quinta-feira, 31 de maio de 2012

Insônia

Por Rayane Medeiros




                                 A insônia é minha companheira de agora.
                                 Fiel, vaga comigo pela casa
                                 Contemplando, solícita,
                                 O silêncio reprimido que chora.

                                 Veio-me amarga,
                                 Aquecendo-me, gole abaixo, o corpo despido...
                                 Dilacerando lembranças frias,
                                 A instabilidade infame que já não me larga.

                                 Fez-me atento, quando a noite me sorria,
                                 Roubou-me o acalanto –
                                 O roçar convidativo de outros pés.
                                 Fez-me senhor, quando vassalo era o que queria.

                                 A insônia me fez ausente,
                                 Fugitivo dos braços de Morfeu.
                                 Deixou-me entregue à sorte –
                                 À noite fria que, logo finda,
                                 Adormeceu...

quarta-feira, 30 de maio de 2012

“Não aceita o terror
porque o terror é você!"

Por Fabio Ramos


Um filme cujo roteiro           
Provoca nojo e mal-estar           
No espectador pagante.           
Estômagos sensíveis           
Reclamam           
Dos experimentos           
Desumanos           
(Muito embora ficção).           

Na mesa do bar,           
Opiniões convergentes           
Sobre as imagens           
Projetadas:          

“Entretenimento           
Para sádicos”.          
“Coisa de filho da puta”.          
“Sanguinário e cruel”.          
“Fascista”.          

Com as garrafas          
Devidamente esvaziadas,         
Voltam para casa          
Os assassinos puritanos          
Que são amedrontados          
Pela concorrência.         

terça-feira, 29 de maio de 2012

28 de Maio de 2012

Por Denise Fernandes



                solidão compartilhada a dois
                ou em sete bilhões de corações e cabeças
                somos essa distância entre tudo
                o som e a paisagem
                a cultura e o deserto
                tenho fome de vida e tantos medos
                e é essa estranha face da minha humanidade
                que se reflete, vontades e mais vontades
                na lenta manhã desassossego
                sinto toda a doçura da flor
                o que me protege
                eu me esconderia no DNA de qualquer planta
                que fosse eterna
                porque preferiria navegar na terra
                com olhos ocultos
                olhos que olhassem mais para dentro
                e apenas sentissem o céu de maio
                olhos verdes da planta verde, minha timidez
                enfim exposta em palavras
                nessa encarnação trouxeram todas as almas à terra
                os santos enfim se aproximaram
                e até os extraterrestres, mas o que será de nós?
                    sinto a cor espessa da flor e meu corpo se espalha
                sou você e sete bilhões uma iluminação todo o som do amor
                essas nuvens que parecem brancas e não são
                    as estrelas, vou espalhar meu corpo também pelas estrelas.

sábado, 26 de maio de 2012

A Boba

Por Flávia Marques




Tinha medo de tudo.
De cair, de doer, de morrer;
de descobrir um bem e o perder,
do que falava e do mudo.

Tinha medo da vida!
Da escolha errada,
da última cartada,
da esperança perdida.

Nem crescer a curou,
nem o quanto amou
o seu medo moveu.

E pelos sobressaltos,
pelos baixos e altos,
desse medo morreu.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Desassossego

 Por Rayane Medeiros




Suas visitas andam frequentes em meu altar,
Batendo à porta como lembrança que não nos deixa partir;
Sal do mar embrenhado no pêlo...

Vêm quando teu cheiro já não se faz presente no algodão dormido;
Quando o banho esfriou a pele,
E a promessa precisa assinar contrato.

Suas visitas andam preenchendo noites vazias,
Carências famintas que não sossegam,
Que não bastam...

Vêm embalando o ruído das paixões antigas,
E sai revirando o sossego dos dias iguais.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Tarja Preta

Por Fabio Ramos




                                                                Em caso de insônia,
                                                                Coloque um filme do Glauber
                                                                No blu-ray.
                                                                Sempre funciona.



                                                               
Ouvir a Elis cantando
                                                                No iPod nano
                                                                Cura até prisão de ventre.
                                                                É receita caseira da vovó!


                                                                Contra menopausa

                                                                Experimente ler no Kindle

                                                                O novo e-book do Chalita.
                                                                Um baita afrodisíaco
                                                                Para professoras de português.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Facebook

Por Denise Fernandes



                           Participar e não saber
                                  solicitar amizade escrever

                                  há uma foto uma entrelinha mil novas janelas

                           na minha casinha
                           o rosto da amiga o mesmo rosto

                           o tempo é on-line e não é
                           porque não sei mesmo onde você está.



