Por Denise Fernandes
Estou tentando me perdoar. É difícil. Perdoar aos outros também exige muito, mas perdoar a si mesmo é mais complicado. Entre os sonhos e as expectativas, a realidade pode ser o espinho da rosa da existência.
Sem amor, não existe aprendizado, vida, nem significado. A própria energia é amor. Em tempos de marketing, de ódio político, e igrejas que ainda temem o diabo, só o feirante Ricardo me salva. Ele me manda mensagem de áudio: "Oi, amore, tudo bem? O que você vai querer essa semana? A mamãe vai bem? Sua filha vai bem?".
Passo minha lista para ele, e toda semana vem aquela alegria de frutas coloridas. E o mais importante: a alegria de ouvir "Oi, amore!". Porque parece que o amor está mais raro, ou mais caro. No luto coletivo que vivemos, com cada vez mais miséria, doença e saudades, o amor que o Ricardo me dedica, com seu nobre trabalho, é um sol quentinho no inverno da cidade.
Outro dia, disse a ele que estava sem dinheiro para pagá-lo, e perguntei se podia fazer um depósito em conta. Ele se preocupou com a situação, e até me ofereceu dinheiro. Quase não acreditei na generosidade e confiança dele. Perplexa, agradeci. E depois comemorei com meu filho a sorte de convivermos com o Ricardo. Sem as feiras, as cidades são frias e sem graça. Sem amore, é quase impossível ter esperança.
Desejo toda a sorte do mundo para o Ricardo, e para todas as pessoas que ele ama. Muito amore, sempre amore, e frutas também. Quando as estrelas brilham no céu, elas emanam amore. No carinho das crianças, também amore. E quando, na madrugada fria, os feirantes vão chegando com seus produtos cheirosos, e transpiram, montando suas barracas, reviro no meu quarto as angústias que não posso esquecer.
Mesmo que eu nunca consiga me perdoar, sempre serei agradecida por ser amore, e pela feira, onde a alegria e o alimento se misturam; sedimentando o espírito urbano como troca.