sábado, 30 de novembro de 2013

Vende-se

Por Meriam Lazaro
 
 
 
 
                           Um casarão na esquina do arvoredo.
                           Lá onde se cultiva cirandas e vinhedos.
                           Guarda, ainda, as cores das rosas, os cheiros
                           Do manacá, a semente de bonina, o ano inteiro!



                           Uma vivenda para velhos e infantes.
                           Quintal cheio de pernas e braços esvoaçantes,
                           Sombra do linho das roupas que havia nos varais.
                           O silêncio do pontilhão que na parede não ecoa mais.


                           Com ela são vendidas histórias inteiras.
                           Dona onça, saci, a viúva benzedeira...
                           Que eram à noite contadas à luz do lampião.
                           Casa branca, na memória, em estampa de algodão!


sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Necessidade de Viver

Por Mayanna Velame
 
 
Imagem: Domenico Ghirlandaio
 
Não faz muito tempo que, ministrando uma aula de poesia, deparei-me com alguns versos primorosos de Cecília Meireles:


“Não sejas o de hoje.
Não suspires por ontem...
não queiras ser o de amanhã.
Faze-te sem limites no tempo.
Vê a tua vida em todas as origens.
Em todas as existências.
Em todas as mortes.
E sabes que serás assim para sempre.
Não queiras marcar a tua passagem.
Ela prossegue:
É a passagem que se continua.
É a tua eternidade.
És tu”.

Fiquei a ponderar sobre suas palavras. E até que ponto eu poderia alcançá-las. Na minha pequenez, mais uma vez, observei o tema: a efemeridade da vida. E, de fato, a vida assim se faz. Tudo ao nosso redor é tão instantâneo, rápido, ligeiro, como riscos de trovão no céu.

Essa fugacidade, expressa nos versos de Cecília Meireles, parece nos trazer uma certeza: devemos aproveitar a vida com ímpeto e gozo – mas não com desespero. Devemos vivenciá-la com responsabilidade, e não com metodologias.

Talvez o maior erro do ser humano seja esse: viver em excesso as tribulações do presente, transformar seu passado em refúgio perfeito e idealizar o futuro como lugar seguro. Quando nos limitamos, deixamos as águas da felicidade e do aprendizado escorrerem entre os dedos. E o medo de tentar o novo, o desconhecido, acaba se resumindo em frustrações e traumas, companheiras para o resto da vida.

A necessidade de viver não pode se apagar dentro de nós. Muitas vezes, o fim da existência chega sem aviso prévio. Enquanto estamos aqui, saibamos contemplar a vida (com suas ausências e presenças).

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Lá e cá

Por Amilcar Neves* 
 
 
 
Passava eu certo dia por uma livraria e nela entrei. Sempre quis começar uma crônica com essas palavras, “passava eu certo dia”, mas me continha um justo pudor relacionado ao uso do pronome eu. Hoje, atrevi-me.

Era Curitiba, corria o mês de julho passado e, feito católico que se benze frente a uma igreja, catedral ou capela, entrei para dar uma rápida espiada nos livros expostos, coisa que nunca costuma passar de hora e meia ou duas horas. Manias de leitor inveterado. A diferença com o católico é que o leitor adentra o templo e lá se deixa ficar concentrado, em respeitosa veneração aos objetos do seu culto.

Um título, uma capa e uma indicação chamaram-me a atenção. Pela ordem, Ficção de Polpa, uma jovem algemada e assustada, com o anúncio de 128 páginas de contos de horror, fantástico e ficção científica, e volume I, sugerindo tratar-se aquele do primeiro tomo de uma coleção. No livro, somente autores gaúchos, assinando histórias curtas que merecem ser lidas. Nomes todos novos e desconhecidos da minha proverbial ignorância, como desconhecida igualmente me é a Não Editora, uma “editora independente porto-alegrense que tem como objetivo dizer ‘não’ ao que é convencional no mercado editorial”. Não poderia desejar nada melhor do que essa singela descoberta de oposição ao tradicional, que começa por trazer um texto assinado por Gisele Oliveira, intitulado Making-of: capa, que inclui estudo e esboço desenvolvidos por ela para o desenho da capa.

