sábado, 31 de maio de 2014

Noite de sonhos

Por Meriam Lazaro
 
 


Noite estrelada sobre o rio. Cada estrela das Três Marias representa uma pessoa por quem peço pela saúde e agradeço pelas melhoras, noite após noite, antes de dormir. Estrelas soltas simbolizam outras pessoas e comunidades cuja prece é feita pelo bem comum. Mas se não há estrelas? A paisagem de prece é sempre bela. Há pinheiros, céu cinza, luzes de faróis e das torres de TV, fios condutores. Acima de tudo há o Mistério, que costumamos chamar Deus. Há tantos nomes para Ele... A noite, no entanto, está mais para um quadro de Vincent van Gogh. Na tela, vejo a noite sobre o Ródano. Ou passeio pela rua dos bares, encimada de estrelas, na bela Paris. Espanto-me com um gato enorme, que tenta saltar para o fio de luz na rua. Por receio de que venha a ser eletrocutado, grito para afugentá-lo! Não há possibilidade de me ouvir, com o passar barulhento de um caminhão. O gato insiste em saltar, até que consegue. Seu intento é preparar uma armadilha para passarinhos. Utiliza um anzol, presumivelmente com isca, que prende ao fio da luz com um fio transparente. Fica de tocaia no asfalto. Logo um passarinho é preso na armadilha. Outro passarinho vem brincar com o primeiro, mas voa para longe ao vê-lo ser içado pelo gato. Depois da pescaria aérea, vejo apenas uma pena bailarina que se perde nas brumas do sonho. Lembro-me da caixa de bombons de Forrest Gump. Nunca se sabe que surpresa a noite nos trará.

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Primeira crônica

Por Mayanna Velame
 
 

 
Deixo tudo para trás: desligo a TV, esqueço a internet e escondo o telefone. Pego então uma caneta azul e um caderno surrado, sem dono. 
 
No silêncio que me invade, e nos sentimentos que me distraem, recolho-me para dentro de mim mesma; na tentativa de extrair palavras para esta crônica. 
 
Debruçada sobre a mesa da varanda, escuto o ronco longínquo dos carros (que cruzam a cidade). No jardim, grilos cricrilam e sapos coaxam. No céu, relâmpagos iluminam a morada dos anjos. E aviões desaparecem no horizonte, que se projeta diante dos meus olhos. 
 
No cintilar das estrelas, a noite se torna mais poética, viva, serena e o meu coração mais sensível quando observo as luzes que clareiam as ruas. 
 
Sirenes, buzinas, vozes perdidas – a trilha-sonora da escuridão ecoa nos ouvidos. Rascunho frases. Busco palavras para compor esta crônica. Elas, entretanto, não transbordam o papel. As palavras apenas caem, gota a gota, justamente para eu colocá-las em seus devidos lugares. Sem medo e sem pressa. 
 
Assim pensei na minha primeira crônica: que ela fosse desprovida de política, economia e qualquer assunto social; mas farta de lirismo, amor e paz. Uma crônica que provoque riso ou choro no leitor – fazendo-o esquecer da corrupção e dos enganos que atormentam nosso coração. Uma crônica singela, sem palavras buriladas, ou difíceis de serem encontradas no dicionário. 
 
Parece complicado cerrar os olhos para a realidade. No entanto, as palavras são escritas (e ditas) para sonharmos; mesmo que seja por alguns minutos, dias ou horas. 
 
Fecho meu caderno. Já não tenho mais o que escrever. Respiro fundo, estico os braços, levanto-me da cadeira, esquadrinho o céu e suas joias. Nuvens ruborizadas visitam o espaço celestial. 
 
Quero minhas palavras soltas e livres, como pássaros selvagens. Não quero dominá-las. Desejo que elas alcancem um voo mais alto, perfeito. E que o vento – mesmo de mansinho – possa soprá-las de Norte a Sul. 
 
Quem sabe elas cruzem os meridianos, atravessando oceanos e mares. Derrubem fortalezas, conquistem novos mundos e corações saltitantes; desejosos por viver.
 

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Deixem meu poema

Por Claudia de Villar
 
 


Se pra ser rico o poema
Tem que contar pedacinhos,
Ter atenção para a métrica,
Forma e tom.
 

Ai, meu Deus,
Pobre do meu poema!
Não sabe contar pedaços,
Pois se faz sem embaraços!
 

Se pra ser ideal
Tem que ser formal.
Pra canônica ser
É preciso padecer.
 

Deixem meu poema
Fazer parte da freguesia
Não quero nenhum dilema
Prefiro a liberdade da fantasia.
 

