sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Somos

Por Mayanna Velame

 
 
 
O silêncio diz os teus segredos.
Escondo-me em labirintos de palavras.
Afogo-me em versos desatinados.


Somos nada...
Mas o tudo reside em nós

 
Somos duplos.
Somos polissêmicos.
Somos palavras ditas.


Somos filhos da língua,
Somos frutos mortíferos.
 

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

História com livros

Por Amilcar Neves*

 

De vez em quando alguém me pergunta pelo Manoel Osório, manda um beijão para o Manoel Osório, quer saber como vai o Manoel Osório. Agora mesmo é o André, amigo da Lúcia Helena, que declara de público, pelo Facebook: "Grande abraço, e por favor mande lembranças ao Manoel Osório!" Quer dizer: duas palavrinhas para mim, oito (oito!) para Manoel Osório. Tá certo que somos amigos, mas não vivo com o Manoel Osório, cada qual tem sua vida e seu endereço eletrônico, costumamos passar muito tempo sem nos ver, conversando através de mensagens eletrônicas pois, descobri agora, ele detesta telefones. Usa, mas detesta. Assim, nunca disca (?) para falar com alguém.
 
 
Há quem venha me dizer que anda com saudades do Manoel Osório. Outro dia, uma garota - uma mulher, convenhamos; um mulherão - confessou que sonha com Manoel Osório ao menos três vezes por mês. O tipo da informação idiota, essa. Talvez sirva de alguma forma para ele, mas não tem a menor serventia para ninguém mais. Não sei por que as pessoas, assim tão interessadas nele ou saudosas dele, não lhe escrevem diretamente. Fico eu aqui, estúpido, dando explicações e mandando recadinhos para marmanjo.
 
 
Como qualquer pessoa, Manoel Osório às vezes é um baita de um chato. Em outras ocasiões, é um cara bem legal até. Verdade é que ele se revelou um respeitável coletor, colecionador e contador de histórias, e aí é que reside a força maior do vínculo que mantemos: de forma interesseira e egoísta, valho-me dos casos dele, muitas vezes omitindo seu nome, para construir as historietas que espalho pelos meus textos.
 
 
Diferentemente de mim, entretanto, ele detesta livros, que manuseia apenas por obrigação (como toda a sua família, ele é formado em Direito; ao contrário de toda a sua família, ele é o único Osório que não voltou para sua cidade no Sul do Estado). Ele não entende como, sem a obrigação de fazê-lo, alguém senta-se por meses a fio para escrever um romance. Considera isso uma absurda perda de tempo, pois a vida continua a correr do lado de fora e o sujeito fica ali, encaramujado, escrevendo feito um demente.
 
 
O uso dos livros
 
 
Sua avaliação do ato da leitura é muito semelhante à da escritura: desperdício de vida. De maneira facciosa, parcial e distorcida, Manoel Osório costuma usar como principal argumento precisamente o meu exemplo: enquanto ele sai por aí, conversando, vendo e viajando, eu me nutro dos casos que ele me conta, ao invés de buscar minhas próprias histórias. E completa, resumindo sua filosofia:
 
 
- Se é para lidar com livros, se for absolutamente imprescindível tratar com eles, que se faça como um velho amigo meu, para horror supremo de um bibliófilo vizinho dele: compra o livro apenas e tão somente se estiver afim ou necessitado de lê-lo, lê a obra, a mulher lê e, ao fim e ao cabo, o velho volume usado e amarrotado vai para o cesto de jornais e revistas. Na semana seguinte, o caminhão do lixo some com ele.
 
 
Um homem e seu lema
 
 
A medida do seu caráter egocêntrico, megalomaníaco e autossuficiente (ele que não me oiça, pois ler-me não há de) pode ser tirada pelo lema que adotou outro dia, bem recentemente. Até então ele era simplesmente Manoel Osório, com nome e sobrenome, e isso era o bastante. Mas ele cismou de que não, de que precisava ornar o seu nome com os adornos de um título, quase como se uma aura de nobreza. Passou então a assinar-se "Manoel Osório (do Sul para o Mundo)", uma idiotice sem mais tamanho para comparar.
 
