quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Adeus a Terra Querida

Por Fabio Ramos



Alguns anos se passaram desde que eu soube da existência de um texto escrito pelo meu falecido avô materno Joel Miguel de Brito (foto acima), nascido em 13 de maio de 1913 na cidade de Pesqueira, no agreste pernambucano.

Meu avô tinha um amigo chamado Júlio Paes da Rocha. Ambicionando um futuro melhor, Rocha estava de mudança para o estado do Paraná. Inspirado na história desse amigo que partiria, ele escreveu um texto – em forma de literatura de cordel – intitulado “Adeus a Terra Querida”. E meu avô presenteou Júlio Paes com a narrativa (que vislumbrava a aventura que o colega teria pela frente).

Júlio Paes também morreu, mas esse pequeno acontecimento do passado ainda não foi esquecido... Enquanto visitava alguns familiares do antigo viajante, uma prima da minha mãe soube de tudo e ganhou uma cópia desse documento que, infelizmente, não tem data. A história correu na família e o texto veio parar em minhas mãos.

Em seus versos, “Adeus a Terra Querida” cita nomes como Joaquim Nabuco (que, além de político e diplomata, também foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, em 1897) e Casimiro de Abreu (poeta brasileiro romântico do século XIX).

Como homenagem a Joel Miguel de Brito – a quem conheci já no final de sua vida –, disponibilizo aqui o referido texto. Os versos foram extraídos de uma cópia impressa do mesmo e estão mantidos os erros de concordância, a escrita e a acentuação da época.

Clique aqui e faça o download do texto em PDF.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Carta a Carlos Drummond de Andrade


Por Denise Fernandes

Querido Carlos:

Tenho na minha mente uma frase de Chico Xavier que já não sei onde ouvi informando que as comunicações espirituais só acontecem do alto para baixo, do plano espiritual para o material ou terreno. Mesmo com essa informação transmitida insisto na mensagem que te escrevo. Porque quem sabe as regras mudam. De tanto a gente insistir aqui “de baixo”, quem sabe o pessoal aí de cima, do paraíso, purgatório ou plano espiritual não passa a responder as mensagens. Já pensou que alívio. Quanta mensagem de mãe, de pai, irmão, e de filhos chegando, de amigos que já se foram. Ia ser uma alforria da alma, pensa só. Por isso insisto. Queria também saber onde você está: no purgatório, no paraíso ou no plano espiritual? Se estiver em outro lugar, pode contar.
Carlos, a situação é grave. Por isso te escrevo. Fala com os outros poetas, avisa que eu imploro. O caso é o seguinte. Quando ela tinha onze anos de idade, ela pendurou no mural dela o seu poema, querido Carlos, os ombros suportam o mundo. Fiquei surpresa. Como? Como aquele poema estava ali? E como os ombros dela suportavam o mundo? Li e reli o poema no mural várias vezes como se uma nova leitura pudesse me revelar algo que eu não soubesse e revelava. Quanto mais lia, mais confusa eu ficava porque ela era muito nova. Onze anos, magrela, o poema brotou de onde? Perguntei o porquê do poema no mural e ela me olhou com aqueles olhos tristes-alegres e aquela expressão de mistério-cumplicidade. Entendi silenciosa que os ombros dela e os seus suportavam o mundo e saber disso me doeu de forma estranha. Talvez eu intimamente soubesse que se os ombros dela suportavam o mundo, talvez um dia ficassem como hoje sem suportar mais, tivessem em si essa revolta louca. Perguntei a ela outro dia o que ela estava querendo agora. E ela me disse simplesmente nada. Mesmo sabendo que nada é super bom, fiquei pasma. Se nem os ombros dela nem os seus suportam mais o mundo, o que será da vida apenas, sem mistificação? Como será esse tempo de absoluta depuração, em que o amor resultou inútil? Sem que vocês suportem o mundo, continuarão as mãos a tecerem o rude trabalho? O mundo pesa muito mais do que a mão de uma criança e os olhos de vocês não querem mais resplandecer nem enormes nem pequenos. Há na ausência um gesto. Vocês já não se importam com o mundo? Os olhos agora choram, inundam os dias e tornam impossíveis as mais simples tarefas. Estou com medo, Carlos. Não é mais a ditadura, mas ainda é, um anjo me falando vai ser gauche na vida. A violência continua dividida em tantas microformas. O caminho está cheio de pedras. E formigas. Ela resolveu parar. Anda por aí sem se importar de fato. Ela está com uma pergunta anterior ao mundo. E você, está no mundo? Ou o mundo em que você está é tão outro mundo que não é mundo? Sem ombros para suportar o mundo, ele se sustenta, Carlos, ou fica absurdo?
Ela não tem mais mural. Por favor, Carlos, escreva-me. É de um outro mural e um outro poema que ela precisa. É como se estivéssemos com uma página em branco na Poesia do Mundo. Essa página em branco é um silêncio entre as palavras que monótonas não parecem mais comprometer. Há um desespero que se renova na humanidade: esperamos uma resposta sua ou você morreu?

