sábado, 31 de janeiro de 2015

Crianças da Internet

Por Meriam Lazaro


Imagem: Meriam Lazaro


Dizem que o computador é máquina de fazer doido. O que me leva a pensar nas loucuras proibidas e permitidas do mundo virtual. Nas proibições, estão o furto de dados, a violação de direitos autorais, a exposição indevida de crianças e outros delitos, alguns reconhecidos por leis recentes. Fora da lei há os pecados, são tantos!... O vício de dar uma espiadinha na caixa de mensagens, curtições no Facebook, notícias no Twitter, imagens no Instagram, etc. É por aí o vão das horas. Quem escreve no ambiente virtual, não consegue imaginar o que era para os antigos escritores aguardar dias e dias pela opinião dos leitores. Alguns, mais reticentes, nem o queriam, preferindo o anonimato ao longo da vida ou dos séculos. Essa espera não cabe agora. A infância esticou, permitindo às crianças da internet postagem de textos e imagens, com instantâneos afagos ou alfinetadas do outro lado da tela. São crianças de todas as idades, dos pequerruchos aos nonagenários. Bastam dois dedinhos, visão razoável e gosto pela exposição de ideias ou imagens, sejam próprias ou por empréstimo de outros, com os quais normalmente concordamos. Quem carece de fama, se coloca sob os holofotes dos famosos. Eu posto, tu postas, ele posta, todos curtimos!! Curiosamente, surgem tacitamente regras de etiqueta. Eu comento, curto e cutuco você, mediante retribuição de comentário (elogioso, é claro!), curtição e cutucão de sua parte. Sem essa reciprocidade, magoo. Fico emburrada no meu canto, formulo hipóteses para justificar porque a raposinha não liga mais para a sua rosa. Sendo das mais carentes, abro o berreiro drummondiano para saber por que me abandonaste, se sabias da minha fraqueza? É um mundo novo, onde até nossa identidade sofre mudança. Triste daquele que postar comentário em desacordo com o desejo do dono da página. Salvamos ou perdemos amigos com único clique. Nessa brincadeira, Deus nos livre de ficar sem conexão!
 

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Destino e incerteza

Por Amilcar Neves*

 
Difícil dizer o que faria alguém sair de carro de Capivari de Baixo para passar cinco ou seis dias em Curitiba, cidade que não conhece, em que jamais esteve e onde não tem amigos nem parentes. Pior ainda se considerarmos que o sujeito não sai do Sul de Santa Catarina e vai até a capital do Paraná para algum compromisso profissional, familiar ou religioso. Tampouco vai a turismo, cultura, esporte, lazer, educação ou descanso. Vai, simplesmente. Sem imaginar o que haverá de fazer ou enfrentar naqueles altiplanos a mil metros de altitude.
 
Mais intricado ainda se te disserem que esse senhor partiu para semelhante aventura no decorrer de uma semana complicadíssima para o seu escritório de advocacia, levando consigo sua filha amadíssima e a esposa adorada. Para amenizar a situação, convocou os serviços de companhia, guia e intérprete a um sobrinho de quem se diz já ter estado pelo menos por três vezes em cada capital estadual do Brasil.
 
Assim, Jhúlia Osorinha se viu subitamente extraída do seu pacato meio habitual, vendo igualmente os seus quatro anos de idade lançados no miolo ardente e frenético da cidade grande que é Curitiba, juntamente com o pai Júlio Osório, a mãe Thúllyah Osória (da fusão criativa dos nomes dos progenitores tendo nascido o inédito nome da pobre criança) e um sujeito estranho e carrancudo chamado Manoel Osório, apontado como um parente muito influente na capital dos catarinenses e, a partir de agora, também na dos paranaenses.
 
A motivação exclusiva, o fator determinante para a realização da viagem foi um sonho recorrente tido por Júlio Osório durante três noites seguidas, pelo qual sua vida corria extremo perigo no Sul do Estado, devendo procurar salvação em Curitiba, onde haveria de ter muita sorte com uma atitude – jamais explicitada em seu nebuloso mundo onírico – que lá tomaria ao sexto dia.
 
Em cinco dias o quarteto visitou demoradamente quanto "shopping center" houvesse na terra das araucárias, evitando cuidadosamente todo e qualquer museu, teatro, biblioteca e livraria. No sexto dia, por falta de melhor inspiração, iluminação ou sonho, Júlio Osório passou em uma lotérica, apostou em todos os jogos existentes e, aliviado, retornou para Capivari de Baixo.
 
Manoel Osório torce agora por uma bolada para o tio, que lhe prometeu 40% de qualquer prêmio pela ideia salvadora das loterias.