Outro caso ocorreu bem antes, em 2010, quando participei do júri do Prêmio SESC de Literatura encarregado de analisar livros inéditos de contos provenientes dos três estados do Sul e indicar uma meia dúzia deles para a fase final do certame, competindo com originais das demais regiões do Brasil. Desses que os jurados escolhemos, um deles foi o grande vencedor nacional do concurso: Contos de Mentira, da lavra e autoria de uma incerta e não sabida Luisa Geisler - como se soube depois, contando apenas 19 anos de idade à época. E gaúcha, sim senhor, nascida em Canoas. Se não bastasse, no ano seguinte essa mesma Luisa ganha o mesmo prêmio, na outra categoria em que ele é atribuído, com o romance Quiçá. Ambos os livros recebem edição da Record, outro atributo da premiação.

Tudo isso, enfim, para dizer que no dia 12 de novembro ocorreu na Biblioteca Central da UFSC mais uma reunião do grupo gestor do Fórum Catarinense do Livro, da Leitura, da Literatura e da Biblioteca, que tem por objetivo elaborar um esboço de plano de Estado para os setores envolvidos. Como se sabe, o índice de leitura de livros em Santa Catarina é dos mais baixos na Federação. Na ocasião, o editor Nelson Rolim de Moura deu emocionado depoimento sobre as dificuldades que o setor enfrenta: por falta de política estadual, por falta de continuidade de projetos e iniciativas, por falta de integração com a Educação, por falta de secretarias de Cultura no Estado e nos municípios, por deficiências nas bibliotecas públicas e escolares, por falta de livrarias, por falta de estímulos aos professores do ensino básico e intermediário, por falta de investimentos, entre tantas outras carências muito nossas e que se perpetuam historicamente, sai governo e entra governo. Então, fez a terrível constatação:
 
- E os nossos escritores, onde estão? Há um vácuo de novos talentos nas nossas letras: ou porque não conseguem publicar ou porque desistiram de escrever. Uma ou outra causa, ambas são trágicas para a identidade catarinense.

* Crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 20.11.13

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Para-choque de Caminhão

Por Fabio Ramos


 
 
motorista
dirige
pelas rodovias
e pensa
 
raciocínio vira
frase nos
para-choques de
caminhão:
 
1
devo
não pago
nego enquanto
puder
 
2
doei todos os órgãos
que não usava
fiquei só
com
o
fígado
 
3
minha vida é um
litro aberto
 
4
do oiapoque
ao chuí
só paro pra fazer
xixi
 
5
dinheiro
e mulher bonita
só vejo na
mão
dos outros
 
6
discurso é igual
vestido
quanto mais curto
melhor
 
7
pobre
é que nem
pneu
quanto mais
trabalha
mais liso fica
 
8
dinheiro
não traz felicidade
mas ajuda a sofrer
em Paris
 
9
dinheiro
não traz felicidade
dê-me o seu e
seja feliz
 
10
macho que é
macho
come perereca
e não
engole sapo
 
11
não sou
pipoca mas dou
meus
pulinhos
 
12
feliz foi adão
não teve sogra nem
caminhão
 
13
nasci pelado
careca
e sem dente
o que
vier
é lucro
 
14
não sou silvio santos
mas vivo do baú
 
15
é fazendo merda
que se
aduba a vida
 
 

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Domingo

Por Denise Fernandes
 
 


                                                     Domingo à tarde,
                                                     Deixa-me.
                                                     Que deixo me deixares.
                                                     Deita-me quieta,
                                                     Aquieta-me na teia
                                                     da Terra. É este planeta
                                                     Que me tateia
                                                     E me deseja.
                                                     É teu toque que me diz:
                                                     Talvez.
                                                     Talvez um dia, uma tarde,
                                                     talvez outro dia.
                                                     Mas o tempo não reparte a dor
                                                     Não divide o desejo:
                                                     Dá-me tudo.
                                                     Entenda-me.
                                                     Acerte.
                                                     Aceite: este domingo de traição
                                                     de trauma,
                                                     é só um dia,
                                                     um tempo
                                                     no infinito.
                                                     Uma tragada,
                                                     uma adivinhação,
                                                     uma noitada.
                                                     E outra tragada.
                                                     Adeus.
 