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Brasil, um Estado Laico?

Por Alex Constantino





Laico vem do latim laicus e significa leigo. Assim, Estado Laico – também conhecido como Estado Secular - é aquele que não adota uma religião oficial e se mantém neutro (leigo) em relação à religião, muito embora garanta a boa convivência de credos e combata o preconceito ou discriminação religiosa.

O Brasil, atualmente, por força do art. 19, I de sua Constituição adota oficialmente esse posicionamento:

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;

Ela ainda estabelece no âmbito das direitos e garantias fundamentais a liberdade e proteção à crença religiosa (art. 5º, VI, VII e VIII).

Mas será mesmo? No preâmbulo da própria Constituição, consta:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

O STF já decidiu que o preâmbulo não tem natureza normativa (não tem força de lei) e sim natureza política porque enuncia o posicionamento ideológico do constituinte quando da elaboração da norma constitucional. Bem, e toda lei não é fruto de uma ideologia que motiva sua criação e reflete o espírito de seu tempo?

Mas estranho mesmo é que por lei o Brasil possui feriados religiosos nacionais, e somente cristãos como o Natal . E o país tem uma lei específica que declara o dia 12 de outubro feriado nacional para culto público e oficial a Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil .

Não nos esqueçamos ainda da Sexta Feira da Paixão e Corpus Christi que não constam como feriados nacionais mas são adotados nacionalmente como tais por lei como dias santos pelos estados e municípios. Isso sem contar os dias consagrados por esses a seus próprios santos padroeiros.

E que dizer de símbolos religiosos ostentados institucionalmente em prédios públicos?

Acho que tem alguma coisa errada aí. Ou se retira qualquer referência de uma determinada religião (e só dela) do âmbito público ou se inclui todas as demais, porque está parecendo mais um caso de faça o que falo, mas não o que faço. E nesse ponto, como indica a imagem, que o diga o STF.



quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Dois Monossilábicos ao Telefone

Por Fabio Ramos


                                           – Alô! 
                                           Oi.
                                           Quem?
                                           Eu.
                                           Fala...

                                           Morreu.
                                           Quem?
                                           Mariana.
                                           Quando?
                                           Ontem.
                                           Sério?
                                           Claro...

                                           Como?
                                           Overdose.
                                           Foda...
                                           É.

                                           (Silêncio)

                                           Velório?
                                           Araçá.
                                           Vamos?
                                           Sim.

                                           Venha!
                                           Uhum...
                                           Tchauzinho.
                                           Bye.                       

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Os Filhos do Brasil

Por Alex Constantino

Recentemente, o primeiro ministro sueco, numa tentativa de demonstrar que a classe política de seu país não possui privilégios, arrumou para seu filho de 18 anos uma vaga de chapeiro no McDonald's .

No Brasil, noticiou-se há algum tempo que os filhos do ex-presidente Lula, Marcos Cláudio Lula da Silva, 39, e Luis Cláudio Lula da Silva, 25, tiveram seu passaporte diplomático renovado por mais quatro anos dois dias antes do término do mandato do pai. O referido documento que confere várias regalias foi concedido em “caráter excepcional” e “em função de interesse do país”. 

Um outro pimpolho do ex-presidente, Fábio Luis Lula da Silva, teria recebido 5 milhões de uma operadora telefônica para investir numa empresa que produz um programa televisivo sobre videogames. A notícia aponta que a negociação foi conduzida por um amigo pessoal de Lula e, à época, integrante do Conselho de Ética Pública da Presidência da República .

