segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

o tempo

Por Ana Paula Perissé


 
 
                                   há um espaço
                                   inominável
                                   todavia tão viscerado
                                   que brinca com as formas
                                   e as cores
                                   de seu jeito próprio.
 
 
                                   há um alguém
                                   entre-mundos
                                   que baila
                                   sem o saber
                                   o ardor de uma valsa
                                   ofegante
 
 
                                   ela brilha, sim ela brilha
                                   com os pés ainda descalços
                                   lançando-se ao clarão
                                   das coisas
                                                                            (porvir)
 
 
                                   há o quê não se sabe
                                   tão presente
                                   que molda as marés
                                   e nos traz conchinhas
                                   mui claras
 
 
                                   (sim, elas brilham)
 
 
                                   para enfeitar o tempo que resta

domingo, 28 de fevereiro de 2016

sábado, 27 de fevereiro de 2016

Vento

Por Meriam Lazaro




Vento frio do passado
trouxe chuva ainda agora,
assoviou no telhado,
quebrou telhas, foi-se embora.


Será ele o mesmo vento
que lambeu ondas da praia
e depois, ergueu sedento,
das moças, as belas saias?


A flauta que sopra, mansa,
as folhas em redemoinho,
veio evocar lembranças
de um vento menininho.


Vento leva-me contigo
pra ser tua asa, teu par.
Vento, eu corro perigo
de, sem ti, não mais voar.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

O voo

Por Mayanna Velame




Afivelei o cinto antes que o comandante desse as boas-vindas. Pouco a pouco, os passageiros foram se acomodando. No corredor, aeromoças a orientar aqueles que não encontravam suas poltronas. Em meu lugar, comemorei. Viajaria sentada, ao lado da janela. Lá fora, aeronaves estacionadas no pátio eram abastecidas e vistoriadas. Em breve, elas ganhariam o céu, voariam para seus destinos...


Gosto de voos noturnos. Eles são silenciosos, calmos. As luzes da cabine se apagam, passageiros dormem (apenas alguns, porque há exceções). Tudo parece mais sereno. Perguntei-me, então, o que desperta esse desejo de viajar. Seria a realização de um sonho? Ou somente férias? Todos estariam de mudança para outra cidade?


Cada qual com um destino a ser concretizado. A depender de uma aeronave, a depender de um voo.


Educadamente, o comandante saúda os passageiros: anuncia seu nome, tempo de voo, temperatura e, por fim, agradece em nome da companhia. Engraçado como a voz dos pilotos é parecida! O mesmo timbre, ritmo vocálico, sotaque.


Tirando as coincidências aeronáuticas, viajar de avião é sempre mágico. Experiência boa para uns; nem tanto para outros. Há quem só embarque a base de calmantes. Adormecer, durante a viagem, torna-se uma necessidade para inibir o medo de voar.


Prontamente, no versejar do tempo, a tripulação continua os preparativos para a decolagem. De repente, um homem rechonchudo senta do meu lado. Cordial, ele acena e me deseja boa viagem. Retribuí com um sorriso – não tão belo quanto o da aeromoça –, mas foi um gesto sincero e atencioso.


Os avisos de segurança antecedem a decolagem. Atentei-me para a mensagem do comandante: “Tripulação, decolagem autorizada”. Após o barulho das turbinas, o pássaro metálico ganha o céu.


Da janela, vi a cidade cada vez mais pequena e distante. Suas luzes lembram vagalumes brincantes. No horizonte, um pontilhado de estrelas dividia a madrugada comigo (e com alguns farrapos de nuvens).

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

OTNEMICEHNOC

Por Daniella Caruso Gandra




A mais itinerante forma de amadurecimento
Exposta partilha que a muitos ascensiona
Riqueza imaterial de maior valor, sem igual
E é alicerçada pelo espírito quando de retorno...


Pátria íntima, se propalada, a outros tantos dignifica
Alimento que também vem da fome, esta desassossegada e manifesta
Preservada de trinas, atrai fácil mil conversas, e mais se soma
É fonte para o aprimoramento do homem e princípio da sabedoria


Conhecimento nunca é demais.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Descontrole

Por Fabio Ramos
 

 
 
a carne
do
braço
tremelica


os
cílios
nos coloca
na
mira


a pele
choque


o perdigoto
fuzila


a língua
fere
mais que ponta
de faca

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Pensamento

Por Denise Fernandes




arrependimento pra quê?

a estrada não terminou

o café está no bule

bate um vento bom do mar

Iemanjá vem nos mudar

revelar ondas tudo confuso

não é pra entender

é pra sentir pensar olhar

sem ter pra quê.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

fome

Por Ana Paula Perissé


 
 
                                        o inominável
                                        que revela explícito
                                        a ficção de cada um
                                        à espreita
                                        de 1`vontade de revelação.
 
