Por
Fabio Ramos
Todos os limites da residência já foram explorados.
O garoto de cinco anos sentia-se enfastiado.
Mas como traduzir esse estado de espírito
Com uma palavra cujo significado ignorava?
Só os pais não viam
Só os pais não viam
Que o portão cerrado
Enclausurava
A percepção de mundo
Do filho.
Uma característica notada na criança
Era sua fecunda imaginação.
As limitações impostas foram atropeladas
Pelas elucubrações infantis.
Certa feita, quando ouviu que
“Deus escreve certo por linhas tortas”,
Ele teve um impulso: mesmo não sabendo ler,
O garoto foi até o quarto dos pais e encontrou a bíblia
aberta,
Ao lado da cama do casal.
Ele a tomou em suas mãos, de ponta-cabeça,
E notou que as linhas continuavam retas.
Muito diferente, por exemplo, da cauda do camundongo
Em Alice no País
das Maravilhas...
O garoto descontava um pouco dessa frustração
Quando acompanhava a visita da mãe à feira.
Nessa ocasião, deleitava-se com aquelas visagens:
As pessoas enchendo sacolas,
Os pastéis sendo devorados avidamente,
O mendigo pedindo esmola.
Porém, o que mais lhe aguçava a curiosidade
Era o linguajar dos transeuntes.
Na conversa pausada
Entre duas velhas, uma delas soltou:
– De boas
intenções o inferno está cheio!
Ele nada entendeu.
"Todo mundo que reza antes de dormir vai pro céu.
O inferno é lugar dos pecadores.
Se o inferno tem tanta gente ruim, como é que lá
Está cheio de boas intenções?”
Além de evitar seu questionamento,
A mãe pediu que ficasse quieto.
Na barraca do caqui, o garoto registrou
O ditado amplificado por um feirante:
– Sol e chuva, casamento de viúva!
Ele não compreendia o que alho
Tinha a ver com bugalho...
Segundo os coroinhas, São Pedro mandava chuva.
Agora casamento? Isso não era coisa de Santo Antônio?
Ao expor o novo questionamento à mãe,
Ela se irritou e disse:
– Menino que pergunta demais faz xixi na cama.
Na manhã seguinte, o garoto arrastou
A matriarca até seu quarto e exibiu,
Com bastante orgulho,
O colchão sequinho da silva.
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