sujeito oculto durante anos.

Se a morte não se oculta, porque eu tenho que ficar me escondendo? Redundante é a vida, repetitiva tantas vezes, que ignoramos o quanto é inédita. Estou correndo o risco de tudo. Meus amigos mais próximos sabem. No teatro da vida, levaram minha máscara. Máscara de vidas. Agora estou nua, diante da morte. Não, não exatamente nua. Estou vestida como um colibri.

segunda-feira, 17 de abril de 2017

céu da boca

Por Ana Paula Perissé




                                   céu da boca
                                   portal de Janus
                                   um abismo
                                   na vertigem do encontrar-nos
                                   te lanço minhas bombas
                                   de saliva
                                   quando te olho
                                   ( e estremeço porque de tão perto)
                                   através
                                   de apenas
                                   nossas pupilas


                                   arcos de 1'pequeno triunfo
                                   efêmero
                                   aportados em nossas línguas
                                   que se fazem desvios
                                   pela passagem em vidas
                                   molhadas


                                   encontro di versosmundos
                                   entre fluidos
                                   recriados pela saliva
                                   ancestral
                                   dos portais de nossa pele
                                   num instante eternos
                                   que se volta para sempre
                                   UNO


                                   (deixe-me passar, eu te peço
                                   como sempre hei de pedir
                                   toque-me no céu
                                   da minha vida
                                   com tua língua
                                   enquanto nosso beijo
                                   permanecer dança )

domingo, 16 de abril de 2017

Finidade

Por Oswaldo Antônio Begiato




Eu queria te fazer carícias no rosto
Com minhas mãos encobertas
Pelo pó, nela pousado
Durante meu caminhar
De homem solitário e inconformado,
Esperando por um único beijo,
Negado desde o meu nascer:
 O beijo da mulher amada.


Sei que a vida inteira me quiseste
Como teu infeliz e só teu eunuco.
Mas devo dizer com todas as letras
Que foram legadas às minhas mãos
Empoeiradas:
 Sou livre e potente.


Nasci para voar dentro dos sonhos
E acreditar que um dia terei esse beijo
Da mulher que meu coração escolher,
Mesmo sabendo-o impossível
Porque nasci sem lábios,
E vou morrer sem lábios.


Um beijo,
Nem que fosse um beijo ligeiro
Feito a prece incônscia do louva-a-deus.
Um beijo,
Nem que fosse um beijo frio
Feito o gotejar acetinado do orvalho.


Mas partiste levando contigo
O desencanto que eu não inventei,
E o sonho que ousei sonhar:
 Um beijo da mulher amada.


Comigo deixaste apenas
Uma espantosa certeza:
Maior que a tristeza de saber
Que nunca me amaste
Foi a alegria de descobrir
Que nunca te amei.

sábado, 15 de abril de 2017

Listas extraordinárias

Por Meriam Lazaro




Livro para colecionadores de livros. Sabe aquele luxo que a gente tem direito a cada 50 livros lidos? Esse é o caso. O autor inclui, além das listas selecionadas, fotos dos manuscritos e das pessoas das listas. O papel é luxuoso, dimensões, editorial. Tudo muito especial (ou extraordinário). A respeito das expressões "especial" e "extraordinário", lembrei que, no Direito, há dois recursos com esses nomes. Voltando ao livro, acrescento que pode até não ser essa a intenção do autor, mas a leitura nos atiça a fazer nossas próprias listas. Um chamado ao qual não resisti e escrevi três listas até agora:


– Lista de nomes de familiares: e não é que descobri que a família é maior do que eu pensava? Ainda faltam muitos nomes.
– Lista de lugares que morei ou visitei: tem 26 lugares. Sou (ou era) uma viajante.
– Lista de casas em que morei: 24 casas! Absurdo. Eu juro que, até fazer a lista, não havia me dado conta; até porque resido há 20 anos no mesmo endereço.


No livro há muitas listas engraçadas, outras conselheiras e algumas repetitivas e chatas, mas todas, com certeza, muito interessantes.