 
No entanto, para mim isso tem um belo valor, posto que ele se leva a sério e efetivamente sai de viagem, nacional ou internacional, de quando em vez. Na volta, eu é que renovo o estoque de histórias da minha adega em geral combalida. E saio deitando ficção enquanto saboreio um vinho que ele me presenteia.
 
 
*Crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 27.07.14

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Insanidade

Por Fabio Ramos
 
 


entre Jesus e
Barrabás
o
povo
escolheu
:
 

(Barrabás)
 

dois mil anos
depois
o
povo
escolheu
 

&
também
RE
elegeu
:
 

(Barrabás)
 

que o
Senhor tenha
piedade
do
Brasil
 

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

dúvida

Por Ana Paula Perissé
 
 


                                              à sombra de
                                              1`dúvida
                                              mora
                                              (abissal de mim)
                                              toda lua
                                              que cresce
                                              em ti



                                              ( as dúvidas
                                              são vários caminhos
                                              deixados
                                              à florata de mundos)


                                              saber
                                              de não ser
                                              outrora
                                              acaso divino
                                              em casos descasados


                                              (causos tantos)


                                              procura-se
                                              em densa mata
                                              1´girassol
                                              em canteiros


                                              (à descoberta)


                                              juntos.

 

domingo, 26 de outubro de 2014

sábado, 25 de outubro de 2014

Oráculo

Por Meriam Lazaro
 
 


Cai a moeda na fonte,
vai a pergunta ao oráculo!
Quem aprisionou o tempo
no relógio e calendário
e fez de duras lembranças
um nostálgico ensaio?
A resposta escancarada
jorrou da boca de Baco...
A folha seca de hoje, ontem era verde no galho.
 

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Os rios

Por Mayanna Velame
 
 


Aqui, pelas bandas do lugar onde moro, existem dois rios chamados de Negro e de Solimões. O primeiro é celebrado por suas águas escuras – em virtude da alta concentração de ácidos húmicos e fúlvicos, provenientes da decomposição do húmus do solo que escoa para o rio. Em consequência disso, o Negro é conhecido como um rio “pobre” (pois ele quase não oferece alimento aos peixes). 
 
 
Já o segundo tem como característica uma água barrenta e turva, com aparência lamacenta. Diferente do Negro, o Solimões possui pouco material orgânico. E, com isso, sua acidez é menor – o que o torna propício para a pesca, os esportes e as pesquisas. 
 
 
Eles são rios bem distintos: seja no teor, na química que os compõem, na tonalidade de suas cores, na temperatura. No entanto, as diferenças não impedem a formação do renomado Encontro das Águas, que recebe o nome de rio Amazonas. 
 
 
Várias explicações são dadas ao fenômeno. O Solimões é mais ligeiro e leve. Por isso, suas águas não se misturam com as do rio Negro. Contudo, não nos surpreende as questões e as explicações da ciência (em relação a esse extraordinário acontecimento). O que nos encanta é a generosidade da natureza. 
 
 
O Negro e o Solimões não se excluem, não se agridem, não se devoram. Cada um sabe seu lugar. Cada um respeita o espaço de suas respectivas águas. 
 
 
O Brasil precisa aprender mais com a natureza. Podemos não ter a mesma “química de ideias” e opiniões, mas respeito – num país que se diz amistoso e simpático – é essencial. As últimas eleições mostraram comportamentos intolerantes e preconceituosos de eleitores. Votar no candidato A, B ou C não nos faz melhor ou pior que ninguém. Convicções e ideologias são traços que trazemos conosco, de acordo com nossa visão de mundo. 
 
 
É bom quando dialogamos, questionamos, argumentamos. São exercícios que devem ser feitos. O Brasil ainda é uma nação neófita em termos de democracia. O rio Negro e o rio Solimões podem até não se misturar. Porém, o Encontro das Águas só é belo porque eles não se anulam. Mesmo com diferenças, ambos correm juntos, rumo ao oceano.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Tempos tenebrosos virão

Por Amilcar Neves*

 
Encontraram-se no local combinado: um desvão meio sombrio, tanto quanto possível afastado de ouvidos humanos e olhos tecnológicos, como o Chefe falou e ele pensou que fosse brincadeira, o Chefe sempre tem lá seus momentos de galhofa, de pilhéria. De gozação, mesmo.
 
