domingo, 31 de agosto de 2014

sábado, 30 de agosto de 2014

O signo do trabalho

Por Meriam Lazaro
 
 


De dentro da caixa de trabalho saíram vários cartões e dados. Aquele jogo, mais parecia um polvo, com tentáculos inquietos em busca de abraço. Neurinha perguntou à fada madrinha: 

– Se cada pessoa tem somente um dom, por que da caixa saem tantos braços? 

A resposta veio.

– Faça uma escolha, meu bem.

Com a certeza das crianças, ela escolheu ser artista. Talvez pintora, gostava muito de desenhar. Ou quem sabe, escultora? Lidava bem com argila na olaria defronte de casa. Deixou meio soltinho, de modo que quando a oportunidade surgisse ela saberia.

Ressabiada com as pessoas, tinha uma condição. Que pudesse morar numa casa-barco. Assim, quando passassem a se aproximar demais dela, levantaria âncora e partiria para outro porto.

Seguiu estudando. No colégio, teria que escolher uma área antes da matrícula do segundo grau, como se chamava o ensino médio naquela época. Escolheu saúde. Amava livros, insetos e plantas, poderia ser uma cientista. Ainda se manteria isolada das pessoas, dentro de um laboratório.

Mas eram tantas alternativas. Engraçou-se de um piloto, passando, então, a querer ser aeromoça. Maquiada, uniforme azul-marinho e branco, lenço no pescoço, elegante e linda! Infelizmente, em casa a profissão era vista como coisa de moça da vida.

Concluído o ensino médio, Neurinha, com 15 anos, fez curso técnico de laboratório. Precisava de uma profissão que a sustentasse durante os anos de faculdade. Era o momento de explosão da AIDS! Surgia o medo de lidar com sangue e outros fluídos humanos. Não emplacou.

Ainda de brincadeira, prestou o primeiro vestibular para letras. Não passou. Esqueceu-se do assunto. Nos anos seguintes deu início aos cursos de enfermagem, nutrição, terapia ocupacional. Por um ou outro motivo, o entusiasmo inicial era substituído por enfado tamanho, sempre justificado por uma desculpa plausível.

O setor em que Neurinha trabalhava no hospital fechou. Aproveitou e foi para novo porto. Ali pensou em fazer vestibular para psicologia. “Precisava se entender”. Esta era a frase da época. Passou a estudar com uma conhecida, que queria prestar vestibular para direito. Se a colega passasse com a ajuda dos estudos, Neurinha ganharia um bom dinheiro. Na última hora, inscreveu-se para o curso de direito, profissão que jamais lhe chamara atenção, nem sabia para quê existia. Depois, mudaria para psicologia.

Não houve necessidade de fazer as matérias do básico. A paixão surgiu nas primeiras aulas do curso noturno. Aprendeu que tudo na vida tem pelo menos duas formas de se apresentar, segundo o ponto de vista do autor ou do réu. Não existindo meia faculdade ou meia profissão, decidiu se formar, e dali a dez anos rever sua escolha. A colega nunca se formou.

Se os dias são lentos, os anos passam voando. Não é que Neurinha se viu questionando o que fizera da vida? Surgindo do seu passado de menina séria, lembrou-se da caixa de trabalho. Jogando os dados para cima, invocou um arremedo de fada madrinha.

– Por que nos dão tantas opções, se estas só atrapalham e não nos deixam escolha?

Quando se pergunta com convicção, algo nos responde. Leu em Descartes algo mais ou menos assim:

– Escolha, não é só o arranque inicial. Podemos querer tudo, mas não podemos ter tudo. A permanência também é uma escolha. Não há certo nem errado se persistirmos fiéis no caminho escolhido. Ao final não seremos os mesmos, sairemos transformados.

O signo do trabalho é cuidar do outro. Amor que nem sabemos que praticamos, pensou Neurinha. Lembrou-se da proximidade da aposentaria, quando poderia fazer outra escolha genuína, tão logo soubesse...