Comparando-se o caso sueco ao brasileiro não há como não se indignar. Um país dito de primeiro mundo trata muito mal seus jovens. O pobre Gustaf certamente foi castigado por ser um jovem engajado politicamente e que entre outras coisas apoiou a causa a favor do compartilhamento livre de informação. Isso sem contar que seu pai deve ter se aproveitado do castigo para tornar isso uma ação marqueteira.

Aqui as coisas são muito diferentes. O governo dá uma demonstração que acredita no velho adágio de que os jovens são o futuro da nação e, assim, fica óbvio o interesse do país em lhes conceder algumas regalias.

E excepcional porque nosso governo se mostra atento e compreensivo ao fenômeno de retardamento da adolescência. Ele sabe que hoje em dia em muitos casos a adolescência tem idade para começar, mas não para acabar, com jovens dependendo financeiramente dos pais .

E o que dizer de sua inequívoca demonstração de estar alinhado com o espírito de nosso tempo? Enquanto nos EUA alguns estados tentam censurar a indústria dos games, por aqui é questão de ética pública que nossos jovens tenham um programa sobre videogames na TV. O fato de ser produzido por um dos filhos do ex-presidente e só uma coincidência feliz que mostra que os filhos altruístas de nossos governantes sim estão engajados nas causas corretas.

Na Suécia existe um rei, mas os filhos de nossos governantes é que são tratados como príncipes.

Que vergonha Suécia! Que vergonha!

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Imobilidade Urbana

Por Fabio Ramos


Nos grandes centros urbanos, quem nunca perdeu um compromisso – e a paciência também – por causa do trânsito? A cidade de São Paulo, por exemplo, é responsável por uma frota de mais de seis milhões de veículos (praticamente um para cada duas pessoas) e 800 carros novos são licenciados diariamente.

A indústria comemora as vendas do setor automotivo. Nossas vias saturadas, por outro lado, já não comportam tantos carros. Numa cena do filme Não Por Acaso, de Philippe Barcinski, um engenheiro da CET causa um engarrafamento que paralisa o tráfego da metrópole. A ficção está prestes a transformar-se em realidade – mas sem a intervenção de nenhuma pessoa.

É evidente que algo precisa ser feito. E logo. Sair mais cedo de casa não ameniza o problema; pois enfrentamos congestionamentos em qualquer horário. Uma simples garoa é o suficiente para ocasionar pontos de lentidão e refletir negativamente no trânsito.

Se mudar de ares não é uma opção viável, então devemos nos habituar com mais esse contratempo da vida moderna. É assustador pensar no tempo que perdemos dentro de um automóvel...

Em relação à qualidade do serviço oferecido, o preço da passagem é caríssimo. O povo se vê compelido a utilizar um transporte público precário, que o conduz como sardinha em lata (ou gado no curral). Ao substituir a frota antiga, os empresários colocam nas ruas ônibus com menos assentos. E vocês sabem o motivo? A lógica é a seguinte: com poucos bancos, mais pessoas viajam em pé.

Em São Paulo, a falta de investimentos no setor acarretou o caos da atualidade. Só para compararmos, a Cidade do México – que iniciou a construção do metrô na mesma época da capital paulista – possui mais que o dobro de trilhos construídos. Os políticos contentam-se em incentivar a aquisição de veículos.

Enquanto uma alternativa satisfatória não é apresentada, a população continua tirando o carro na garagem. Mas como resolveremos a questão se os próprios políticos não utilizam o transporte coletivo? A individualidade ainda prevalece no trânsito brasileiro. Vemos, todos os dias, uma multidão de automóveis com o motorista sozinho ao volante.

O rodízio permanente tornou-se uma medida imprescindível. E do jeito que as coisas vão, os próximos passos serão implantar o pedágio urbano (medida já adotada em Londres) e também proibir o estacionamento nas vias.

Em Paris, uma campanha – bem sucedida – foi criada para estimular o uso de bicicletas. Iniciativas como essa engatinham por aqui. Quem arrisca trocar seu veículo por uma bicicleta e ser vítima da falta de sinalização, de ruas esburacadas e de motoristas irresponsáveis? A cidade de São Paulo precisa ser repensada como um todo. O martírio dos moradores da periferia é enfrentar horas de trânsito carregado – sem contar as greves de funcionários das companhias de ônibus e da CPTM, as manifestações populares nas vias mais movimentadas e as panes do metrô – em direção ao centro, para chegar ao trabalho.