Nascida em Porto Alegre, é graduada em Letras.
Atua como professora, escritora e oficineira. É colunista em veículos
como Jornal de Viamão, Jornal Zona Sul e Revista Zona Sul.
Também colabora no site literário Homo Literatus e no portal Artistas Gaúchos.
Possui oito livros publicados, sendo sete deles voltados ao público infanto-juvenil.
Para maiores informações, visite o site pessoal da autora.

quarta-feira, 28 de maio de 2014

4 origens

Por Fabio Ramos
 
 


vigilante ao
feijão
que cresce
Deus multiplica
 

com seus
cabelos
loiros
a ilustre
plantadora de
fava
 

(ela nada)
 

+
um
instrumento
nas mãos
do
Senhor
 

terça-feira, 27 de maio de 2014

Frio

Por Denise Fernandes
 
 


O frio temperando nossa espera. Esperamos poesia, consciência, pequenos milagres. A porta está aberta. É mais que uma questão de sorte, investimos este tempo nessa busca em alquimia. Busca de uma certa morte. E encontramos esta porta aberta para o infinito. Dela te vejo repleto de luz, por ela existiremos sempre e sempre além.
 
O frio temperando o frio, solvendo a matéria na realidade de hoje. Coloquei uma blusa bem quente. Você disse que voltaria ainda hoje. Eu disse: sim, a gente continua. Acho que não sei se posso te falar da porta, se você entenderia. Olho para ela e sinto a resposta para grandes problemas. Mas continuo perdida em relação ao detalhe, o enigma da poesia me comove: do que te falo, do que não te falo.
 
Avessos ao calor, esse frio trouxe uma noite maior para nós. Mais próximos, mais no limite de nós, onde nossos corpos se fundem, e a porta nos conecta ao infinito eterno. Sim conectado a sim.
 

segunda-feira, 26 de maio de 2014

essência

Por Ana Paula Perissé
 
 


                                              é de enxergamentos
                                              fátuos
                                              que me faço
                                              de coisa
                                              algo:

                                              crueza dispersa
                                              em libidos
                                              sem traçado
                                              morno.

                                              infinito´rastro
                                              prazer & chão.

 

domingo, 25 de maio de 2014

sábado, 24 de maio de 2014

Alice no espelho

Por Meriam Lazaro
 

 
 
O vendedor se engana ao cobrar pela mercadoria, devolvendo troco além do devido ao consumidor. O consumidor percebe o equívoco, mas considera esse ganho um ato de compensação pela mercadoria superfaturada ali no mercado. A bibliotecária, para não dar péssimo exemplo, tapa com etiqueta o selo identificador do livro como propriedade da escola antes de oferecer o presente ao pequeno afilhado. Os idosos, em número maior na fila do banco, retiram na máquina dois tipos de senha para atendimento no caixa: preferencial e convencional, valendo-se daquela que primeiro for chamada. O atendente sai para ir ao banheiro vinte minutos antes de seu intervalo só retornando depois do almoço, afinal, trabalha conforme seu salário, que é mínimo. Na Terra do Eu Não Sabia, Alice, que veio do País das Maravilhas, saiu a passear e pelo espelho retrovisor viu vendedores, consumidores, bibliotecários, aposentados, atendentes... Todos, justificadamente indignados, jogarem pedra na televisão: - Fora, políticos ladrões!!

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Luzes

Por Mayanna Velame
 
 


As luzes da cidade já estão acesas...
Desligo a TV e sintonizo meus sonhos,
quando a tua solidão já não é minha tristeza
 

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Formas de derrubar um Presidente da República

Por Amilcar Neves*
 

Existem três formas de derrubar um Presidente da República democraticamente eleito (as maneiras de fazê-lo, no entanto, admitem infinitas possibilidades).
 
 
A primeira delas não se constitui tecnicamente em uma derrubada do governo e se efetiva pelo repúdio majoritário expresso nas urnas eleitorais. Se detesto o PT, os tucanos ou outro agrupamento político, eu voto contra a reeleição do presidente ou contra a eleição do candidato dele. O contrário disso, transparente como água límpida, é a satisfação popular com o mandatário e com suas práticas e políticas governamentais. Fernando Henrique Cardoso foi reeleito, Lula, depois de perder três eleições seguidas, foi eleito, reeleito e fez sua sucessora. Nenhum general ou marechal da ditadura foi eleito nem jamais seria reeleito. É assim que acontece a democracia e não adianta, nem é didático, difamar, debochar ou ridicularizar o eleito, o eleitor e o processo eleitoral: a vontade da maioria é que deve sempre prevalecer (estamos falando de democracias). O eleito, gostemos ou não dele e do seu partido, é constitucionalmente o Presidente da República.
 