 
                                        Ela vive o avesso
                                        pelas dobras do mundo
                                        enquanto
                                        respiração deixa de ser
                                        ofegante
 
 
                                        ( tênue cicatriz de ser)
 
 
                                        vastidão de crueza
                                        nua
                                        é  lampejo fugidio
                                        de sua voracidade
                                        de viver.

domingo, 21 de fevereiro de 2016

sábado, 20 de fevereiro de 2016

Primeiras linhas

Por Meriam Lazaro




Costuma-se pensar a árvore como essência feminina. Sua sombra generosa, raízes firmes na terra, flores, frutos, semeadura para tantos. Na língua de minha mãe é assim.


Os anos passam e nos dão oportunidade de revermos percepções que tínhamos de mãe e pai, não raro invertendo o que era de um e que atribuíamos ao outro.


Na língua de meu pai “El árbol” é masculino. O que germinou o gosto pela escrita poética há alguns anos, rabiscada aqui e ali, foi o surgimento do desejo de corte de uma linda paineira que cortinava minhas janelas no quinto andar e ia além. Corte realizado muitos versos depois, como ocorre com o espaço de adaptação ao luto, quando seres amorosos se deixam acamar e devagarzinho vão se despedindo da gente até que nos apiedamos de vê-los sofrer.


Denúncias formais foram entregues aos órgãos responsáveis. Não sendo suficientes para aplacar o impulso vital, as denúncias também ganharam versos livres, mais adiante publicados na internet. Se a árvore mãe conduziu-me à sustentação, a árvore pai (paineira) legou-me a poesia.


Talvez esse tantinho de perspectiva tenha me deslumbrado às primeiras linhas e sido suficiente para minha total simpatia com a obra do escritor francês premiado com o Nobel em 2008, quando o li pela primeira vez.


Trecho da apresentação do livro “O africano”, de J. M. G. Le Clézio: “Por muito tempo sonhei que minha mãe era negra. Inventei-me uma história, um passado, para escapar da realidade em meu retorno da África, neste país, nesta cidade onde eu não conhecia ninguém, onde me tornara um estrangeiro. Depois descobri, quando meu pai, na idade da aposentadoria, retornou para viver conosco na França, que o Africano era ele”.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

No Time

Por Daniella Caruso Gandra




Toda fase carrega um tempo,
tempo de mocidade e de maturidade,
em que muitos, sem nenhum jeito,
pairam sem sair do lugar...


Em face desse adormecimento, fazem várias viagens,
mas algumas coisas não mudam, só mesmo as marcas do tempo.


Hábitos arraigados, acumulados, ligados no automático,
medos ocultos, distanciando a ideia de ser inteiro, absoluto
e a solidão formando um dueto, ecoando por dentro
uma letra cujo refrão não faz sentido pra viver de outra forma então.


Hoje, uns usam o tempo como desculpa pra relevar a própria clausura,
ausentando-se em cumprir sonhos, desejos, e até pormenores fora de si.
Outros preferem fantasias à materialização da poesia,
num torpor que os cega para enxergar e sentir
na própria pele toda a magia.


Não há que se esperar a festa,
nem buscá-la,
mas atraí-la com jeito acolhedor,
pensar, sentir e fazer como se celebrando estivesse.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Alvorada

Por Fabio Ramos
 

 
 
calor
pela manhã
seca
o terreno


que
umedeceu
com
a garoa
da madrugada


cheiro
de
mato


grilos
de
canto


(...)


as
estrelas


em sono profundo


não
viram
o amanhecer


(...)


e
dos
olhinhos
da
japonesinha
escorreu uma lágrima
 

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Lado Avesso

Por Denise Fernandes




penso pelo avesso

um outro começo

ninguém sabe o preço

a dor o amor seu endereço

toco nosso avesso

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Ciranda sem jeito

Por Ana Paula Perissé


 
 
                                 não sei muito bem porque escrevo.
                                 talvez
                                 quando a alma vagueia
                                 à procura de letras
                                 a vida truncada
                                 no varal aqui
                                 de fora
                                 estremece
 
 
                                 será sempre?
                                 ou por 1´átomo de tempo?
 