Não existem inocentes. Tanto pedestres quanto motoristas contribuem com esta situação calamitosa. Muitos atropelamentos são causados pela desatenção dos primeiros, que insistem em não atravessar na faixa. E o que falar dos motociclistas? Eles arrancam espelhos retrovisores dos carros, seguem na contramão, trafegam nas calçadas e entre as faixas... A contabilidade de motoqueiros mortos não para de aumentar.

O automóvel em alta velocidade transmite uma falsa sensação de poder ao condutor. Consequentemente, as ruas transformam-se em verdadeiros campos de batalha. Se juntarmos a isso a poluição (ambiental e sonora, com buzinas incessantes soando), a imprudência (dirigir embriagado, não utilizar o cinto de segurança, conversar ao celular) e nossa pressa injustificada, temos um quadro pavoroso. Quantas brigas e acidentes poderiam ser evitados?

A propósito, o primeiro engarrafamento de São Paulo completará 100 anos em breve. No dia 12 de setembro de 1911, a inauguração do Teatro Municipal paralisou o centro da cidade. Leia mais sobre este fato histórico aqui.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Água

Por Denise Fernandes


Estava com vontade de transar mas não estava com vontade de tirar a roupa. Então, me veio aquela idéia: transar de roupa mesmo. Não estava querendo me ver pelada, nem queria que ele me visse: só queria a sensação de estar perto, de ser penetrada, de ter prazer. E foi o que tive. Tudo muito rápido, mas com imenso valor. A rapidez talvez tenha se devido às roupas. Porque o sexo fica mais preciso, exato de roupas, porque a roupa impede a mão e a vista de terem livre acesso. A mente não tem muito o que contemplar, presa ao já visto. Não há o impacto do corpo nu. Não houve nenhum passeio da vista por cicatrizes e marcas que revelariam minha infância ou dores; o que os olhos dele viram foram meus olhos e foi tudo bem rápido, já que grande parte da transa fiquei de olhos fechados, para que o olhar não me roubasse a sensação. Essa transa ainda se chama fazer amor, mas é um amor invisível, oculto, que já escondo de tudo e todos. Só tenho coragem de chamar de amor em alto som essa qualidade de amor mais cristão. Todas as cenas vividas impedem de chamar de amor esses atos de sexo e covardia que são minha vida amorosa de uns vinte anos para cá.
        Não sei bem quando essa qualidade de amor romântico se escondeu da minha vida. Talvez tenha sido quando encontrei meu primeiro marido num bar sem aliança. Meu coração doeu: perguntei a ele se ele havia  jogado fora a aliança para saber naquele momento a dimensão da minha dor. Mas a dor era tanta que escreveu na minha memória a mão dele sem a aliança de ouro e a minha com aquela aliança ridícula. Foi mais triste porque ele é quem me havia convencido de usar aquela aliança e eu fiquei ali, enganada, triste. Foi mais triste ele ter tirado a aliança do que ter me traído e só quem já amou alguém pode entender essa sutileza. O amor também é esse respeito a idéia, esse pensamento quando o outro não está.
Foram tantas as brigas e discussões por conta da aliança que percebi que fracassar no amor é fracassar em toda a vida: a gente perde o centro mesmo. Por isso inventei essas estratégias malucas que me defendem da idéia de romance. Uma delas é transar de roupas. Outra bastante eficaz é ficar falando do meu primeiro marido: arrasa qualquer chance de envolvimento mais profundo.
 Hoje uma amiga me ofereceu uma camisinha feminina, pois ganhou várias de brinde. Camisinha feminina acaba até com minha vontade de sexo: ela é uma segurança a mais para eu esquecer o amor romântico, minhas fantasias e desejos.
        Também não lembro com quem usei a tal da camisinha feminina, mas lembro que foi algo mais para o nojento do que para o lado excitante da vida. Excitante é a lua enlouquecida no céu, minha cama, meu chuveiro. Excitante é esquecer o amor inventado, abrir a janela e poder procurar pequenas novidades que acrescentem.
O amante achou bom eu aparecer de roupas e querer tudo que eu quis. Mas um dia disse que queria me ver tomando banho. Quis saber o porquê. Disse que queria porque queria. E que aquele querer era importante. Se era importante, então para mim tudo bem. Mas aquilo não era romance. Era o escrever do desejo, cavado num sonho que a gente não queria estar sonhando mas estava. E na tarde real, concordei. Deixei ele entrar e ele me olhou tomando banho como se estivesse tão distante que eu era realmente invisível. Foi assim que nos distanciamos. O banho sagrado ficou melhor: o Amor está na água.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Dia do Orgulho pela Existência da Diversidade