 
No mesmo sentido, é ridículo forçar a associação de governos de esquerda, no Brasil ou em qualquer país democrático do mundo, com ditaduras de verdade, à esquerda ou à direita. O absurdo disso é que somente se poderiam eleger, em todo o planeta, governos de direita.
 
 
A segunda forma de derrubar um presidente se dá através do recurso constitucional ao processo de impedimento. Fernando Collor sofreu impeachment e o Brasil não desabou. Não foi preciso pegar em armas, nem um só tiro foi disparado, ninguém foi torturado por isso. Outro dia, alguém comentou que "por muito menos, por causa de uma Elba apenas, o Collor, coitado, foi cassado". Não é verdade, claro. A caminhonete Elba foi apenas o furo no sistema muito bem montado, o descuido operacional do esquema. Como Al Capone, nos EUA: não foi apanhado pela carreira de gângster sanguinário, mas por sonegação do imposto de renda. Foi onde deu de pegar o cara.
 
 
A terceira forma de derrubar um presidente constitucional foi-me relatada em longa conversa por um coronel da reserva. Era Brasília durante o governo FHC. Naquele período (ignoro como ficou depois), a Capital Federal estava infestada de oficiais da reserva que atuavam junto a órgãos públicos; sem a intermediação desses "consultores" nenhum negócio era fechado. Ele contou que fizera parte de um comando ultrassecreto da inteligência do Exército; na hierarquia, pouca gente sabia da existência desse grupo de elite; na prática, ninguém conhecia seus integrantes.
 
 
- Somente os bons conseguiam entrar! - declarou, orgulhoso.
 
 
Nas manifestações, o grupo infiltrava gente contratada para gritar slogans comunistas. Nos primórdios da ditadura, plantava garotas e garotos de programa, dependendo da orientação sexual dos alvos, no apartamento de políticos, militares e até cardeais contrários ao regime, fotograva as "ações" e extorquia as vítimas, impondo-lhes no mínimo o silêncio, quando não o apoio.
 
 
- Naquele comício do dia 13 de março de 1964, que deu início ao fim de João Goulart, de onde aumentou a indignação no Ministério da Guerra ali em frente, que inspirou a Marcha da Família com Deus pela Liberdade e horrorizou a imprensa, eu e outro capitão subimos ao alto da torre da Central do Brasil e lá fixamos a faixa forjada de apoio do comunismo e a bandeira vermelha com a foice e o martelo bem grandes.

* Crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 02.04.14

quarta-feira, 21 de maio de 2014

FALA QUE EU REPITO

Por Fabio Ramos
 
 


vai
ter copa
sim
 

Lula é deus
 

tem que regular
a mídia
 

tem
que aprovar o
marco civil
da
internet
 

Globo + Veja = PIG
 

comunismo
não
existe
 

o mensalão
não
existiu
 

a
inflação
está
sob controle
 

não há crise
na
Petrobras
 

o assassinato do
Celso Daniel
foi
crime comum
 

as FARC não
integram o Foro
de SP
 

América Latina
vai ser
toda
socialista
 

terça-feira, 20 de maio de 2014

Gelo

Por Denise Fernandes
 
 
 

bolinhas de gelo me fazendo sentir criança;
porque é tão bom andar no gelo, escorregar, quase cair?
que limite gostoso, branco e transparente de amor.
Não estamos velhos, estamos passados
enquanto conversamos sobre os últimos trinta e três anos;
na neblina do gelo somos mais felizes,
porque é sempre verão quando se quer.
 

Há quem pense no apocalipse,
enquanto outros se dedicam ao carnaval.
Há quem fique só com dinheiro,
outros agarrados a sua própria fé,
Nesse labirinto não nos perdemos,
mas não que eu saiba como.
E é por isso que todo esse gelo me lembra
todo o caminho que trilhei
e as gaivotas,
que ainda voam no mesmo lugar.


segunda-feira, 19 de maio de 2014

mulher de pedra

Por Ana Paula Perissé
 
 
Teresópolis, Rio de Janeiro


                                         névoa cedo
                                         desfigura-se assim
                                         em paleta pálida de rubro
                                         ermo.

                                         vestida cedo
                                         madruga sóis
                                         em cores essenciais:

                                         e como se fosse algo de terra
                                         cedo
                                         liquefeita,
                                         refaz em borbulhas
                                         o róseo da mulher imaterial
                                         que deixou.

                                         altitude densa por entre
                                         heras
                                         despenca amanheceres
                                         imóvel sem enigma
                                         porque explícita

                                         (deitada e nua
                                         sem libido
                                         de céu,

                                         ainda cedo)

 

domingo, 18 de maio de 2014

Na Nave

Por Oswaldo Antônio Begiato
 
 


Na nave da igreja velha
Às nove horas em ponto
A neve desce pontual.
O noivo, cheio de laços,
De novo, com fé promete,
À noiva cheia de credo
Não lhe ser fiel na vida.
 