*Conto publicado no jornal "Diário Catarinense" de 22.09.10

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Etapas

Por Fabio Ramos




correu
a
vista
pelo salão


meia dúzia
velam
o
finado


(marcão)


e
essa
carpideira
?


um kikito
pra ela


por
quê
?
pra quê
?


gastando
vela
com
defunto ruim


(...)


criança de colo
nos braços
da mãe


um
sorriso
banguela
pra
ti
 

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Crise Hídrica

Por Denise Fernandes




Só pretendia me manter informada – e a crise hídrica se instalou em minha vida interior. Tive vários sonhos com essa temática nos últimos tempos.

Sonhei que virava avaliadora de água para a SABESP e nadava em vários lugares para dizer como a água estava.

Sonhei que virava nômade, de praia em praia, para estar perto da água. Nesse sonho, eu tomava água dessalinizada.

Sonhei que estava numa clínica à beira mar com uma amiga. Estávamos ali para nos tratar e também porque estávamos à beira mar, com água.

Sonhei que eu mudava para o interior por causa da crise hídrica, mas não conseguia ficar na casa nova, vivia viajando. Nesse sonho eu via um mapa com eu mesma nômade, de novo viajando pelo interior sem rumo, ou melhor, em direção à água.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

campos e pálpebras

Por Ana Paula Perissé




                                              insone campos
                                              minados
                                              a despejar tiros
                                              de pálpebras
                                              outrora iluminadas


                                              a vagabundear
                                              pelo traço
                                              ultimo
                                              de uma lágrima
                                              esquecida


                                              quando jorram
                                              já inerte
                                              agitam-se
                                              pelo devir
                                              de cada sonho
                                              a se fazer


                                              ainda.

domingo, 25 de janeiro de 2015

Beijos

Por Oswaldo Antonio Begiato



 
Você vem cantando uma canção.
eu julgo ser uma antiga canção de amor
(você a canta sempre quando me entristeço).

 
Fala coisas e fala coisas e fala coisas...
mas eu não compreendo sua pronúncia.
É que você vem com a língua úmida
desesperadamente ávida por beijos.

 
Aí a beijo com minha boca sóbria
consumindo toda sua sofreguidão.
Devagar vou decifrando sua voz,
suas palavras brandas,
sua canção dando prazer aos sentidos...

 
Fala que me ama e que me ama e que me ama...

 
E eu a venero ainda mais por isso
e vou ficando com a língua úmida
e ávida...
...desesperadamente ávida
por beijos.

 
Desesperadamente ávida por seus beijos sagrados.
 

sábado, 24 de janeiro de 2015

Vende-se nostalgia

Por Meriam Lazaro




Não, não é invenção! Há quem venda e há quem compre nostalgia. Você pensou em poesia? Pensou certo. Pense nas novas músicas que lhe conquistaram. Agora busque na memória um ritmo parecido vindo lá do seu tempo de infância ou de adolescência. Assim é que Renato Russo se assemelha a Jerry Adriani. Daniela Mercury faz recordar a ginga de Clara Nunes. Maria Rita faz sonhar que Elis vive. Marisa Monte, que bastaria ser Marisa com sua voz límpida de instrumento, para alguns trará recordações do Kid Abelha. O mercado musical sabedor deste quê de passado que todos têm dentro de si, quando quer vender um novo ritmo o divulga entre duas composições já consagradas, do contrário o ouvinte mudaria de emissora para não se sujeitar ao bombardeio sonoro desconhecido. Até a grudenta canção de Celine Dion em “Titanic” é tolerada por conta do grande amor interpretado por Leo e Kate. E o cinema? Por ventura seus filmes preferidos não têm o mesmo tema? O que “Toy Story” tem em comum com “Hair”? Se você ainda duvida, pense nas propagandas de alimentos. Avós suaves e sorridentes conseguem trazer o sabor de infância com a mágica gordurosa de um tablete que vem em caixinha. Artigos da mesma marca são vendidos em nome de tal e tal reminiscência. Pacotes de turismo são comprados com a ilusão de se reviver uma página da História. E onde estaria a poesia? Se agora há um eu filosófico que sabe da impossibilidade de banhar-se duas vezes nas mesmas águas do rio, há outro eu que recorda e quanto mais se distancia da nascente pinta com cores cada vez mais frescas as águas das lembranças.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Crônica inacabada

Por Mayanna Velame


 
 
Abri os olhos e me vi só. Observando-me, apenas o relógio na parede – a registrar a fugacidade do tempo. Mesmo possuída pelo sono e por minha preguiça diária, levantei-me.


No banheiro escovei os dentes e lavei o rosto. Sorri. O espelho estampou, sem receio, as marcas que a idade sempre nos deixa.


Tempos depois, na cozinha, tomei um gole de café (na tentativa frustrada de enganar a fome). Eu tinha fome de quê? Decidi, então, espiar lá fora. Fazia um dia nublado. O Sol, tímido, despontava como um ponto opaco no céu.