                           Entre a verdade e a mentira
                           o real e o fake, ficarei com a poesia
                           a face o book minhas memórias
                           o sorriso de vocês gravado para sempre
                           no que decidi ser o essencial.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Hello Goodbye

Por João Ramalho Jr.



O caminhão de mudança levou meus pertences no final de semana. Estou voltando hoje, segunda-feira de manhã, apenas para buscar o que sobrou. Toco a campainha do sobrado e sou recebido por mamãe. Ela sorri ao me reconhecer. O som do cadeado prenuncia a abertura do portão. Ganho um beijo no rosto e ouço a voz da sabedoria:

– Vamos logo, antes que seu pai acorde!

O patriarca da família estava felicíssimo com a minha partida. Mesmo doente e ranzinza, o velho aposentado deixava bem claro – no almoço dos domingos – que não iria sustentar nenhum filho vagabundo... A repreensão de mamãe, definitivamente, nunca o fez mudar de ideia.

Chegamos ao quarto de empregados, hoje desativado, nos fundos do sobrado. Mamãe coloca a chave na fechadura e dá duas voltas. Ao girar a maçaneta, ela comenta:

– Faz muito tempo que eu não limpo essa bagunça. Cuidado para não ser mordido por nenhum rato, hein... Ah, e vê se deixa essa porta aberta, porque tem muito pó aí dentro!

Dito isso, mamãe me deixa sozinho no quarto. E ela tinha razão: naquele cubículo, tudo estava rodeado por uma grossa camada de poeira. No primeiro cômodo, havia uma geladeira (que há muito não era utilizada); além de uma prateleira fixada na parede, com algumas caixas fechadas sobre ela. No segundo ambiente, vejo um pequeno banheiro ao fundo, uma pia, jornais velhos empilhados num canto. Mas a minha atenção voltou-se justamente para o baú no chão, logo abaixo da janela. Espirrei duas vezes ali.

Aproximei-me do baú, destravando suas trancas e levantando a pesada tampa. No interior havia uma porção de objetos do passado. Algumas revistas velhas, amareladas pelo tempo, que denunciavam meus gostos da infância (os êxitos de Ayrton Senna, os álbuns de figurinhas do Campeonato Brasileiro); peças de dominó; a apostila da primeira comunhão...

Embaixo de uma série de livros escolares, escondia-se o maior de todos os tesouros: minha coleção de discos de vinil (cerca de 50 deles). Ouvia-se muita música brasileira em casa: Cauby Peixoto, Benito di Paula, Nelson Gonçalves, Milionário e José Rico. Qual não foi a surpresa quando me deparei com os discos dos Beatles! Esqueci do tempo enquanto folheava o encarte de vinte páginas do Magical Mystery Tour, com as fotos coloridas do filme.

Eu levei um susto ao perceber que mamãe estava atrás de mim, observando a cena calada. Ela foi a primeira a falar:

– Desde pequeno, você passava horas ouvindo isso aí.

No que respondi:

– Nem me lembrava mais do baú... E nem do que tinha dentro!

O silêncio momentâneo foi rompido pelo meu pedido:

– Mãe, me arranja um pano pra tirar o pó de cima desse baú. Ele vai comigo.

Ela retorna com o pano. Após a limpeza, nós dois carregamos o trambolho – um segurando de cada lado – até o portão do sobrado. Colocamos o volume no chão e mamãe destranca o cadeado novamente. Eu saio e abro a tampa traseira do meu automóvel. Juntos colocamos o baú no porta-malas.

Em meio ao abraço apertado da velha, na despedida, noto que papai me observa pelo vão da janela, no segundo andar do sobrado. Percebendo o flagrante, ele se afasta da janela. Entro no carro sem nada dizer e encaixo a chave na ignição. Ainda aceno para mamãe antes de partir.

sábado, 19 de maio de 2012

Não Diga que Não Avisei!

Por Flávia Marques



Acho que sou muito fácil,
Mas todos dizem que não;
Gosto das coisas de um jeito
Que não tem explicação.
Não adianta um caderno
Com tudo tintin por tintin,
Que as regras dos outros
Não funcionam pra mim.
Você pode até pensar
Que foi falta de castigo,
Mas meus pais fizeram tudo
O que sabiam comigo.
A língua é bem afiada,
Mas o coração é bom;
Se me tratar com carinho
Sou mais doce que bombom.
Não me ofereça presunto,
Manga, quiabo e jiló;
Jaca também não me desce,
Não há uma lista pior.