 
                                 ( nada sei muito,
                                 tam´pouco)
 
 
                                 para escrever frases desconexas
                                 gerar o absurdo
                                 dos encontros
                                 mais belos
 
 
                                 para criar o avesso
                                 de uma saia rendada
                                 e girar
                                 girar
                                 numa ciranda sem jeito
 
 
                                 ( de que me resta os sentidos de ser?
                                 gira com jeito, menina. )

domingo, 14 de fevereiro de 2016

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Outros carnavais

Por Meriam Lazaro




O prazer de cumprir metas nos leva a desafios ainda maiores. Depois de assistir nos canais literários a gurizada divulgando listas de livros para ler durante o ano, também fiquei com vontade de brincar. Nada me ocorreu, porém.


Reli esta semana o conto de Julio Cortázar “La Autopista Del Sur” – aquele do engarrafamento gigantesco com duração de vários dias – daí me veio à lembrança o último engarrafamento na estrada, cujo trajeto de duas horas para a praia foi realizado em quase seis. Depois disso, nem chocolate eu quero; só quero sossego durante a folia carnavalesca. Assim me Livro.


Notícias recentes mostram resultado positivo do uso das cotas universitárias destinadas aos estudantes menos favorecidos, conforme a Lei: pretos, pardos e indígenas que assim se declarem. Quem pensar que, pela miscigenação de povos no Brasil, as cotas deveriam abarcar toda a população, estará fugindo do problema. Sou simpatizante das cotas para as minorias, embora todos saibam que não é a situação ideal. Ora, convenhamos, num mundo ideal eu seria uma paparicada ursa panda, ganhando fácil bambu e cócegas para escapar da extinção.


Voltando à minha antiga paixão, fiquei encafifada com a questão de gêneros proposta por grupos de leitoras e leitores como o “Leia Mulheres”. Por que escolher um livro pelo gênero? De início, confesso até gostei do discurso da voz grossa: "Não leio homens ou mulheres, leio ideias!" Porém a frase se mostrou inconsistente quando reparei na lista de leituras do ano passado com escassez de escritoras, ainda que eu tenha destinado a elas um mês de cota.


De qualquer modo tem ano novo chinês começando em fevereiro, surgindo a ideia (feminina com certeza) de listar, dentre os livros da estante, 14 escritoras para ler em 2016. Ainda não sei se há a diferença na arte da escrita de homens e mulheres, nem se trata disso a proposta do “Leia Mulheres”, assim como não se trata de questão de QI a destinação de cotas nas universidades. A segregação moderna pode não ser aparente e muitas vezes não o é. No baile de máscaras o preconceito pode vir fantasiado de sutilezas irônicas.


Agora, dá licença, que vou é me vestir de ponto e vírgula para desfilar em livro aberto.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Português amoroso XXVI

Por Mayanna Velame




Mansamente, eu te rabiscava
Em meu coração...
Enquanto, na tua varanda,
o bem-te-vi cantarolava meu recado:
– Bem, te vi!

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Mea-Fractus

Por Daniella Caruso Gandra




Cedo-me em cotas,
recebo afagos leves e demorados,
quem me toca é obstinado.


A pele arrepia, o toque excita,
mas não vem de quem toca,
é só resposta, meu corpo assimila.


Porções de beijos ganho,
retribuo num acalorado abraço descompromissado,
aperta-me os seios, vagaroso frenesi.


Tudo é tão natural, gostos mesclamos,
e a hora passa, sem que percebamos,
não há sentimento, e isso nada nos impede.


Desmistifico ideários de valor,
mas ainda me reservo à escolha,
quando me convém a desbotar em ardor.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Sondagem

Por Fabio Ramos
 

 
 
da
maneira
que


(cativa)


da
forma
que


(insinua)


tem
carimbo
de
afeição


(...)


talvez
sim


talvez
certamente


um
fascínio
que
mexe
com você

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Tempo futuro

Por Denise Fernandes e
Beatriz Marsiglia




Tempo precioso

ocioso

invísivel e real

perfeito e abismo

onde a Morte

nos alcança




te daria meu Tempo

se ele fosse meu

num tempo passado

em que a chuva não finda

as águas derramam

Meu corpo

sob o sol pálido

e as águas que não cessam

meu amor absoluto

num Tempo sem tempo

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

abandonos

Por Ana Paula Perissé


 
 
                                        deixe que o resto
                                        amanheça
                                        sem pena
                                        das cores
                                        mais sombrias.
 
