domingo, 30 de setembro de 2012

Ao Gato Morto

Por Érika Batista

 
  Oh tu que jazes estrebuchado
  Pelo veneno talvez
  inchado
  Clama
  Contra a mesquinhez humana.
  Porque teu crime foi
  ter defecado.
Em memória de Pablito
  Contrariaste a proteção aos quintais alheios.
  Dizem que fizeste uma velhinha chorar.
  Agiste de forma desumana –
  Mas tu não és homem,
  és gato!
 

  De mais a mais,
  não acredito que o tenhas feito.
  Não que fosses demasiado educado.
  Mas demasiado preguiçoso eras, sim.
  Na época havia uma centena
  de teus semelhantes por essas paragens.
  E, com certeza, um.
  Mas gatos, incógnitos,
  para todos os efeitos não existem,
  porque impossibilitariam queixas.
  Existe sim o gato da vizinha,
  conhecido portanto culpado.
 

  Chora, felino!
  Se querias viver, vieste ao mundo errado. Aqui
  Tua vida não valeu
  Um pouco de QBoa.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Seus Oito Anos

Por Sérgio Bernardo

 

“Mãe, posso ir catar doces de Cosme e Damião com meus amigos?”
 

“Isso é coisa do diabo, menina! Pode, não. Tem muita roupa dos seus irmãos pra lavar. Já pro tanque. Deus gosta de quem trabalha.”
 

E, enquanto esfregava e esfolava as costas dos dedos, não entendia por que o diabo havia de estar no gosto bom do açúcar e deus naquela dor misturada com água e sabão.

 

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Deflagrando-me

Por Rayane Medeiros
 
 
 
 
                             Nada lhe suplico, além das noites cretinas
                             Quando comigo cumplicia dos
                             Teus impulsos felinos,
                             O hálito com que suga minha saliva,
                             Teus afagos de cão abandonado
                             Ansiando meus poros
                                          Dilatados,
                                          Inflamados,
                                          Úmidos,
                             Ao senti-lo vivo,
                             Deflagrando-me.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Funilaria e Pintura S/A

Por Fabio Ramos




Saiu da oficina
Com uma lista:
No orçamento
Peças para reposição
Mão-de-obra
E material incluso

Pechinchou
Pechinchou
Pechinchou

Quem sabe fazer
Cobra o preço
Quem não sabe
Abre a carteira
E paga

Muitos amassados
Na lataria
Ferrugem
Assoalho quase
Alcançando
O chão

Eis que começa
A modificação:
Marteladas
Poeira da lixadeira
Maçarico e solda
Nos furos
Massa plástica
Lixa de ferro seguida
Pela lixa d’água

Então vem
A pintura geral
Compressor
Barulhento em ação
Tinta e verniz no ar
Remontagem
Por fim
O polimento

Serviço finalizado
Freguês sorrindo
Ao ver automóvel
Como novo de novo

Na hora do pagamento
A choradeira reinicia

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Será Ela?

Por Rosimeire Soares

  

O silêncio foi quebrado. O telefone toca. Ele se vira para a janela e ainda pode observar as luzes acesas no apartamento do vizinho de andar. O barulho é incessante. O coração bate mais acelerado. Mais acelerado. Parece que está na garganta. Ele tem certeza de que se alguém o visse nesse instante poderia ver tecido do jeans da jaqueta pular do lado esquerdo.
 

Será ela? Claro que é ela! Quem ligaria para ele às três horas da manhã? Ela possivelmente supôs que ele perdera o sono e queria consolá-lo. Num ímpeto, quer atender e ouvir a voz dela. Voz sempre rouca, mansa, suave, sensual. Ela, possivelmente, diria a ele que foi tudo um grande engano, que está tudo bem. Não, ela só está curiosa (com pesar, talvez) para saber como ele está, afinal, foram tantos planos...
 

