sábado, 31 de agosto de 2013

Amor de Letra

Por Meriam Lazaro
 
 
 
            Escrever, para mim, é fazer amor com as letras.
 
            Não um ato pornográfico, daqueles sem revelação,
 
            Retratado em páginas de erotismo casto.
 
            Não! É amor de película, textura e pele.
 
            Amor que em movimento se constrói,
 
            A pena, a fogo, a significado...
 
            Língua que se enrosca no verbo e vai sondar o mar da boca
 
            Numa viagem que abarca mil maravilhas!
 
            Saliva de gotas agitadas nervosas desassossegadas...
 
            Que sedentas desaguam na areia a escrever palavras num gozo sem fim. 
 

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

O Sabor de Damasco

Por Mayanna Velame
 
 
Provei um pedaço de damasco e o seu gosto penetrou em minhas entranhas. No entanto, a minha rejeição digestiva não foi maior do que ver as recentes imagens do último ataque ocorrido contra civis, na periferia da capital da Síria. Ainda não se sabe quem foram os responsáveis pelo episódio – o governo sírio ou os rebeldes.
 

Com suspeitas de um bombardeio de armas químicas, em especial sarin – gás extremamente venenoso que atua no sistema neurológico. O povo sírio, mais uma vez, virou alvo das consequentes mazelas de uma guerra civil que já dura dois anos. Não diferente das constantes cenas de violência que agridem veemente o país, este último ataque deixou centenas de mortos.

Entre ruínas de concretos e poeiras, as principais vítimas registradas foram crianças, idosos e mulheres. Todos com seus corpos enfileirados e enrolados em lençóis, à espera do reconhecimento de algum familiar. O que se viu foi um verdadeiro cenário apocalíptico.

O fato é que a Síria vive subordinada ao governo ditatorial de Bashar Al Assad. No qual prevalece a ausência de diálogo e a intolerância com a população. Além da falta de liberdade de imprensa e de direitos civis básicos aos cidadãos sírios.

A sociedade em geral fica na expectativa de que a ONU, a Comunidade Internacional e os Direitos Humanos estabeleçam alguma posição em relação ao governo de Assad. Somente assim, as duas estrelas desenhadas na bandeira da Síria irão cintilar novamente.

Acontecimentos assim faz-nos refletir acerca do mundo em que vivemos. A ganância, o poder centralizador, a escassez de compaixão, a negação do amor e o egoísmo imperante são ingredientes impregnados nas veias das grandes potências e autoridades, que pouco se preocupam com a base pacífica de qualquer nação: o povo.
 
Encontrei um pedaço de Damasco e o engoli. Seu gosto era de suor e sangue. Nas minhas entranhas, um grito ecoava pedindo paz e liberdade.
 

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Inquietude do Ser

Por Fabio Ramos
 
 


preocupação
fica fora
 
tevê em
funcionamento
antes de
tudo

(ronnie von
deseja
boa-noite)
 
abre
a
geladeira pra
pensar
mas prefere
engolir
saliva

criança
que não sabe
ler
só olha figura
como
ele
folheando
revista

na
cabeça
repassa o
dia

dorme no
sofá

escorre
baba
da boca
 

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Poesia

Por Denise Fernandes
 
 
Não acredito em nada
 
as flores,
 
efêmeras demais
 
o pensamento, falso demais
 
a poesia, suspeita demais
 

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

literatura corporal

Por Ana Paula Perissé
 
 
Imagem: Tatyana Markovtsev


                                         conte-me uma estória
                                         com o toque de tuas
                                         mãos
                                         em meu corpo

                                         (luz em fenda
                                         inefável)

                                         nas extremidades de teu ser
                                         há contos
                                         e vozes antigas

                                         chegue-me perto
                                         e me fale
                                         com teus toques
                                         de teu ensaio

                                         de palavras ou de gestos
                                         há um calor
                                         que se aproxima:

                                         som em fenda
                                         inaudível
                                         (aos outros)

                                         Conte-me de ti
                                         no rabisco de minhas marcas

                                         em sílaba brutal
                                         sibila-me

 

domingo, 25 de agosto de 2013

Soneto do Fim do Amor

Por Érika Batista




E o amor morreu...
Todo o bem enfim sumiu
Não está mais cá quem riu
Só ficou quem só sofreu

E o amor findou...
Toda a vida se explodiu
A treva eterna surgiu
O dia não mais raiou

E eu, que tudo isso vi,
Muito e muito e mais sofri
Por ficar a observar.