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

águas-furtadas

Por Ana Paula Perissé
 
 
 
                                              cá dentro
                                              abismo.
                                              entra;
                                              e de soslaio
                                              me encara
                                              com força
                                              mansa

                                              ampara.

                                              ( o sorriso calmo
                                              das horas enfileiradas
                                              não te aventura
                                              próxima cena)

                                              sena.

                                              cá dentro
                                              sai muito de mim
                                              sem saber
                                              que há
                                              desvãos
                                              a tua espera
                                              .
                                              .
                                              .
                                              trampolim
                                              em
                                              águas-furtadas


domingo, 24 de novembro de 2013

sábado, 23 de novembro de 2013

O que é um indriso?

Por Meriam Lazaro
 
 


                          O que é um indriso? Perguntou-me a boa senhora.
                          Com oito versos precisos, é um soneto inacabado?
                          Não. É um poema completo, do soneto derivado.

                          A criação do ISIDRO, que nasceu em boa hora,
                          Não requer versos medidos para um bom resultado,
                          Mas quatro estrofes, sentido, conclusão e achado.

                          Para alguns, meros versos, a arte sétima e oitava...

                          Na verdade são estrofes com que a poesia se alinhava.

 

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Para dizer eu te amo

Por Mayanna Velame
 
 


O cigarro aceso continua depositado no cinzeiro de vidro. A garrafa de uísque, ainda lacrada, decora a pequena mesa de madeira no centro da sala. No sofá, meu corpo robusto permanece estendido e estático, feito um morto desamparado.

A penumbra esconde o semblante moribundo. De olhos bem abertos, porém baços, escuto os ponteiros do relógio que não param. Na corrida das horas, não há vencedor que não seja o próprio tempo. Ele rouba e nunca mais traz de volta os minutos passados.

Levanto-me lacônica, rastejando os pequeninos pés sobre o carpete persa (que comprei há três dias). Ele seria um presente, no entanto, meu maior presente me presenteou com seu silêncio.

Apresso os passos, ao lado da estante, uma cômoda abriga um jarro de flores, papéis, a carteira e o telefone. Como eu gostaria de ligar agora! Os dedos se aquecem e minha alma se envaidece de desejos. O aparelho diante de mim. As teclas reluzem, gesticulam, mas ninguém ouvirá a minha voz. O amor é desilusão, meu conflito diário...

Na verdade, o amor me agoniza. Se eu pudesse maltratá-lo, seria muito feliz. A vida não ganharia nem perderia nada. O amor nos esnoba, esse sentimento nos empobrece... Acossa-nos.

Farei o telefonema, preciso apenas de coragem. Retiro o fone do gancho. Ouço o sinal do outro lado da linha: sinal de solidão. Bruscamente aperto a primeira tecla...

Desisto...                                                                                        

“O amor nos esnoba, esse sentimento nos empobrece... Acossa-nos.”

Eu não tenho cura, não existe remédio para prevenir a dor que sinto agora. Mas que dor é essa? Dor que corrói a mente, os sonhos, os pecados.

Não insisto...

A madrugada surge, o telefonema foi somente uma tentativa fracassada de expressar o que nunca senti – o amor.

Volto para o sofá, recolho as pernas e descanso o queixo entre os joelhos erguidos. Preciso dormir para esquecer o meu eu. Fechar os olhos agora é enxergar tudo aquilo que o mundo não é para mim.

O telefone toca...

Subitamente, atendo à ligação. O silêncio conversa comigo:
 
– ...
– Alô!
 ...
– Alô! Pode falar...
– ...

Minha voz ecoa. Não sei exatamente quem me ouve agora. Não importa. A ligação termina, retorno ao sofá.

A noite se alonga lá fora e o mundo gira, junto com a solidão que cada um carrega dentro de si.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Itinerâncias ao rés do chão

Por Amilcar Neves*

 
 
Assim que entro no ônibus para uma longa viagem intermunicipal não tenho mais pressa alguma. Tudo cessa, nada mais depende de mim até chegarmos ao destino distante, situado a oito horas do ponto de partida. Não carrego comigo computador de colo (laptop), caderno eletrônico de anotações (notebook), tabuleta (tablet) nem computador portátil de mão que fala com outrem (smart phone). Estou só. Isolado. Incomunicável. Maravilhosamente só, isolado e incomunicável.
 