O telefone fixo insiste em tocar. A cada ruído do aparelho, o som parece mais alto. O prédio está todo ouvindo, por isso precisa atender e acabar com tudo isso. Mas e se ela só quiser saber como ele está. Ele está mal, muito mal! Se pudesse apagar essa última tarde de sua vida. Ele ficaria pior se ouvisse a voz dela a confirmar o que seus olhos viram, o que já sabia.
 

Ouve uma buzina lá fora, som de pneu em aderência ao asfalto. A derrapada antecedida de uma buzinada surgiu no pequeno segundo entre um toque e outro do telefone. É um sinal, ele precisa atender. Mas e se ela quiser ignorar tudo, continuar como sempre foi. Ela não faria isso. Ele não poderia aceitar, todavia seu coração estava desejoso por isso.
 

Não poderia viver intensamente os cachos das madeixas dela. Os cabelos cacheados em harmonia com dois olhos tão pretos. E aqueles lábios...
 

Com aqueles lábios, ela fez com que ele a amasse. Com aqueles lábios ela disse a ele que não é nada da forma que ele viu. Como não? Ele viu, ninguém lhe falou. Ouviu quando ela declarou amor ao outro. Ele fizera tantos planos, mas o coração dela fora arrebatado por outro homem. Isso era forte demais. Sua dignidade, seu orgulho masculino foram feridos. Talvez ela se arrependera. Meu Deus! Precisa atender. Não. Não pode atender.
 

O telefone toca e parece lhe dar uma última chance. É melhor ouvir o que ela tem a dizer. Ele não tem tempo de pensar. Atende.
 

O instante em que segura o aparelho, na altura do peito e decide bruscamente apertar a pequena tecla com a figura verde é também o instante contemplado do outro lado para que o indivíduo desistisse da chamada.

Ouve, então, apenas o som ininterrupto da operadora telefônica, anunciando que a linha está desocupada. Paira o silêncio. A lágrima acuada, na orla dos olhos, agora não encontra mais barreira e desce a face como uma enorme e constante cachoeira.

domingo, 23 de setembro de 2012

Canto do Cisne

Por Érika Batista
 


 
                             “Oh! flor do céu! Oh! flor cândida e pura!”
                             Grita por mim, doce e fiel amado
                             Em teu êxtase de dor e de loucura
                             Pois pra ti me hei sempre reservado
 

                             Grita por mim ao entrares na peleja
                             E luta com força, com gana, com vigor
                             Pra que tu vivas, e eu, tua seja
                             Para que possas triunfar por teu amor
 

                             Mas se necessário for que tu pereças
                             Que meu nome seja teu canto final
                             Rogo por tudo que a isso não esqueças
 

                             Faça assim com que tua vida valha
                             Combatendo por mim, nobre ideal
                             Perde-se a vida, ganha-se a batalha!
 

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Enxames

Por Sérgio Bernardo




                      O bisturi do metrô cortando
                      a entranha da cidade
                      ao parar na estação
                      despeja do buraco com escadas
                      formigas com mochila, paletó, salto alto,
                      ao longo da avenida onde os carros
                      como besouros suicidas
                      trafegam sua urgência
                      movida a gasolina e automatismo,
                      enquanto sobre a urbe helicópteros
                      riscam o ar
                      com o varejeiro voo
                      de moscas sanguinárias
                      que se alimentam do substrato
                      de outros insetos pisoteados sem culpa.

 

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Cinzas

Por Rayane Medeiros
 
"Não mandarei                   
Cinzas de rosas                   
Nem penso em contar                   
Os nossos segredos"                   
(À Sua Maneira, Capital Inicial)                   
  
 
 
 

                                        Enterro agora – Sem choro e sem flores,
                                        Os versos que te escrevi tão solenemente.
                                        As lembranças mais profanas;
                                        Os beijos sugados entre uivos;
                                        A vontade em tê-lo Norte...
 

