quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Lá e cá

Por Amilcar Neves* 
 
 
 
Passava eu certo dia por uma livraria e nela entrei. Sempre quis começar uma crônica com essas palavras, “passava eu certo dia”, mas me continha um justo pudor relacionado ao uso do pronome eu. Hoje, atrevi-me.

Era Curitiba, corria o mês de julho passado e, feito católico que se benze frente a uma igreja, catedral ou capela, entrei para dar uma rápida espiada nos livros expostos, coisa que nunca costuma passar de hora e meia ou duas horas. Manias de leitor inveterado. A diferença com o católico é que o leitor adentra o templo e lá se deixa ficar concentrado, em respeitosa veneração aos objetos do seu culto.

Um título, uma capa e uma indicação chamaram-me a atenção. Pela ordem, Ficção de Polpa, uma jovem algemada e assustada, com o anúncio de 128 páginas de contos de horror, fantástico e ficção científica, e volume I, sugerindo tratar-se aquele do primeiro tomo de uma coleção. No livro, somente autores gaúchos, assinando histórias curtas que merecem ser lidas. Nomes todos novos e desconhecidos da minha proverbial ignorância, como desconhecida igualmente me é a Não Editora, uma “editora independente porto-alegrense que tem como objetivo dizer ‘não’ ao que é convencional no mercado editorial”. Não poderia desejar nada melhor do que essa singela descoberta de oposição ao tradicional, que começa por trazer um texto assinado por Gisele Oliveira, intitulado Making-of: capa, que inclui estudo e esboço desenvolvidos por ela para o desenho da capa.

Outro caso ocorreu bem antes, em 2010, quando participei do júri do Prêmio SESC de Literatura encarregado de analisar livros inéditos de contos provenientes dos três estados do Sul e indicar uma meia dúzia deles para a fase final do certame, competindo com originais das demais regiões do Brasil. Desses que os jurados escolhemos, um deles foi o grande vencedor nacional do concurso: Contos de Mentira, da lavra e autoria de uma incerta e não sabida Luisa Geisler - como se soube depois, contando apenas 19 anos de idade à época. E gaúcha, sim senhor, nascida em Canoas. Se não bastasse, no ano seguinte essa mesma Luisa ganha o mesmo prêmio, na outra categoria em que ele é atribuído, com o romance Quiçá. Ambos os livros recebem edição da Record, outro atributo da premiação.

Tudo isso, enfim, para dizer que no dia 12 de novembro ocorreu na Biblioteca Central da UFSC mais uma reunião do grupo gestor do Fórum Catarinense do Livro, da Leitura, da Literatura e da Biblioteca, que tem por objetivo elaborar um esboço de plano de Estado para os setores envolvidos. Como se sabe, o índice de leitura de livros em Santa Catarina é dos mais baixos na Federação. Na ocasião, o editor Nelson Rolim de Moura deu emocionado depoimento sobre as dificuldades que o setor enfrenta: por falta de política estadual, por falta de continuidade de projetos e iniciativas, por falta de integração com a Educação, por falta de secretarias de Cultura no Estado e nos municípios, por deficiências nas bibliotecas públicas e escolares, por falta de livrarias, por falta de estímulos aos professores do ensino básico e intermediário, por falta de investimentos, entre tantas outras carências muito nossas e que se perpetuam historicamente, sai governo e entra governo. Então, fez a terrível constatação:
 
- E os nossos escritores, onde estão? Há um vácuo de novos talentos nas nossas letras: ou porque não conseguem publicar ou porque desistiram de escrever. Uma ou outra causa, ambas são trágicas para a identidade catarinense.

* Crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 20.11.13

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