quinta-feira, 4 de agosto de 2011

O Politicamente Correto é Politicamente Correto?

Por Alex Constantino


Conta-se que a expressão “politicamente correto” foi cunhada como resultado de estudos ligados a aspectos culturais que se desenvolveram nos Estados Unidos e Europa desde a década de 70 do século passado.

Seus defensores se apoiam em descobertas provenientes de estudos da linguagem, realizados no século XX, de que aquela não é um instrumento neutro, isto é, que os próprios componentes da língua (vocábulos, estruturas, entonações) carregariam sentidos políticos e culturais que, algumas vezes, reforçariam ideias depreciativas ou pejorativas de algumas minorias ou grupos historicamente marginalizados.

Com base nisso, Idelber Avelar , colunista da revista Fórum, conta que parte dos negros estadunidenses passaram a se autodescrever como afro-americanos “sob a lógica de que preferiam identificar-se pela cultura de origem, e não pela cor da pele”.

Assim, a expressão “politicamente correto” - e a ideologia que ela carrega - surgiu como uma ofensiva a esta suposta natureza perniciosa da linguagem e, como nos informa o mesmo colunista, sua bandeira foi hasteada pela direita nos EUA, sob a duvidosa justificativa da existência de pressões daqueles grupos para que se sanassem tais “vícios linguísticos”.

Parece-me inegável que não existe neutralidade na linguagem, uma vez que ela atua como um condicionador e condicionante da própria iteração do homem em sociedade. Seria ingênuo pensar que não se influenciaria pelas dinâmicas sociais, já que é o principal meio de comunicação de ideias e propagação de ideologias.

Do mesmo modo, não poderia afirmar que a linguagem é um meio imparcial na comunicação de ideias e que nunca serviu aos propósitos da ideologia dominante.

No entanto, penso que há um certo exagero naquilo a que se propõe a cruzada do politicamente correto, e porque não, tratar-se-ia de seu desvirtuamento somente para mascarar a disseminação de ideias conservadoras e, inclusive, de uma censura travestida.

Isso porque, em alguns casos, a aplicação do politicamente correto tem pouca serventia ou ocasiona o efeito contrário. Usando o caso dos negros mencionados acima, é importante valorizar a cultura de origem, mas em primeiro lugar a sociedade deveria se esforçar para reverter a conotação negativa dada à cor da pele.

A persistir a mudança, creio eu, estaríamos reforçando o negatividade do termo, quando isso não espelha ou não deveria espelhar mais o pensamento atual. Se os negros defendessem esse posicionamento é como se dissessem que possuir a cor negra é um fator negativo ( do qual até teriam vergonha), mas que as pessoas, ao invés disso, deveriam se atentar para sua cultura. E isso não é verdade.
É muito mais produtivo permitir que os termos incitem o debate e seu sentido seja alterado positivamente do que eliminar seu uso, o que só atesta a suposta razão dada ao sentido negativo que lhe foi conferido.

Não é diferente quando os cruzados do politicamente correto exigem a alteração ou censuram obras artísticas sob o pretexto de eliminar pensamentos preconceituosos que elas incitariam. Cada obra é produto da cultura de seu tempo e vale mais discutir o contexto em que foi realizada, sem negar seu valor artístico. E sim, eu estou pensando no recente caso envolvendo livros de Monteiro Lobato.

Não é certo atirar o pau no gato , mas daí alterar uma cantiga popular tradicional ao invés de explicar para a criança que o que a música incita não é recomendado, podem até chamar de politicamente correto, mas para mim tem outro nome: censura (para não dizer crime).

A aplicação indiscriminada do politicamente correto poderá justificar que a classe ou ideologia dominante escolha quais ideias devam ser divulgadas ou quais obras poderemos ter acesso, quando o valor de cada uma delas deve ser atribuído pela reflexão de cada um que tenha contato com elas.

A grande maioria das palavras não possui um valor intrinsicamente negativo, uma vez que qualquer conotação nesse sentido pode ser revertida. No entanto, ao eliminar sua utilização a conclusão a que se chega é exatamente contrária. Não há como não pensar na Novilíngua  de 1984 de George Orwell.

O escritor cubano Pedro Juan Gutiérrez  diz que o politicamente correto está acabando com o mundo. Eu pergunto, será que o “termo politicamente correto” é politicamente correto?

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