                                        Enterro sem luto;
                                                    Sem remorso,
                                        O diabo de paixão que a ti devotei –
                                                                      Arbitrariamente.
 


quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Almoço ao Moço

Por Fabio Ramos


 


                   Deu meio-dia
                   no canteiro de obras

                   Quem não trouxe
                   marmita preparada
                   vai ao restaurante
                   do Paraíba
                   buscar a quentinha

                   Antes
                   da primeira garfada
                   uma prece é
                   realizada

                   O alimento
                   engolido com pressa
                   aplaca os roncos
                   do estômago,
                   sendo um apoio vital
                   para o melhor momento
                   do expediente:

                   A hora de ir embora
 

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Solidão

Por Denise Fernandes

 

         Solidão é um porre que não termina. Sabe quando você bebe muito e ainda acorda bêbado. Aconteceu comigo, mais de uma vez. A última foi quando tentei tomar uísque com Red Bull e ser moderna. Solidão é assim.

         Solidão é um naufrágio sem sentido. Algo que você fala e ninguém entende. Você se arrepende de ter falado, mas nem por isso as palavras e o som se apagam.

         Solidão é um remédio estranho. Você toma e não faz efeito. Você não entende o médico, nem muito menos o que seu fígado fez com o remédio.

         Solidão é um bem que é um mal. Algo assim como estar apaixonado e decepcionado: solidão é um ar quente num dia quente, um ardor na fronte, no cérebro. Solidão é um banho que você toma sem querer tomar: só para ver se resolve.

         Solidão não acaba com companhia. Ela acorda como quem não quer nada e se instala no dia: como um sol abafado. E não vai embora. O dia termina, mas a lembrança do sol ainda queima o seu corpo. O cansaço é solidão, agora sei. Solidão do corpo e da alma, saudades de outros tempos.

         Solidão é saber que não se pode voltar.

         Solidão é você falar que a crise é sua, não tem nada a ver comigo.

         A solidão não tem lágrimas, sorrisos ou amigos. Ela é uma âncora da eternidade. Porque Deus se sentiu sozinho e criou o resto do mundo. E tenho vontade de te recriar, aonde havias: filho ou homem.

         A solidão é uma mulher bem vestida, maquiada, com um sapato de festa, sem convites, sem ninguém a esperar.

         A solidão é essa noite sem vento, sem lua no céu: ela é um ocaso da minha maturidade – inesperado, tardio. É uma menopausa: não dói, não sangra. Não passa na televisão, não dá ibope.

         Soa como os ônibus que passam às cinco da manhã nas noites de insônia: sinal de algo que não se sabe, não se quer. Quem quer um dia após uma noite de insônia, outro dia?

         A solidão é um recuo da sabedoria. É essa porta que já sei onde
vai dar.

         Enquanto você sofre, fico só. Te olho do outro lado do vidro que nos separa. Tão tênue, coração de vidro.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Onde Não Entra o Livro

Por Rosimeire Soares



                                     Onde não entra o livro
                                     Diz o poeta
                                     Não entra outras artes
                                     O livro é o precursor
                                     O anunciador
                                     De que o homem é bem mais
                                     Mais do que matéria
                                     Que vai se decompor
                                     O homem é ideias e ideais
                                     Fé e lirismo
                                     É materialização
                                     Do amor Supremo


                                     Onde não entra o livro
                                     Diz o poeta
                                     Não entra a possibilidade
                                     De crescer
                                     Em fé
                                     Em amor
                                     Em solidariedade
                                     Mais do que papel
                                     Livros são a representação
                                     Da espécie humana
                                     Da certeza
                                     De que da Palavra emana
                                     Transformação, sonhos


                                     O que seria do homem sem fé e sem sonhos?


                                     Onde não entra o livro
                                     Diz o poeta
                                     Não entra o poder da linguagem
                                     A beleza da linguagem
                                     Solapam a sensibilidade
                                     Empregam o imediatismo
                                     Terceirizam até o amor
                                     Emudecem os sentimentos
                                     Coisificam seres
                                     Matam os sonhos


                                     O que seria do homem sem fé e sem sonho?