Por Alex Constantino

Nada de dia do orgulho heterossexual ou orgulho gay. Que seja o dia da consciência e do orgulho pela existência da diversidade.

Nos últimos dias tem se discutido o polêmico projeto de lei (nº 294/2005), de autoria do vereador paulistano Carlos Apolinário (DEM), que foi aprovado pela Câmara de Vereadores. Por ele, caso seja sancionado pelo Prefeito, ficará instituído, no Município de São Paulo, o dia do orgulho heterossexual, que será comemorado, anualmente, no 3º (terceiro) domingo de dezembro de cada ano.

No art. 3º do referido projeto consta que: O Executivo envidará esforços no sentido de divulgar a data instituída por esta lei, objetivando conscientizar e estimular a população a resguardar a moral e os bons costumes (SIC).
Isso porque, em sua justificativa o vereador argumenta que não “concorda com a apologia ao homossexualismo (SIC)” e os homossexuais, “se dizendo discriminados ou perseguidos estão tentando aprovar leis que na realidade concedem a eles verdadeiros privilégios”.
Esse privilégio, que para ele os héteros sequer têm, seria a possibilidade de “dois bigodudos se beijarem num restaurante”, sendo que deveriam “deixar os beijos e afetos para os lugares reservados ou suas casas” (já que ele não fica beijando “excessivamente” sua esposa para demonstrar o carinho que tem por ela).
Por fim, propõe que, se oficialize a data como símbolo da luta pelo ORGULHO DE SER HOMEM E O ORGULHO DE SER MULHER. (?!)
Não bastasse ser absurda (per si) a argumentação do vereador, merece destaque o voto contrário e sensato da vereadora Soninha.
Ainda, conforme consta em notícia veiculada pela internet, para a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) é "descabido propor a celebração do orgulho heterossexual de modo a desmerecer a luta social justa da população LGBT, que ocorre justamente para reafirmar a necessidade do enfrentamento da discriminação, agressão e violência comprovada às pessoas homossexuais".
Segundo ela, "os heterossexuais não são discriminados pelo simples fato de serem heterossexuais, ao contrário dos homossexuais, a exemplo dos casos recentes de violência homofóbica na Avenida Paulista tornados públicos pelos meios de comunicação (...). Os heterossexuais não são vítimas de agressões verbais e físicas, de violência, não são assassinados em virtude de sua orientação sexual"
Depois dessa grande (e talvez desnecessária introdução) de cunho informativo, a verdade é que, sem desmerecer a importância da luta real e necessária pela afirmação dos direitos das minorias, não sei se há uma lado certo nessa questão. E por questão, para não ser mal compreendido, estou me referindo à institucionalização de datas comemorativas de ideologias, gêneros, etnias ou qualquer outro tema que representa uma parcela da sociedade (seja a maioria ou minoria).
Isso porque, independentemente das justificativas que motivaram sua criação – muitas vezes louváveis, outras não – o único efeito concreto que estimulam é a segmentação da sociedade, porque reforçam a divisão dela em grupos que se preocupam somente em garantir os direitos de seus integrantes.
É como se quisesse afirmar que se tratam realmente de grupos diferentes e inconciliáveis que constantemente devem se digladiar para manter o equilíbrio de suas forças (direitos e deveres).
O problema aí, a meu ver, é que o foco está nas poucas (e muitas vezes ínfimas diferenças) quando deveria se concentrar nas várias semelhanças. Ao invés de um discurso umbiguista ou desagregador, porque não defender uma perspectiva unificadora?
Imaginemos o caso do dia da consciência negra. Em princípio, só os negros poderiam afirmar seu orgulho? E os brancos, poderiam criar um dia do orgulho branco? E se criassem, acho que podemos imaginar o problema que isso iria acarretar não é?
Todas essas são inciativas que afastam esses grupos quando realmente deveriam aproximá-los para que pudessem enxergar a verdade: não há grupos diferentes.
Assim, a luta pelos direito das minorias deveria ser travada por todos, e não só pelo grupo de interesse imediato, e seu objetivo deveria ser demonstrar que todos fazem parte de um grande, único e acolhedor grupo: o do respeito à diversidade. Eu, isoladamente, posso ser hetero, mas enquanto grupo faço parte daquele que abraça à diversidade sexual, onde cabe qualquer opção.
Não sou negro e muito menos quero um dia da consciência branca, porque o melhor seria um dia da consciência da diversidade: de etnias, opções sexual, gêneros, etc. Esse dia sim observa respeitosamente a dignidade da pessoa humana, conforme objetiva nossa Constituição, porque não impõe dogmaticamente um projeto de vida como válido, mas reconhece, estimula e celebra a multiplicidade de projetos de vida.
Assim, porque não fazer com que a luta de poucos, que algumas vezes acaba estigmatizando ainda mais esses grupos, seja a luta de todos? Minha modesta sugestão para isso: que tal o dia da consciência e do orgulho pela existência da diversidade?