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

As promessas da retomada

Por Amilcar Neves*
 

Não sei como será hoje à noite, mas na terça-feira o reinício foi promissor. Aliás, na terça e também na quarta. Bem verdade que, se soubesse com precisa exatidão como serão as coisas logo mais, eu não estaria aqui nem continuaria um pobre mortal remediado. Já teria comprado alguma imortalidade por aí, posto que dinheiro não me faltaria e visão de futuro seria das clarividências de que disporia à vontade.
 
 
Mas não sou adivinho. Nem mago. Se mago fosse, venderia livros aos borbotões, livros baratos, quase dados, viveria na Suíça à tripa forra, como se dizia em priscas eras, assumiria uma cadeira na Academia Brasileira de Letras só para demonstrar o poder dos meus dons e nunca mais daria as caras depois da marcante sessão de minha posse.
 
 
Não sei como será mas vi como foi, esta a minha mortalidade indeclinável.
 
 
Vi que, dos cinco clubes catarinenses que atuam nas duas principais divisões do futebol brasileiro - três na Série A e dois na Série B -, quatro retomaram seus campeonatos com o pé esquerdo, como dizia o saudoso escritor Francisco José Pereira, comunista histórico e convicto destas terras barrigas-verdes que, ao ingressar no Partidão em tempos de Faculdade de Direito, decepcionou-se profundamente justo porque lhe negaram a tão sonhada carteirinha de membro do partido. "Estamos na clandestinidade", disseram-lhe, "a Lei nos persegue". O que o Francisco não conseguia entender é que, na terra, todo mundo sabia quem era comunista e quem caçava comunista, sem que dessas posições, a princípio (antes de 1964), resultassem consequências práticas para mais ou para menos.
 
 
O Francisco, aliás, estaria muito orgulhoso do seu Figueira, que foi a Curitiba na quarta-feira, derrotou o Coritiba por 2 a 0 e entregou a lanterna, de bandeja, para ninguém menos do que o assustador Flamengo, que perdeu em casa para o Atlético do Paraná. Por isto que o Mengão anda assustador. Na mesma noite, o Criciúma batia no Sul o Fluminense, que pelo futebol jogado em campo no ano passado deveria estar na Série B, de onde uma manobra de tapetão o alçou à Série A.
 
 
Os demais daqui
 
 
Na terça, o Joinville fez bonito: foi a Fortaleza, desafiou o líder Ceará e venceu o jogo por 3 a 1. De quebra, assumiu a ponta da tabela, robusto candidato à Série A de 2015.
 
 
Na mesma noite, numa Ressacada vestida de azul e branco, o Avaí fez mais uma das suas: toma um gol aos 11 minutos de partida, tem um jogador expulso na metade do primeiro tempo e perde um pênalti aos 45. A vantagem é que o autor da penalidade já tinha um cartão amarelo, recebeu o segundo e foi expulso de campo. Na fase final, empata logo aos 5 e espera - haja coração! - para virar o jogo apenas aos 45 do segundo tempo e subir para 6º na tabela.
 
 
Nessa retomada pós-Copa, só a Chapecoense não venceu. E não venceu apenas porque não jogou: sua partida da 10ª rodada, no Oeste, ficou para o dia 6 de agosto contra o Atlético de Minas.
 
 
A novidade
 
 
O que se mostra novo e promissor nesse reinício de jornada do futebol catarinense é o comportamento em campo do Avaí: continua eletrizante, ou seja, quase mata seus torcedores a golpes de descargas elétricas errantes, que se deslocam sem parar entre cérebro e coração - senão não seria o Avaí -, mas demonstra outra disposição durante o jogo.
 
 
Antes, se começasse perdendo uma partida, não encontrava forças para virar o placar.
 
 
Antes, se estivesse na frente, encolhia-se todo até levar os gols suficientes para amargar nova derrota, o golpe de misericórdia desfechado invariavelmente aos 47 minutos do segundo tempo.
 
 
Antes, a dor das dificuldades com a bola não extravasava no desabafo final de uma vitória quase inesperada.
 
 
Não sei como será hoje à noite, mas se valer o espírito da terça, a Ponte Preta que se cuide.
 
*Crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 18.07.14

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

ESQUADRO ou EX-QUADRO

Por Fabio Ramos

 
 
 
parede
nenhuma quis
esse
quadro
 

arruma
um
lugar
para ele
 

de
preferência
atrás da
porta
 

onde
ninguém
possa vê-lo
 

ou
deixe
na
calçada
 

alguém levará
embora
 

troquei
a moldura
 

pendurei
aqui e
ali
 

mas
é isso
(dois pontos)
 

ele
não
harmoniza
com o ambiente

terça-feira, 26 de agosto de 2014

O menino

Por Denise Fernandes
 
 
 
 
o menino me pergunta sobre os dinossauros
 
me dá sua mão enquanto passeamos sobre os esqueletos
 
lhe falo sobre a idade do gelo
 
o menino me conta como eram os dinossauros
 
e também me questiona eu invento como se soubesse
 
a verdadeira história e parece que sei
 
o menino me abre mais de vinte portas
 
e nada de mal nos atinge
 
o menino como se montado num raio
 
e eu ancorada em um livro.
 

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

nada´em´lágrimas

Por Ana Paula Perissé
 
 


                                           reverbera
                                           tal como lágrimas
                                           e chora
                                           1´sonho que já se fôra
                                           ressentido de mar
                                           alhures.



                                           (ainda
                                           há vida longe de sal)


                                           escreva
                                           rápido
                                           para perder-se
                                           toda eternidade


                                           ( nunca houve cá dentro:
                                           ilusão insana)


                                           vista-se de céu
                                           e corra
                                           pois há vento de maresia
                                           rondando minha face.

 

domingo, 24 de agosto de 2014

Toalha de mesa

Por Oswaldo Antônio Begiato
 



                                  No armarinho do Toninho Rosa,
                                  além de aviamentos se vende de tudo;
                                  lá comprei uma toalha nova.
                                  Toda quadradinha, cheia de flores.
                                  Bonita. Feita de matéria plástica. Prática.
                                  Tão fácil de deixá-la limpa. Basta um pano com sabão.
                                  Quando está limpa
                                  a deusa do perdão se debruça sobre ela
                                  e minha mesa pode receber o pão e o vinho.

                                  Gostaria que minha alma fosse assim.


sábado, 23 de agosto de 2014

Animais de estimação

Por Meriam Lazaro




Quase humanos, o cão, o gato, integram álbuns de fotografia de família. Segundo especialistas, eles têm memória recente, além da evolutiva que lhes dá o instinto.

Cães passeiam nos carros, orelhas ao vento. Caminham e correm em parques, praças, praias. Vão aos consultórios, estéticas. Gosto de ver seus donos cuidadosos, com saquinhos a postos, sempre que os veem se agacharem na grama de modo suspeito. Há os que trabalham profissionalmente como guias de cegos, auxiliares de polícia em aeroportos, segurança de ambientes. Logo teremos o sindicato dos cachorros.

Gatos, apesar da fama de serem arqui-inimigos dos cães, convivem bem com estes quando criados juntos. Não são de puxar-saco dos humanos, mas, quando (e somente quando) querem, sabem seduzi-los a favor de interesses felinos. Independentes, se não são os donos do mundo, com certeza são os donos da casa. Mas não se preocupe! Você terá a permissão de continuar morando com eles, afinal, apreciam ambientes limpos, ração renovada, pelo escovado, além de pequenas manias como se esfregar em sua roupa na hora de você sair para o trabalho, tomar água direto da torneira e que alguém acorde de madrugada para subir a persiana. Hora de meditar observando os pássaros.

A outros animais, no entanto, quero render homenagem aqui. Animais aos quais devemos muito de nossa evolução. Submetidos por anos e anos a tratamento desumano (até porque são animais), vivem para o nosso bem estar. Na verdade não gostaria de me deparar com um deles na minha porta. Seria capaz de subir pelas paredes e andar de ponta cabeça pelo teto! Levam choques, repetem caminhos por labirintos, ficam sem dormir, correm em círculos. Tudo por um pedacinho de chocolate. Nossos padrões de hábitos e recompensa são estudados assim. Se o caminho da cura nos foi apontado para muitos padecimentos, devemos em parte a estes mais humildes seres. Ratos. De longe, a eles minha maior estima.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Deserto

Por Mayanna Velame
 
 


E no deserto do meu coração,
Eu espalhei a semente...
Para colher tua solidão.
 