Passa um pouco das 14h30, meu ônibus parte às 14h45. No ônibus ao lado, vejo daqui, um sujeito de cabelo punk arrepiado manuseia uma tabuleta. Estará lendo? O que poderia ser? Literatura? Qual livro seria? Jamais saberei. Jamais saberemos. Ao retornar do toalete, o rapaz do ônibus ao lado abandonou o brinquedinho. Dedica-se agora a interagir com a tela de um celular dito inteligente. E ele sorri (o rapaz, não necessariamente o celular - haveria algum rasgo sutil de ironia da parte de um dos dois interagentes?).

Na plataforma de embarque, um agente (cacilda, como se age neste texto!) rodoviário fala para três colegas de empresa, dois dos quais serão os meus motoristas, isto é, os motoristas do meu ônibus:
 
- Artista precisa ter outras ocupação (sic)!
 
Os demais sorriem para ele, em sinal sincero de simpatia e admiração. Um deles pega sua tabuleta física, vai passando as folhas nela fixadas até chegar à última e mostra a todos, orgulhoso, o esboço do retrato de um rosto masculino:
 
- Isto aqui ele desenhou em dois toques!
 
A simpatia e a admiração inequívocas se expressam agora em sorrisos mais plenos e mais satisfeitos e em tapinhas amistosos nas costas do artista amigo e colega de trabalho. A arte está em todos os lugares, pensam todos ao mesmo tempo.
 
Paro por aqui, por ora (são 3 horas e 15); afinal, tenho mais o que fazer do que ficar conversando sem parar com vocês. Dedicar-me-ei um pouco, agora, a Carmilla. Vocês nem imaginam como é excitante e assustadora. Carmilla, a Vampira de Karnstein, de Joseph Thomas Sheridan Le Fanu. Comprei ontem de tardezinha numa livraria perto de casa. Custou oito reais. Oito pilas. Num sebo que acabou de abrir (sou um dos seus primeiros clientes, esta marca nunca mais ninguém me tira).
 
Carmilla. Já havia visto o filme. Três filmes, na verdade, de 1970 e 1971. Tenho-os todos em DVDs baratos - mas originais, nada de pirataria. O livro é outra coisa, vocês nem imaginam, sinto muito.
 
Passamos há pouco pela churrascaria "Boca da Serra". Vocês já podem imaginar para onde este ônibus trepidante me leva. Como se costumava dizer certa época das nossas vidas: "Fui!"
 
Volto talvez aí pelas 16. Dezesseis horas. Agora quero apreciar a paisagem que principia a se arrepiar serra acima. Chalés europeus começam a pipocar nas encostas. Aqui, mal passamos a ponte, já não existe nada que lembre o litoral. Mar já era. De comum com a Ilha, apenas os morros cobertos de mata nativa. O que não é pouca coisa, claro.
 
Voltado, eu. Re-voltado, tantas vezes já voltei. Menti-lhes. Gostaria de dizer menti-vos, mas isto não seria certo, a confissão estaria gramaticalmente incorreta e, como tal, possivelmente invalidada, o que equivaleria a dizer que lhes falei a verdade, o que não corresponde aos fatos tais como se desenrolaram (o que presume estivessem tais fatos enrolados).
 
Menti-lhes escandalosamente porque, sentado em companhia de Carmilla, acordei nos braços da Princesa da Serra assim que, às 18h30, o ônibus parou na rodoviária de Lages.
 
* Crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 13.11.13

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Sorria, mané...
Você está sendo filmado!

Por Fabio Ramos
 
 


saiu pra
dar o bote
junto
do
comparsa
 

abordou
motoqueiro
que
surgiu
(com berro na
mão)
 

um dos
criminosos
vazou
 

outro
deu azar e
levou
tiro
 

*
 

imagem do
elevador
 

ele
volta ao
apartamento
 

momentos
antes da overdose
 

*
 

conversão
em
local proibido
gera multa
a
domicílio
 

*
 

investigador
coloca
 
mulher
arrastou amante
 pro motel
 

*
 

tudo
registrado
pelas câmeras de
vigilância