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Solitude in High Definition

Por Fabio Ramos


os olhos colados na tela
computando
compartilhando
a escravidão digital

trocentos contatos
na lista
do Facebook
e ninguém curtiu
nenhum deles comentou

pq vc naum me add aeee tb?
omg, wtf... miguxo
#prontofalei

os sem vida off-line
se uniram de verdade
e combinaram
um encontro virtual

quando falaram
em suicídio
cibernético
todo mundo aderiu
nenhum deles arregou

o plugue da tomada foi puxado
a bateria foi descarregada
@oplanetadesconectou

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

O Politicamente Correto é Politicamente Correto?

Por Alex Constantino


Conta-se que a expressão “politicamente correto” foi cunhada como resultado de estudos ligados a aspectos culturais que se desenvolveram nos Estados Unidos e Europa desde a década de 70 do século passado.

Seus defensores se apoiam em descobertas provenientes de estudos da linguagem, realizados no século XX, de que aquela não é um instrumento neutro, isto é, que os próprios componentes da língua (vocábulos, estruturas, entonações) carregariam sentidos políticos e culturais que, algumas vezes, reforçariam ideias depreciativas ou pejorativas de algumas minorias ou grupos historicamente marginalizados.

Com base nisso, Idelber Avelar , colunista da revista Fórum, conta que parte dos negros estadunidenses passaram a se autodescrever como afro-americanos “sob a lógica de que preferiam identificar-se pela cultura de origem, e não pela cor da pele”.

Assim, a expressão “politicamente correto” - e a ideologia que ela carrega - surgiu como uma ofensiva a esta suposta natureza perniciosa da linguagem e, como nos informa o mesmo colunista, sua bandeira foi hasteada pela direita nos EUA, sob a duvidosa justificativa da existência de pressões daqueles grupos para que se sanassem tais “vícios linguísticos”.

Parece-me inegável que não existe neutralidade na linguagem, uma vez que ela atua como um condicionador e condicionante da própria iteração do homem em sociedade. Seria ingênuo pensar que não se influenciaria pelas dinâmicas sociais, já que é o principal meio de comunicação de ideias e propagação de ideologias.

Do mesmo modo, não poderia afirmar que a linguagem é um meio imparcial na comunicação de ideias e que nunca serviu aos propósitos da ideologia dominante.

No entanto, penso que há um certo exagero naquilo a que se propõe a cruzada do politicamente correto, e porque não, tratar-se-ia de seu desvirtuamento somente para mascarar a disseminação de ideias conservadoras e, inclusive, de uma censura travestida.

Isso porque, em alguns casos, a aplicação do politicamente correto tem pouca serventia ou ocasiona o efeito contrário. Usando o caso dos negros mencionados acima, é importante valorizar a cultura de origem, mas em primeiro lugar a sociedade deveria se esforçar para reverter a conotação negativa dada à cor da pele.