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Das delícias de ir ao Centro sem carro

Por Amilcar Neves*
                                    
 
Circunstâncias da vida - e, de certo modo, também da morte, já que se viu subitamente nomeado inventariante judicial de determinado espólio familiar - levaram Manoel Osório a passar enorme parte de cada dia da semana que findou em perambulações, contatos, conversas, aquisições e apresentações de documentos por diversos locais, instituições, escritórios e entidades situados no Centro da Capital. Como se mergulhasse à noite no escuro e fosse tateando à procura dos cacos de uma história que, ao final, fizesse algum sentido. Descobrir o que foi mantido oculto e montar pacientemente um enorme quebra-cabeça passaram a ser tarefas suas; nada, portanto, que se possa empreender na velocidade alucinante dos chips: é preciso avançar com calma e moderação, e, em tempo hábil, digerir informações, dados, nomes e datas, conjugar elementos aparentemente incompatíveis e até antagônicos. Inventariar é desvelar segredos, revelar interesses, compor direitos, avaliar intenções. Inventariar, considera Manoel Osório entre um endereço e outro da sua peregrinação, é função que deveria ser atribuída exclusivamente a detetives profissionais. Inventariar não é tarefa para amadores.
 
Especialmente no caso desse tio-avô Estevão Osório, com interesses comerciais em Morro Grande e Praia Grande, interesses afetivos em Pedras Grandes e Grão Pará, interesses financeiros em Timbé do Sul, Braço do Norte e Cocal do Sul, interesses sentimentais em Santa Rosa de Lima e Santa Rosa do Sul, interesses religiosos (Manoel Osório descobriu - o que poucos sabiam - que o finado parente era dono de Igrejas neoevangélicas) em São Ludgero, São Martinho e São João do Sul, interesses inconfessáveis em Sombrio, Ermo, Turvo e Morro da Fumaça, e, acima de tudo, interesses polpudos na Capital do Estado. Houve, certa feita, descobriu atônito o sobrinho-neto, uma fugaz tia-avó riquíssima, de nome Diamantina Osória, ligada a esse seu Estevão Osório, que chegou a fazer um aborto na juventude antes de se casarem, bodas que aparentemente nunca aconteceram. Assim, por ser o único dos Osórios a não retornar para a Região Sul e teimar em sua permanência na Ilha de Santa Catarina, Manoel Osório foi unanimemente aclamado inventariante do vasto espólio deixado pelo ancião e, como tal, nomeado pelo juiz de Direito.
 
A fim de evitar problemas com o estacionamento do carro decorrentes das longas jornadas diárias a que se viu submetido na cidade, especialmente o irritante e dispendioso barulhinho de taxímetro das garagens a martelar-lhe incessante nos bolsos, Manoel Osório adotou o ônibus como meio de transporte entre sua casa e o Centro. Foi quando descobriu haver, ao longo do trajeto cotidiano, gentes e paisagens, conversas e cenários, edificações antigas e praças verdejantes que ele não conseguia perceber quando se encontrava ao volante. Havia vagares e lugares, conversas e dramas, deslumbramentos e detalhes de que não chegara jamais a suspeitar. Sem carro, a vida lhe pareceu subitamente rica e instigante: havia muito a ver, escutar, cheirar, provar e tocar. Agradeceu de coração ao tio Estevão Osório, velho sábio e perspicaz.
 
Ocorreu-lhe então, imprevista e inconveniente, uma fala absurda e descabida, desprovida de qualquer sentido lógico ou prático: "Não é boa coisa escrever a derradeira crônica". Sentiu que lhe cabia o destino irresgatável de encerrar todo um Contexto.
 
- Até qualquer dia - falou ao acaso Manoel Osório, os olhos perdidos no mar sereno da Baía Norte como se ela fora um lago plácido cercado de montanhas por todos os lados. 

*Crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 11.06.14

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Coincidência

Por Fabio Ramos
 
 


flores
em um jarro
na mesa
da
sala
 

foi
presente
dele
 

água
para
reanimá-las
e
dar
sobrevida
 

(pétalas?)
 

a
mesma
cor
do esmalte
dela

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Fogo

Por Denise Fernandes




Pensei que fosse

fogo sobre pedra

esse amor.

inaugurando uma era

acendendo todos os raios,

um amor infinito.

mas era apenas o mal

ou uma desculpa

ou um adiamento,

ou a minha doce ilusão

enevoando tudo.

pedra sobre fogo:

teu cansaço me vence.

o fogo é a parte de mim

que me incendeia.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

pétrea

Por Ana Paula Perissé
 
 
Imagem: Alesya von Meer


                                             da pedra
                                             ao pé
                                             resta solo:
                                             ´ar.


                                             (pisada no arado
                                             sem vida tão útil.)


                                             da pedra
                                             resta a dor
                                             que nos sente


                                             aqui se cala
                                             a ardência de outrora:


                                             presentifica-se
                                             silêncio em


                                             séries mornas.

 

domingo, 17 de agosto de 2014

sábado, 16 de agosto de 2014

Tema para casa

Por Meriam Lazaro
 
 


Gosto de filmes com tema simples. Amizade. Amor. Família. No final de semana prolongado, algumas horas ficam por conta de estórias com início, meio, fim. E se o final é feliz, melhor a viagem dentro de casa. Não desgosto de passeios, mas engarrafamentos quilométricos, filas para tudo, berros, pele besuntada com areia-óleo-sal, povo, povo, povo... deixo ao meu parvo passado. Ontem me deliciei com duas estórias. Menina dos Olhos. Direção: Kevin Smith. Atrizes: a insuportável Jennifer Lopez (que felizmente morre no início) e a encantadora Liv Tyler. Ator principal: Ben Affleck, que me parece ter somente uma expressão facial. Nos comentários, disse fazer questão de "parecer natural". Há também a atriz mirim Raquel Castro, uma gracinha. Gira em torno de uma família com pai, mãe (que morre no parto), filha e avô. Não raro, deixo rodar os créditos para ouvir a música. E que espetáculo! Amor à primeira oitiva. Trata-se de Jersey Girl, de Bruce Springsteen. O segundo filme família, Para Sempre, é baseado em personagens reais, cuja fotografia aparece no fim. Os atores são Rachel McAdams e Channing Tatum. Direção de Michael Sucsy. Casal apaixonadíssimo sofre acidente de trânsito. Antes, há momentos fofos de romance. Um ocorre quando ele elogia a sobra de material usado por ela para esculpir, pensando ser a escultura. Após coma induzido, a mulher acorda com amnesia, tendo se esquecido dos últimos cinco anos não reconhece o marido. Ele tentará reconquistá-la. Bonitinho. Requer moderação por parte de quem tem diabetes!
 

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Barcos e aviões

Por Mayanna Velame
 
 


Quando eu era criança, nos tempos de escola, meus professores de Geografia sempre solicitavam mapas. Devo dizer que nunca fui boa em desenhá-los. Tinha extrema dificuldade em traçar as linhas do Mapa Político do Brasil e, quando não, delinear os contornos do Rio Amazonas (e seus afluentes) era o maior pesadelo de todos.
 
A salvação era meu pai. Com pincéis de ponta preta, lembro que ele rascunhava, com exatidão, cada detalhe dos estados da Federação; assim como, minuciosamente, esboçava os rios sinuosos da Bacia Hidrográfica do Amazonas.
 
O auxílio continuou por anos. Papai me ajudava com muita dedicação. Esquecia até mesmo de seu sagrado futebol, nas tardes de domingo. Estava ao meu lado sem pedir nada em troca. Amor de pai é assim: sereno e amistoso.
 
No entanto, o que eu mais gostava era do tempo chuvoso. A água da chuva espalhava poças de lama pelo jardim. Sem hesitar, pedia barquinhos de papel a papai. Ele, obviamente, atendia ao pedido. Os barquinhos tinham vários tamanhos – desde pequenos até médios. Na minha imaginação, eles cruzavam os oceanos e seus mistérios.
 
Mistério não tão maior quanto o fascínio de vê-lo dobrando e redobrando papéis, criando e recriando aviões; feitos com folhas de jornais e revistas velhas. Papai sempre fora muito criativo. Sangue de cearense corre dessa forma.
 