Mas quando voltei a olhar
Glória! O amor não morreu.
Não passou de um sonho meu.
 

sábado, 24 de agosto de 2013

Semente

Por Meriam Lazaro
 
 
 
                     Sou árvore, sou semente
 
                     do bem e do mal em mim.
 
                     Sou tarde clara, nascente de águas turvas sem fim.
 
                     Eis que em minhas veias germina tudo-tudo que preciso...
 
                     O mal que tenho - e isto eu duvido - precioso brilha em mim.
 
                     Só quero o bem e o riso, contentamento sem fim!
 
                     No solo fecundas raízes se alimentam do lodo,
 
                     têm na dor as diretrizes
 
                     que ao sol se abrem em flor.
 
                     Esta flor, rara em beleza, é flor que o mal sustentou,
 
                     pra não sucumbir à correnteza com muitas garras lutou.
 
                     Passou o tempo da infância e a incerteza vingou.
 
                     Na mocidade a bonança foi flor que logo murchou.
 
                     Hoje é caminho do meio, passos do bem e do mal,
 
                     sabe a altura da certeza e da tristeza abissal.
 
                     Se renego, por destreza, parte desta semente,
 
                     firo o germe, mato a planta, a beleza de ser gente.
 

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Tintas

Por Mayanna Velame
 
 

                                 Se o vento pudesse

                                 Assoprar o tempo...

                                 Pediria as tuas horas para mim.

                                 Esqueceria o teu passado...

                                 Viveria o teu presente...

                                 E escreveria, com tintas de amor, o teu futuro.
 

                                 Mas o tempo, este sim é ferino...

                                 E é por isso que meu coração continua pelas ruas...

                                 Apenas te seguindo...

 

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Crendices

Por Fabio Ramos
 
 


escadas?
passou embaixo
 

atrás da porta
vassoura
(piaçaba pra cima)
largou
 

cruzou
com
gato preto
 

espelho do
quarto
não
resistiu
 

carregou
trevo
quatro folhas
 

pé-de-coelho
no chaveiro
 
 
guarda-chuva
em casa
abriu
 

toda
sexta-feira 13
evitou
sair
 

bateu
na madeira
três
vezes
 

chinelos
emborcou
 

e nada
aconteceu
 

terça-feira, 20 de agosto de 2013

A Torre

Por Denise Fernandes

 
         Lá estava, mais um jogo de tarô. As cartas coloridas sobre a mesa e minha cabeça perdida em reflexões. A carta "O julgamento" está sempre no meu jogo e lá estava ela. Eu não entendo. Acho estranho alguém sempre tirar a carta "O julgamento" e o mais estranho é que esse alguém estranho seja eu mesma.

         E então vejo "A Torre", central na primeira casa, e vou lembrando. O dia recente que dei umas dez topadas, quase quedas, sem entender o motivo. Posso entender com "A Torre": é quase um ruir meu, uma queda profunda.  Lágrimas inesperadas diante da televisão, lágrimas inesperadas olhando a lua, numa música. "A Torre" traz essas lágrimas inesperadas e talvez traga mais.

         Frágil, trêmula, sou mesmo essa torre tocada pelos raios de Júpiter. A idade não me deu força, deveria ter dado? O tempo só me trouxe mais ternura, muito do que parecia meu o tempo levou. Minha força, coragem, um medo que eu tinha de tudo, tudo foi consumido no trajeto constante do tempo. Esse trabalho do tempo tem a ver com a carta "O julgamento" no meu jogo, mesmo que eu não entenda. "A Torre" mostra que eu não entendo. E pratico autotortura vendo na televisão um homem caminhar no fio, numa altura enorme, batendo recorde. Fico vendo quase sem respirar direito, pior que ficar espremendo espinhas e cravinhos.