A persistir a mudança, creio eu, estaríamos reforçando o negatividade do termo, quando isso não espelha ou não deveria espelhar mais o pensamento atual. Se os negros defendessem esse posicionamento é como se dissessem que possuir a cor negra é um fator negativo ( do qual até teriam vergonha), mas que as pessoas, ao invés disso, deveriam se atentar para sua cultura. E isso não é verdade.
É muito mais produtivo permitir que os termos incitem o debate e seu sentido seja alterado positivamente do que eliminar seu uso, o que só atesta a suposta razão dada ao sentido negativo que lhe foi conferido.

Não é diferente quando os cruzados do politicamente correto exigem a alteração ou censuram obras artísticas sob o pretexto de eliminar pensamentos preconceituosos que elas incitariam. Cada obra é produto da cultura de seu tempo e vale mais discutir o contexto em que foi realizada, sem negar seu valor artístico. E sim, eu estou pensando no recente caso envolvendo livros de Monteiro Lobato.

Não é certo atirar o pau no gato , mas daí alterar uma cantiga popular tradicional ao invés de explicar para a criança que o que a música incita não é recomendado, podem até chamar de politicamente correto, mas para mim tem outro nome: censura (para não dizer crime).

A aplicação indiscriminada do politicamente correto poderá justificar que a classe ou ideologia dominante escolha quais ideias devam ser divulgadas ou quais obras poderemos ter acesso, quando o valor de cada uma delas deve ser atribuído pela reflexão de cada um que tenha contato com elas.

A grande maioria das palavras não possui um valor intrinsicamente negativo, uma vez que qualquer conotação nesse sentido pode ser revertida. No entanto, ao eliminar sua utilização a conclusão a que se chega é exatamente contrária. Não há como não pensar na Novilíngua  de 1984 de George Orwell.

O escritor cubano Pedro Juan Gutiérrez  diz que o politicamente correto está acabando com o mundo. Eu pergunto, será que o “termo politicamente correto” é politicamente correto?

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

O Livro de Damião Experiença

Por Fabio Ramos


Existirá um artista mais enigmático do que Damião Experiença? Self-made man convicto, ele é um ponto de interrogação ambulante. Músico? Mendigo? Pintor? Cafetão? Tudo isso e mais um pouco? As dúvidas pairam no ar.

Radicado no Rio de Janeiro, o baiano de Portão acredita em Deus e preza a hierarquia (herança do período em que foi operador de radar da Marinha). A matéria-prima de suas canções é o subconsciente. Há quem o considere um gênio. Há quem o considere um louco. Em se tratando de Damião Ferreira da Cruz, quem estará com a razão?

As esporádicas apresentações ao vivo atraem uma legião de seguidores. Geralmente acompanhado por uma gaita e um violãozinho empenado, o compositor criou uma discografia ímpar. Nem o próprio sabe ao certo quantos álbuns gravou. O primeiro deles – o conceitual Planeta Lamma – saiu em 1974. Lançamento independente, numa época daquelas, era algo impensável. E o que dizer das letras cantadas em um idioma inventado?

Todos os LPs trouxeram, desde então, o famoso livro de Damião encartado. Suas experiências de vida são relatadas na publicação (dividida em três partes e redigida num tom coloquial, com alguns erros de português). Vale lembrar que o artista é avesso a entrevistas. Dessa forma, a leitura da obra é obrigatória aos que pretendem conhecê-lo melhor. Além de expor sua visão política, filosófica e religiosa, o texto gera novos questionamentos. A essência está ali. Apenas isso.

Damião recusa-se a ganhar dinheiro com seu trabalho. Pelo contrário: no site oficial, ele disponibiliza – a qualquer interessado – músicas, vídeos, fotos e também o livro que escreveu. Tudo gratuitamente. E a influência de sua obra é notada em músicos da atualidade. Se você já ouviu Rogério Skylab e percebeu alguma semelhança, tenha certeza que não é mera coincidência...

A faceta artística não é desassociada do lado humano. Portanto, devemos conhecer a trajetória de Damião para compreender sua música originalíssima. 

