terça-feira, 16 de agosto de 2011

Água

Por Denise Fernandes


Estava com vontade de transar mas não estava com vontade de tirar a roupa. Então, me veio aquela idéia: transar de roupa mesmo. Não estava querendo me ver pelada, nem queria que ele me visse: só queria a sensação de estar perto, de ser penetrada, de ter prazer. E foi o que tive. Tudo muito rápido, mas com imenso valor. A rapidez talvez tenha se devido às roupas. Porque o sexo fica mais preciso, exato de roupas, porque a roupa impede a mão e a vista de terem livre acesso. A mente não tem muito o que contemplar, presa ao já visto. Não há o impacto do corpo nu. Não houve nenhum passeio da vista por cicatrizes e marcas que revelariam minha infância ou dores; o que os olhos dele viram foram meus olhos e foi tudo bem rápido, já que grande parte da transa fiquei de olhos fechados, para que o olhar não me roubasse a sensação. Essa transa ainda se chama fazer amor, mas é um amor invisível, oculto, que já escondo de tudo e todos. Só tenho coragem de chamar de amor em alto som essa qualidade de amor mais cristão. Todas as cenas vividas impedem de chamar de amor esses atos de sexo e covardia que são minha vida amorosa de uns vinte anos para cá.
        Não sei bem quando essa qualidade de amor romântico se escondeu da minha vida. Talvez tenha sido quando encontrei meu primeiro marido num bar sem aliança. Meu coração doeu: perguntei a ele se ele havia  jogado fora a aliança para saber naquele momento a dimensão da minha dor. Mas a dor era tanta que escreveu na minha memória a mão dele sem a aliança de ouro e a minha com aquela aliança ridícula. Foi mais triste porque ele é quem me havia convencido de usar aquela aliança e eu fiquei ali, enganada, triste. Foi mais triste ele ter tirado a aliança do que ter me traído e só quem já amou alguém pode entender essa sutileza. O amor também é esse respeito a idéia, esse pensamento quando o outro não está.
Foram tantas as brigas e discussões por conta da aliança que percebi que fracassar no amor é fracassar em toda a vida: a gente perde o centro mesmo. Por isso inventei essas estratégias malucas que me defendem da idéia de romance. Uma delas é transar de roupas. Outra bastante eficaz é ficar falando do meu primeiro marido: arrasa qualquer chance de envolvimento mais profundo.
 Hoje uma amiga me ofereceu uma camisinha feminina, pois ganhou várias de brinde. Camisinha feminina acaba até com minha vontade de sexo: ela é uma segurança a mais para eu esquecer o amor romântico, minhas fantasias e desejos.
        Também não lembro com quem usei a tal da camisinha feminina, mas lembro que foi algo mais para o nojento do que para o lado excitante da vida. Excitante é a lua enlouquecida no céu, minha cama, meu chuveiro. Excitante é esquecer o amor inventado, abrir a janela e poder procurar pequenas novidades que acrescentem.
O amante achou bom eu aparecer de roupas e querer tudo que eu quis. Mas um dia disse que queria me ver tomando banho. Quis saber o porquê. Disse que queria porque queria. E que aquele querer era importante. Se era importante, então para mim tudo bem. Mas aquilo não era romance. Era o escrever do desejo, cavado num sonho que a gente não queria estar sonhando mas estava. E na tarde real, concordei. Deixei ele entrar e ele me olhou tomando banho como se estivesse tão distante que eu era realmente invisível. Foi assim que nos distanciamos. O banho sagrado ficou melhor: o Amor está na água.

Um comentário :

  1. Incrível. Como é fantástico mais uma vez ler um texto seu e saber que poucas criaturas nesta Terra conseguem se escancarar assim e nos dar este presente maravilhoso que é viver além dos olhos, do nariz e da boca! Minha Denieuse, Heine antiga... O Mundo precisa da sua letra, poesia e coragem para dizer o que uma geração massacrada pela escuridão da ignorância dos Real (REAL lacaniano) nem ousa imaginar que existe! Obrigada, sempre por instigar o pensamento, dor e amor. Você viu MELANCHOLIA, do Lars Von Triers? Assista. O mundo pode acabar, mas a beleza e saudade ficam.
    Sempre com amor, Zabrinska.

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