Por Amilcar Neves*
Talvez se possa pensar um pouco em Bernard Malamud (Retratos de Fidelman - Contos de uma exposição) ou em Modest Mussorgsky (Quadros para uma exposição), mas talvez não seja o caso.
O fato é que, lamentavelmente, a mostra acabou no domingo e nada do que aqui se dirá poderá ser comprovado in loco, mas apenas testemunhado pela memória das pessoas que se deram conta dos acontecidos ou que chegaram a presenciá-los. Portanto, tudo o que se segue poderá ser entendido como fantasias de escritor, como produtos da imaginação febril de um cronista desocupado que sai pelo mundo a inventar histórias descabidas ou descabeladas.
A mostra em questão é a Pinacoteca Casa Nova 2013, montada nas dependências quase centenárias do Museu da Escola Catarinense, um belíssimo edifício (e dos raros que restaram preservados na Capital) de estilo neoclássico erguido em 1922. Afortunadamente, o tema da exposição veio a ser "Aqui os grandes mestres se encontram", o que leva com naturalidade a pensar-se em Malamud e Mussorgsky e concluir-se que, contra tal cenário, falar de arte, quadros e livros só pode mesmo ser obra de ficção.
Mas havia muitos quadros expostos, juro, e especialmente de artistas catarinenses, à exceção de Eduardo Dias. E havia também muitos livros em todos os 30 ambientes da mostra, as antigas salas de aula da Escola Normal, e quase nada de autores de Santa Catarina. Mas isto não tem a menor importância, visto que os livros estavam por lá muito mais como peças decorativas do que como livros para se ler: a mostra (esta foi sua 12ª edição) é uma grande feira de decoração e arquitetura de interiores.
Num dos seus maiores espaços, batizado de Living des Arts, um exemplar da obra A Louca Debaixo do Branco, de Fernanda Young, chamou a atenção do modesto cronista que vos escreve, o qual, serenamente, abaixou-se para tomar nas mãos, com todo o cuidado e respeito, o livro em questão. Antes que pudesse tocar o volume que repousava sobre uma mesinha de centro bem baixa, uma voz jovem fez-se ouvir taxativa:
- Não pode mexer nos livros! Eles são do acervo pessoal dos arquitetos e eles não querem que ninguém mexa neles!
Não houve uma só palavra, nem mesmo à saída, já não digo de desculpa pela rispidez, mas de delicadeza com o visitante, que tivesse sido proferida pelo rapaz de preto, investido das funções de feroz guardião da sala. Como os designers Moacir Schmitt Junior e Salvio Moraes Junior não se encontravam no local, tornou-se impossível atestar com os donos dos livros a veracidade da suposta ordem recebida pelo garoto de seus 20 anos.
Na outra sala tão grande quanto essa, denominada Espaço - O Mar, preenchida pelo arquiteto Guilherme Torres, chamavam a atenção, de cara, as diversas pilhas de quatro ou cinco livros, todos em capa dura e edições dos anos 30 e 40, geralmente sobre História das Civilizações, Arqueologia ou as obras completas de Monteiro Lobato - chamavam a atenção pelo fato de o livro de cima apresentar-se invariavelmente sem a capa e as primeiras páginas, levando a crer numa denúncia talvez do desleixo das pessoas com a Cultura e a memória.
- Nada disso. O arquiteto escolheu criteriosamente e comprou os livros num sebo próximo e ele mesmo os destruiu para a exposição. Perguntado pelo sentido da "obra", limitou-se a dizer que os livros estavam ali "apenas para fazer volume".
Há quem profetize que esse senhor de Londrina, morador de São Paulo, caminha celeremente para tornar-se o sucessor de Niemeyer.
* Crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 06.11.13
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