Ficou curioso? Deseja se aventurar pelo universo de Damião Experiença? Baixe o livro aqui e acesse o site oficial. O trabalho dele merece ser apreciado, valorizado e difundido. Cada vez mais.


terça-feira, 2 de agosto de 2011

ENTENDENDO O SOL

Por Denise Fernandes


Estava sentada no ônibus me sentindo vazia como uma casa sem móveis, desabitada, e pensando no que ia escrever para esse blog. Quando entrou uma senhora coreana, de cabelos grisalhos, arrumados em um coque desajeitado e vestindo-se de maneira completamente simples. Ela se posicionou no meio do ônibus e segurando o que parecia serem pacotes de biscoito ofereceu:

-Quem quer comprar? 3 por 50 centavos!
O tamanho da oferta já mostrou que se tratava de alguém “anormal” e provocou uma reação de mudança no ônibus. Depois ela continuou:
-Obrigada pelo motorista que ajuda coreana, ajuda estrangeira...
Depois dirigindo-se ao cobrador:
-Quer namorar comigo?
Ele riu e sorriu. Ela também sorriu. O cobrador olhou pra mim com um sorriso. Estava com um óculos espelhado e seu sorriso tinha que falar pelos olhos.
Ela se dirigiu então ao motorista.
- Quer namorar comigo?
Ele disse que não. Ela ofereceu os tais biscoitos a ele e ele recusou. Ela então se sentou e começou um diálogo com pouco nexo com uma senhora também sentada na parte da frente do ônibus. A senhora respondia com paciência. O ônibus era grande e nele cabia toda a loucura de todos os passageiros. Lá fora, o mundo pequeno, apertado, ignorava tudo que era verdadeiro e permanecia como uma paisagem. A realidade está além dessa paisagem, é a história que se organizou em loucura. Só a loucura explica a delicadeza humana.
Logo a senhora coreana chegou a seu destino e dirigindo-se ao motorista, agradecendo muito, perguntou de novo se ele queria namorar com ela. Ele riu e ela desceu, localizada.
O motorista comentou que ela vivia naquele pedaço. Às vezes, encontrava com ela na rua Muniz de Souza e ela estava sem roupas. O dia que ela estava “virada” segundo o motorista, ela tirava a roupa.
No parque do Ipiranga tem um homem jovem que caminha todos os dias quase o dia inteiro pelo parque; ele canta a pedidos ou espontaneamente a mesma melodia já fazem seis anos. Gosto dessa loucura que organiza a Vida, que dá sentido aos poucos sentidos que o real revela. Suspiro atrás das novidades na Cidade, ou, os ciclos da Beleza que se repetem. A luz do Sol na favela é mais bonita que nos bancos recheados de dinheiro e ar condicionado. A cor da Terra, as casas que surgiram no morro, como as plantas que surgiram espontâneas de sua própria força. Em tudo, há uma expectativa, um desejo novo a surgir, uma nova e antiga fome onde havia apenas o ar, o vento, uma promessa leve. Há novas árvores querendo brotar, há uma semente que chora, uma luz que permanece na treva mais oculta como sua origem e seu néctar. Há um sabor doce e salgado em tudo que é real; eu sei porque lambi a realidade e ela queima dentro de mim, como os órgãos de um anjo. O anjo me olha, eu o escuto. Somos a Esperança dentro da favela e não estamos sós. Todos que estão conosco se ressentem com a Saudade. Não há verdade dentro dessa Esperança: ela é como um pulsar, um inseto, um filhote de pássaro no ninho esperando alimento.
Estamos construindo uma nova realidade. Mas ela não é espessa, densa. Ela é essa vontade do Sol todo dia. E anda de ônibus, verdade-realidade escondida em todas as trilhas e trajetos. Da senhora coreana nasce parte da Luz na Cidade, do seu corpo, de suas perguntas corajosas, de seu discurso que rompe com a normalidade. Vamos pedir para a normalidade se esconder diante de Nós e dessa Esperança que esculpimos dentro de nós. A Esperança nascida não fala mas acredita, espera como um feto seu alimento sagrado, sua parte no Mundo.
Desço e subo do ônibus. Enquanto houver trilhas, haverá esse caminhar indeciso e perplexo. A solidão nos fará sempre humildes diante do Sol. Sim, senhora coreana, continue tirando sua roupa no meio da rua porque estamos refletindo sobre a singela pele dos humanos. Estamos ainda entendendo o Sol, se é Ele que revela a rua ou a mascara. Estamos no auge da dúvida de toda a Civilização. E é a sabedoria da pele que nos inaugura hoje e talvez amanhã, é ela que nos tem perdoado a dureza do asfalto e nossas saudades.