Feito isso foram felizes
Até que a morte os separou.
 

sábado, 17 de maio de 2014

Prazer em reler

Por Meriam Lazaro
 
 
 

Steve Jobs, fundador da empresa de informática Apple, relia todos os anos o legado espiritual de um guru indiano: a Autobiografia de um Iogue. Reler é como ler um novo livro. Talvez sejam nossos olhos que ora absorvem a cada piscadela o espaço entre as palavras. Ou quem sabe, diante do próprio talento para a solidão nos embevecemos com o amigo mais constante que todos os outros. Afinal, podemos nos enraivecer com pontos de vista, nos identificarmos com os sentimentos do protagonista, viajar no tempo e no espaço no conforto da poltrona, tudo isto sem afetar a relação.


Dizem que o Brasil é um país pobre em leitura. Pelo menos, em relação à farmácias, a pequena quantidade de livrarias que há na cidade levam a crer nisto. Por sua vez, a explosão do mercado editorial parece desmentir. O comércio de livros sobrevive em meio ao consumo exagerado das novidades para o entretenimento. Nas bancas, além de revistas coloridas vendem livros de bolso, que já foram campeões de vendas em tamanho maior e agora podem ser lidos com lupa. Povo que não lê textos em tamanho confortável para a visão fará questão de ler livros com letras tamanho-rodapé? Vão todos parar nos sebos! Nunca entendi o gosto por livros com cheiro de mofo. Mas isto acabou, nos sebos podem ser encontrados livros nunca, nunca folheados.


Quando o livro é muito bom o leitor necessita de intervalo maior para começar nova leitura, do contrário o próximo livro será abandonado para sempre sem remorso. Quem não experimentou a sensação de nostalgia pela proximidade da última página?! Assim foi comigo em: O Apanhador no Campo de Centeio, de J. D. Salinger, A Solidão dos Números Primos, de Paolo Giordano, Memórias Sonhos e Reflexões, de Carl Gustav Jung. Estes são alguns dos objetos de minha releitura, hábito que adquiri na infância, quando livros eram de difícil acesso. Agradeço por não termos televisão, o que me levou a reler infinitamente: O Meu Pé de Laranja Lima, de José Mauro de Vasconcelos, Éramos Seis, de Maria José Dupré, entre outros.


Mas, diante de tanta oferta, a pilha dos novos aumentando na prateleira, por que perder tempo com releitura? Somos tão ávidos por números que agora só importa viver mais! Chegar aos cem anos e pelo caminho recitar a estatística de nossas leituras e outros feitos. Em tempos de internet, o prazer da leitura vai ficando cada vez mais distante. O tal minimalismo permite escrita e leitura afobadas, desde que o resultado seja minúsculo. No Facebook, ler é um mal desnecessário. O negócio é curtir e curtir a curtiçãoFica a pergunta: que livro você releria todos os anos?
 

sexta-feira, 16 de maio de 2014

A Partida

Por Mayanna Velame
 
 


Eu não quero ver você partir.
Meu coração está em sua alma,
mas meus olhos longe de ti.
 

Eu não quero ver você partir.
Sei que meus sonhos te perseguem,
mas da tua partida desejo fugir.
 

Eu não quero ver você partir.
Seus lábios e seus beijos, não irei mais sentir! 



Eu não queria ver sua partida,
porque meus anseios, perturbações e medos,
Deixarei para sempre em sua vida...


quinta-feira, 15 de maio de 2014

Dona da Saudade

Por André Vianna
 
 
 
Ela tem olhos de mar aberto
Profundidade que não se mensura


Herdou dos Deuses, em seus lábios,
O além da eternidade, o infinito

 
A alma é trajada de lua
E ornada por mistérios

 
Ela é como um avatar celeste
Consignado a mim sem explicação

 
Tantas das minhas vidas irão passar
Antes que eu possa traduzi-la  



Nasci no Rio de Janeiro em 1978. Publiquei em diversas antologias poéticas e também tenho um livro de contos - Sobre o Natural e o Sobrenatural - lançado pela Editora Multifoco.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Vem Cá

Por Fabio Ramos
 
 


PELA MANHà

deixa o tio
ver 

tem
martelo
? 

tem
pregos
? 

então 

prego no chinelo
vai resolver 

* 

PELA TARDE 

deixa o tio
ver 

tem
band-aid
? 

tem
mertiolate
? 

então 

curativo no dodói
vai resolver