Interessante como certos acontecimentos jamais abandonam a mente. Embora, muitas das vezes, nossa memória reproduza apenas alguns fragmentos: retalhos de sensações (e emoções) que permanecem vivas (e latentes) dentro do coração.
 
As lembranças adormecem. Ficam em estado de repouso. Mas os ventos da vida sopram de volta momentos bons e singulares, que todos nós dividimos com quem amamos.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Uma Senhora que sempre merece os parabéns

Por Amilcar Neves*

 
Tem gente que espera o ano todo para ser cumprimentada. Para comemorar. Para fazer a sua festa. Para sentir-se importante, para ser o rei da sua rede social na internet. Para ver-se anunciada a amigos, desconhecidos e desafetos, ao Universo inteiro, como o cara a quem se deve escrever nem que seja um olá!, nem que seja um desenhozinho pronto, disponível em dezenas de aplicativos.
 
 
Conheço pessoas, geralmente funcionários públicos (acho que todo mundo conhece alguém assim), que afirmam, felizes da vida:
 
 
- Eu mereço, eu sei o quanto valho e por isso faço o meu feriado particular. Assim como países, estados e cidades comemoram as suas datas, também eu não trabalho, nunca, no dia do meu aniversário. Acredito que devo-me esse pequeno luxo.
 
 
Vai aí funcionário público não para criticar a categoria, mas pelo fato de ser uma classe da qual os seus membros recebem uma bonificação anual de dois ou três dias para faltar, sem punição nem prejuízo, caso passem um ano inteiro... sem faltar.
 
 
Uma pessoa dessas dedica a si, como prazer da ausência permitida, o seu dia - ou a sexta ou a segunda-feira emendada no final de semana do natalício. Naquele dia ansiosamente aguardado, ela recebe os parabéns por nada, por não ter feito nada; não por produzir e criar alguma coisa, mas simplesmente por ter sobrevivido mais 12 meses: colhe aplausos e sorri agradecida, já pensando no próximo aniversário, já sonhando com os presentes que virão.
 
 
Há entretanto os que preferem cumprimentos em razão direta de algum sucesso (do Houaiss: "aquilo que sucede; acontecimento, fato, ocorrência"). Estes por vezes até esquecem o dia em que nasceram.
 
 
Há aquela Senhora que foi festejada durante a semana passada por conta do dia 31 de maio: pelos inestimáveis serviços que presta e não apenas por completar mais um ano de vida - e que vida! 160 anos não é fenômeno comum neste jovem país. Dizem até que a de Santa Catarina foi a segunda biblioteca pública estadual a ser criada no Brasil (assim como outras que reivindicam idêntica quase primazia).
 
 
Quem andou por lá a cumprimentá-la, com direito a discurso e bolo com guaraná, foi seu chefe quase maior, o Secretário de Turismo, Cultura e Esporte, Filipe Mello. Ele revelou (coisas de anotar na cadernetinha e cobrar daqui a pouco) duas providências: a aquisição iminente de uma máquina de 300 mil reais para digitalizar jornalões, equipamento fundamental para preservar o acervo valioso que vem do século 19 e torná-lo acessível à distância ou nas próprias dependências da casa, e uma reforma de 3 milhões, a iniciar-se ainda este ano, naquele prédio já bem necessitado de rejuvenescimento. Pena que não pôde anunciar que a biblioteca se tornaria uma fundação e que seu cargo supremo se alçaria no mínimo à importância de uma diretoria - hoje não é nem mesmo uma gerência.
 
 
O Secretário fez ainda uma revelação assustadora. Ele, que é o sexto ocupante do cargo no atual governo, mas não tem culpa alguma dessa série imensa (que já o incomoda visivelmente, tanto se ressalta essa instabilidade fomentada pelo governo estadual, que não se preocupa de verdade em ter alguém que efetivamente dirija as três áreas abrigadas na mesma repartição), é, pasmem!, o primeiro titular da pasta a colocar os pés na nossa respeitável Biblioteca.
 
 
Tomara que ao menos o Governador seja mais assíduo àquelas estantes do que o foram os cinco homens que ele escolheu para cuidar da Cultura.

*Crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 04.06.14