 
                                        ( ainda há
                                        por demais a assombrar
                                        tua face)
 
 
                                        deitemos juntos
                                        com espera de
                                        eucaliptos,
                                        cheiros de lama e de chuva
                                        dulcíssimos
                                        de lambuzar
                                        quase toda nossa
                                        espiral de fantasia
                                        e partituras
 
 
                                        (é de tocar
                                        qualquer brisa,
                                        passa)

domingo, 7 de fevereiro de 2016

Ressurgimento

Por Oswaldo Antônio Begiato




Ganhei uma rosa
Leve como uma forma,
Breve como uma linha,
Fina como a esperança,
Bela como o mármore,
Donzela como a aurora,
Champanhe como o arroubo.


Ganhei uma rosa
Feita de brisa lenta,
Assim, como um alívio;
Feita de folhas virgens
Assim, como uma viagem.


Ganhei uma rosa
Feita de muitos versos,
Versos de plenos anversos.


Ganhei uma rosa. De ti.
O que mais posso querer da vida?

sábado, 6 de fevereiro de 2016

Conversa comigo

Por Meriam Lazaro




Da página do livro ergueu-se um recorte. Tinha a forma humana, vestido de palavras dos pés à cabeça. Quem viu autores interromperem a história e, num parêntese divertido, prestarem esclarecimentos sobre a narrativa, não se espantaria em presenciar o personagem destacar-se do papel, tomar os óculos do leitor e passar a relatar suas mais antigas memórias. Desta feita, o branco letrado retornou à época em que faltavam brinquedos e aí as figurinhas eram recortadas do jornal, espalhadas no soalho, originando inúmeras histórias.


Quem não acredita na mágica descrita, vai me dizer que nunca montou peças de papelão da caixa de sabão em pó? Ou pensou em escrever um livro abolindo as maiúsculas e os sinais de pontuação? Então saiba que foram escritos livros cujas frases não iniciavam do modo convencional e por mais bonitas, emocionantes, que fossem suas histórias, o escritor ganhou fama foi por causa das minúsculas, tendo que romper com essa novidade. Já seu conterrâneo ousou contar histórias sem qualquer pontuação, tendo recebido (não sei se também por isso) o máximo prêmio literário.


Por falar em prêmio, resta torcer para que o Nobel de literatura deste ano seja concedido à brasileiríssima Lygia Fagundes Telles, que escreve certo por linhas retas. Fosse a sua escrita enviesada, quem sabe sua nomeação teria ocorrido antes.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Redenção

Por Daniella Caruso Gandra




A fera já não é mais a mesma... Hoje mais amansada, capitã do próprio caminho, levando a cabo qual será seu rumo, a ignorar desígnios... 


Esgotada, convencida de seu destino, segue quietinha em seu cantinho. Ocupou-se noutros tempos a liderar bandos, focou tanto na condição alheia que se esqueceu um pouco de si mesma. 


Doou-se, resguardando existências, comprometida com aquilo que tanto lhe satisfazia, dando um sentido à sua vida, mas agora faz da tristeza sua companhia. 


A fera sempre teve sorriso fácil, largo, na cara estampado, daí vieram os ataques que a desconcertaram, pondo-lhe de sobreaviso, com sobressaltos quase que diários... 


Mas ainda assim conserva a doçura, mesmo doendo por dentro, cheia de sintomas característicos da sobrecarga emocional e física que por amor sustentava e continua, abalando a sua energia. 


Seu orgulho, não esse de bicho imaturo, mas o que lhe assegura alguma reserva pra soar respeito e arredar desejos, pois já não sente a impetuosidade de antes, é o cativeiro simbólico a que se impôs. 


Fera que se entrega e, ao que tudo indica, a sua busca encerra... 


Descansa, meu amor.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Luna

Por Fabio Ramos




veio
a especular
 
 
que
será
que ocorreu
?
 
 
lua
no alto
 
 
entre paredes
 
 
em
48 horas
 
 
também
veio
o
informe
 
 
de seus lábios
conheceu
a
conjuntura
 
 
mas
nada
indicava isso
 
 
(uma temeridade)
 
 
é
clarão
que finda
 
 
é vento na veia