Pássaros cantavam, carros trafegavam, pessoas caminhavam. De repente, uma vontade súbita de caminhar pelo mundo. Vesti meu melhor casaco. Ganhei as ruas. Dobrei esquinas. Subi e desci ladeiras. E, no final, repousei meu corpo no banco da praça. Crianças brincavam ali. Idosos se divertiam jogando dominó. Os galhos das árvores balançavam – de acordo com o ritmo do vento. Pardais e rolinhas bicavam mangas.


A crônica se desenhava para mim. Em cada rosto que me esquadrinhava, a cada buzina frenética que ecoava. Virei testemunha da vida e a vida também me testemunhava. Durante alguns minutos, não pensei em mais nada. Deixei a própria vida pensar e agir por mim.


A tarde se aproximava e, com ela, uma repentina fome. Deixei a praça e atravessei a rua. Acomodei-me num botequim. Debruçada sobre o balcão, pedi um copo de refrigerante e um sanduíche de presunto ao garçom. Antes mesmo da primeira mordida, folheei o jornal que estava ao lado. Entre notícias sangrentas e corrupção, encontro (no canto da última página) um texto intitulado “Crônica inacabada”. Curiosa, iniciei a leitura. O texto começava assim: “Abri os olhos e me vi só. Observando-me, apenas o relógio na parede...”

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Roberto manda notícias

Por Amilcar Neves*

 
Em verdade, quem mandou notícias do Roberto foram os gêmeos de Videira. Ficcionista tem desses vícios de profissão: sempre distorce, muda, altera, "melhora" algo na realidade para tentar dar algum sentido e levar algum interesse ao que escreve. Assim, anuncia em letras grandes que Roberto mandou notícias para, em seguida, dizer que os arautos foram Claudinei e Claudionor.
 
Os dois irmãos só não são siameses: idênticos em tudo, desde o físico até o intelectual, desde o mental até o espiritual, estão sempre juntos. Quando conversam, cada qual invariavelmente diz a metade da frase, deixando ao outro que a complete. E o complemento de um é sempre o que o outro estava mesmo querendo dizer. Usam o artifício, que já passou a integrar suas personalidades, mesmo quando conversam entre si, o que não param de fazer. Para eles, é curioso ver as pessoas falarem frases inteiras, completas e acabadas. Parece-lhes, este, um expediente estranho de quem talvez se sinta muito solitário, sem alguém que lhe complete o pensamento e a vida.
 
Às vezes, de brincadeira, eles se apresentam a novos vizinhos como Claudionei e Claudinor. Fazem isso só para se divertirem um pouco, confundindo as pessoas e dificultando-lhes a identificação de qual deles não é o outro.
 
Pois os gêmeos da bela cidade de ladeiras íngremes mandam dizer que Roberto é um frequentador assíduo da biblioteca municipal de Videira, no Meio-Oeste catarinense, da qual faz de um livro um dos mais retirados do acervo. Aliás, esclarece Claudinei, Roberto é a única pessoa que pede o livro..., e completa Claudionor: Rádio Digital, que nunca ninguém mais quis ler.
 
Informam mais, os dois: Roberto está copiando a mão o livro todo, por isso que precisa retirá-lo e devolvê-lo, por decurso de prazo, tantas vezes. Por que ele não diz que perdeu o livro, ressarce a biblioteca com outra obra mais procurada pelos leitores e fica de posse definitiva desse seu livro de cabeceira?, insinuam os gêmeos. O fato é que Roberto não perde palestra na cidade, concedendo ao orador uma tolerância de cinco minutos: se ele não for enfático e claro nas palavras, dá-lhe as costas com desdém e vai embora. Do contrário, pega dele um autógrafo ao final da fala, entusiasmado com o desempenho.
 
Nuves, da biblioteca, é quem decifra o enigma: quando for grande, Roberto quer muito ser locutor de rádio.

*Conto publicado no jornal "Diário Catarinense" de 22.12.10

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Túnel do tempo

Por Denise Fernandes




Não, eu não voltaria para minha juventude. Te esperar. Não encontrar. Prefiro agora. O corpo denso, entregue, pesado. Gosto mais de nós mais velhos, mais covardes, mais fortes. É melhor agora que a sabedoria mora em nossa casa.

O que fazer se não tenho saudades. O coração chegava a doer. Agora bate tranquilo.

Se eu tivesse que voltar, preferiria voltar para minha infância, a parte em que eu corria nas noites de verão atrás dos vagalumes, e prendia-os no banheiro. Depois sentava no escuro dentro do banheiro, olhando suas luzes, e me sentindo muito feliz com isso. Esse é o momento para o qual valeria a pena voltar.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

pedraverão

Por Ana Paula Perissé

 
 
 
                                          ante-poeta,
                                          sua súbita lembrança
                                          requer preamar
                                          de algumas palavras.
                                          lume
                                          pedralume
                                          esculpa e tinge
                                          sílabas ainda sem cor:
                                          vem guarda-sol
                                          e não vira sombra sequer:
                                          vira verão
                                          em texto escolhido.