Livro: Listas Extraordinárias
Autor: Shaun Usher
Editora: Companhia das Letras

sexta-feira, 14 de abril de 2017

De cabeça para baixo

Por Mayanna Velame




Acho que o mundo deve estar de cabeça para baixo. A verdade é que ele sempre esteve assim. A existência já é baseada em nosso próprio descaso. E não há nada mais humano que a nossa iniquidade. Diz a Bíblia que Caim matou Abel, e o primeiro homicídio foi disseminado na Terra.


A partir de então, o Livro Sagrado narra variadas atrocidades, abominações e corrupções. Desiludido, Deus parece desistir da humanidade: vem o dilúvio a submergir homens e mulheres, com todas suas concupiscências e paixões. Sim, foi desse jeito. Porém, depois disso, o que aconteceu?


Com ou sem dilúvio, o mundo seguiu e prosseguiu. Os homens continuaram e continuam rudes, arrogantes e perspicazes. Armas mortíferas são projetadas, a própria humanidade se aniquila. Líderes mundiais comandam a carnificina terrena. O mundo está lá fora, com suas belezas, cores e formas; mas também com seus bombardeios, fomes, pestes e mazelas.


O cenário apocalíptico está desenhado há tempos. Nossa essência é a crueldade. Nos EUA, metade dos impostos são destinados à indústria bélica. Já no Brasil, nossos impostos custeiam a morte de doentes nos corredores dos hospitais. Na "terra do tio Sam", cidadãos pagam impostos para matar. E no Brasil, para morrer. Das desigualdades presentes, assistimos a tudo pelos smartphones (com o símbolo da maçã estampado). Outros são penalizados como vítimas cruas e diretas.


Mísseis visitam os céus sírios, queimando os sonhos mais inocentes de suas crianças. Nuvens de fumaça encobrem o amor de homens e mulheres; transformando seus desejos mais ardentes em cinzas. Guerras mundiais, Hiroshima, terrorismo, intolerância, racismo, homofobia, extremismo religioso. Qual será nosso destino? Estaremos entregues a zumbis ou extraterrestres?


Não, estamos entregues a nós mesmos e à misericórdia divina (se Ele assim quiser). Da esperança que ainda reside, aproveito para esquadrinhar a vida que circula. Sobre o muro, um gato vira-lata observa, metodicamente, o movimento dos transeuntes. No horizonte, vejo riscos cintilantes. Não são mísseis, são estrelas cadentes: prontas para atender o pedido de alguém.

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Queira

Por Fabio Ramos




aos pés
da
Santa Cruz


se
ajoelha


COM DEVOÇÃO


e
antes
de um pedido


louva
os sinais


(...)


ele
crê
na misericórdia


já que


o menosprezo
do Pai


seria
um
tormento


bem como vossa
condenação

terça-feira, 11 de abril de 2017

Nada

Por Denise Fernandes




cartão postal do nada

seria eu tanta ausência

estaria eu numa outra

mentira manhã ou

noite quente

nenhuma brisa só

o barulho do meu ventilador velho

te espero do outro lado

desse mesmo nada que nos envolve

segunda-feira, 10 de abril de 2017

kundalini

Por Ana Paula Perissé




                                           molhos de serpente
                                           em demasia molhados
                                           por fluidos orgânicos
                                           decompostos
                                           em desejos de serpentes
                                           a serpentear-me
                                           (nous)
                                           em fogo alto
                                           enroscado no vapor
                                           desprendido
                                           no encontro
                                           de almas corporais


                                           serpenteando
                                           serpenteante
                                           deslizante
                                           obsediante


                                           um só corpo
                                           curvilíneo
                                           de 1 serpente
                                           unida em duas


                                           Kundalini
                                           unidade de serpentes
                                           serpenteadoras
                                           sequestradoras
                                           de abandono de cais


                                           serpenteie em mim
                                           como se não me fosse
                                           nunca
                                           por instantes
                                           um pouco nossos


                                           serpenteamentos
                                           em deserção incontida
                                           de Pandora.


                                           Abra-te!