         "A Torre" também é eu sonhar com um amor de filme ou de novela quando nada indica que ele apareça. Acho que "A Torre" é estar no lugar errado, na hora errada, quase um oposto da carta "O mago", estar no lugar certo, na hora certa. "A Torre" é a falta de ponte, um desfiladeiro, rochas que não estão firmes, um vento que a gente não entende.
 
         "A Torre" é não ter a mínima ideia de que roupa colocar, ter um cabelo com vida própria, bem independente da sua vontade, agir de forma a fracassar diante de si mesmo, viver perdas. "A Torre" foi o tsunami no Japão, o terremoto no Haiti e outros tipos de catástrofe natural. Na noite do tsunami, podia sentir um peso no ar. Sei que é loucura, mas foi assim que senti.

         "A Torre" é uma carta que mostra a profundidade do tarô. Ela mostra a face terrível de Deus. Ele é plantação, mas também gafanhoto. Céu azul, mas também terremoto. A situação com "A Torre" mostra que devemos temer a Deus, senhor dos raios também.

         Fecho as cartas. Como quem guarda algo precioso, guardo meu tarô. Mesmo assim, a imagem que estou numa torre continua em mim. A torre é alta e me dá vontade de voar. A torre sou eu também e sinto que não sei o que estou fazendo nas suas paredes e silêncios. A torre é em mim onde me ergui, me construí diante do espelho e nas minhas atitudes, onde te espero e talvez você não apareça.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

pitangas da tailândia

Por Ana Paula Perissé


Imagem: Liu Yuanshou


                                            sol poente
                                            em teus pelos
                                            suaves.
                                            [húmus
                                            torrencial
                                            de nós
                                            em estremeção]
                                            lua nova
                                            em visão de pele:
                                            há névoa morena
                                            de teu lábio
                                            nos meus,
                                            pequenos
                                            grandes.
                                            fremitando
                                            ao escupir falésias
                                            n´almas já
                                            sem corpos,
                                            1´sequestro de tempo :

                                            espasmo de nós
                                            para mundo desviado
                                             ( e eu chupo
                                            pitangas da Tailândia)

domingo, 18 de agosto de 2013

Rotina

Por Érika Batista




Rotina inalterável

Inaturável

De tão natural.

Gestos automáticos

sem vida, sem prazer.

As coisas ocorrendo

Imutáveis

Clamando, mutantes,

Por uma indelével mudança

Sempre,

Todos os dias

Rotina.

sábado, 17 de agosto de 2013

Cinzas

Por Meriam Lazaro




                               Para não perder o ponto,
                               Na paisagem que me espia,
                               Num faz de conta, acendo o cigarro.
                               Noite e dia são iguais.
                               O pigarro é verdadeiro.
                               Nem o café me salva do trabalho.
                               Para não enlouquecer não ponho dinheiro
                               Na caneca de caveira.
                               Ao meu redor, flores descoram,
                               Frutos silenciam,
                               Tapetes tigrados bocejam a metro.
                               Pés no vácuo.
                               Mãos ao alto!
                               Roubaram o asfalto.
                               Nas ruas, só os gatos, humanizados e perdidos,
                               A cobiçar os pássaros em fuga da cidade. 
                               De malas prontas, as árvores acenam.
                               Direita. Esquerda. Balas. Soldados.
                               Volto para setembro.
                               Já nem me lembro do frio no rosto,
                               Do vento gelado uivando finados.
                               Mas isto é novembro...
                               Antes de outro fim.
                               O ônibus passa reto e troncho.
                               Cadê a placa que me indicava o destino?
                               Rente à cabeceira, o relógio toca.
                               Sacudo as cobertas e as cinzas de agosto.