Se quiser me agradar
É mais fácil que a crianças,
Me dê papel e caneta
E me encha de esperanças.
Só não tente provocar
Minha parte irritadinha
Ou você vai preferir
Beijar um galo de rinha.
Estou dizendo isso tudo
Para não ouvir qualquer dia
Que você dormiu com brisa
E acordou com ventania.
Não te prometo um amor
Que a gente vê em novela,
Ofereço a realidade
E o que vier com ela.
Há dias que vou te querer
Em outros irei me isolar,
Mas se tiver paciência
Apesar da aparente ausência
E de tanta incoerência
Eu volto a te procurar.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Anoitecido

Por Sérgio Bernardo

Não é ele que fecha a janela às 6 da tarde: é o dia que o anoitece.
Pelas frestas das persianas entram na sala os curtos-circuitos do poente.
As dúvidas da manhã ainda orbitam seu corpo: cada uma delas uma galáxia procurando universos em volta da poltrona.
Enquanto isso, por distração, zapeia a tevê sem culpa, como quem espera tropeçar em respostas.


quinta-feira, 17 de maio de 2012

A Partida

Por Rayane Medeiros



                                      Saiu sem nada dizer.
                                      Não olhou para trás.
                                      Não se despediu.
                                      Acho quem nem sequer chorou, ou lamentou,
                                      Quando sozinho se encontrou.
                                      Nem um sorriso amarelo esboçou.
                                      Simplesmente, partiu.
                                      Sumiu da minha vida.
                                      Como chuva de verão,
                                      Veio de repente e tão logo foi-se embora.
                                      Não sinto dor.
                                      Nem saudade talvez eu sinta.
                                      Mas creio que sempre haverá um espaço,
                                      Um grande vazio,
                                      E este silêncio lastimável.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Literalidades

Por Fabio Ramos



                                  Todos os limites da residência já foram explorados.
                                  O garoto de cinco anos sentia-se enfastiado.
                                  Mas como traduzir esse estado de espírito
                                  Com uma palavra cujo significado ignorava?


                                 
Só os pais não viam
                                  Que o portão cerrado
                                  Enclausurava
                                  A percepção de mundo
                                  Do filho.


                                  Uma característica notada na criança
                                  Era sua fecunda imaginação.
                                  As limitações impostas foram atropeladas
                                  Pelas elucubrações infantis.


                                  Certa feita, quando ouviu que
                                  “Deus escreve certo por linhas tortas”,
                                  Ele teve um impulso: mesmo não sabendo ler,
                                  O garoto foi até o quarto dos pais e encontrou a bíblia aberta,
                                  Ao lado da cama do casal.
                                  Ele a tomou em suas mãos, de ponta-cabeça,
                                  E notou que as linhas continuavam retas.
                                  Muito diferente, por exemplo, da cauda do camundongo
                                  Em Alice no País das Maravilhas...


                                  O garoto descontava um pouco dessa frustração
                                  Quando acompanhava a visita da mãe à feira.
                                  Nessa ocasião, deleitava-se com aquelas visagens:
                                  As pessoas enchendo sacolas,
                                  Os pastéis sendo devorados avidamente,
                                  O mendigo pedindo esmola.
                                  Porém, o que mais lhe aguçava a curiosidade
                                  Era o linguajar dos transeuntes.


                                  Na conversa pausada
                                  Entre duas velhas, uma delas soltou:
                                  – De boas intenções o inferno está cheio!
                                  Ele nada entendeu.
                                  "Todo mundo que reza antes de dormir vai pro céu.
                                  O inferno é lugar dos pecadores.
                                  Se o inferno tem tanta gente ruim, como é que lá
                                  Está cheio de boas intenções?”
                                  Além de evitar seu questionamento,
                                  A mãe pediu que ficasse quieto.


                                  Na barraca do caqui, o garoto registrou
                                  O ditado amplificado por um feirante:
                                  – Sol e chuva, casamento de viúva!
                                  Ele não compreendia o que alho
                                  Tinha a ver com bugalho...
                                  Segundo os coroinhas, São Pedro mandava chuva.
                                  Agora casamento? Isso não era coisa de Santo Antônio?
                                  Ao expor o novo questionamento à mãe,
                                  Ela se irritou e disse:
                                  – Menino que pergunta demais faz xixi na cama.


                                  Na manhã seguinte, o garoto arrastou
                                  A matriarca até seu quarto e exibiu,
                                  Com bastante orgulho,
                                  O colchão sequinho da silva.