 
- Percebeste bem?
 
 
- Perceber? O que?
 
 
- O que estão fazendo, oras! - o Chefe parecia nervoso, apreensivo, preocupado.
 
 
- Fazendo onde, Chefe?
 
 
- Por aí. Por tudo - fez um gesto vago e redondo como se quisesse abarcar e indicar o mundo ou algo vasto e muito grande.
 
 
Pensou um pouco antes de responder, tentando avaliar melhor a situação, procurando entender com máxima clareza a que, precisamente, o Chefe se referia:
 
 
- Bom, pelo que sei, estão instalando os cabos da nova rede de banda larga, telefonia e...
 
 
- A-há! Isso é o que tu pensas! - enfatizou otu como se enfiasse o dedão indicador no meio do peito do interlocutor. - Isso é o que todos pensam! Será que ninguém está percebendo, será que ninguém lê sobre conchavos e tecnologia?
 
 
- Gostaria muito de saber, Chefe.
 
 
- Olha, quero dizer, escuta - e cobriu a boca com a mão, feito técnico de futebol à beira do gramado, para impedir a leitura labial. - É o plano, um plano de escala nacional. E escala nacional no Brasil nunca é coisa pouca, vai aí pelo menos de 30 a 40% de propina. Todos os locais terão esse mesmo sistema que estão instalando aqui, nas nossas barbas - e deixou escorregar a mão, cofiando a própria barba, muito bem cuidada, por sinal.
 
 
- Sério, Chefe? Essa história começa a me deixar preocupado, inquieto.
 
 
- Pois é, pois é como te digo: daqui para a frente vamos precisar ter muito cuidado com tudo que falarmos: tudo será ouvido, tudo será gravado e as conversas serão todas cruzadas. Nada escapará do conhecimento deles, imagina! Imagina quando todo o sistema estiver implantado, funcionando no País todo?
 
 
- Caraca, Chefe, não tinha pensado nisso!
 
 
- E tem mais: sabes de quem é a empresa - a mão sempre cobrindo os lábios, exigindo idêntica postura do outro, a fim de não ser delatado por palavras alheias - que está fazendo o serviço?
 
 
A primeira revelação
 
 
- O dono da empresa, Chefe? Não faço a menor ideia -quase cedeu ao gracejo do "não faço a melhor ideia"; ia pegar mal.
 
 
- A empresa é a - abafou tanto a voz que ela não saiu e o outro ficou sem saber o nome da fatídica companhia prestadora do serviço. - Pois essa empresa é exatamente aquela.
 
 
- Aquela?
 
 
- Sim, aquela, a empresa fajuta que saiu na imprensa, foi escândalo no Jornal Nacional, capa da Veja, alimentou jornais por semanas. Vem aqui perto - pediu, e aproximou a boca da orelha do outro, tapou dos dois lados essa via de comunicação entre ambos e disparou: - o dono é o filho do Cara! Percebes?
 
 
- Humm...
 
 
- Todo o Brasil instalando, sendo obrigado a instalar o sistema, e o dinheirinho caindo no caixa da família. Dinheirinho pra eles, podres de ricos que já estão. Mas tem mais.
 
 
- Mais, Chefe?
 
 
- Tem.
 
 
A grande revelação
 
 
- Já tremo de medo e angústia, Chefe.
 
 
- É bom ir acostumando mesmo. Porque, daqui pra frente, só vai fazer piorar.
 
 
- Piorar mais ainda?
 
 
O Chefe quase esboçou um sorriso, mas seus olhos pilheriavam, degustando a impressão que causava, certo de que estava a ponto de convencê-lo da Grande Verdade:
 
 
- O esquema, meu amigo, o esquemão tal como foi montado desde lá o final do século passado e que começa agora a ser executado.
 
 
- Meu Deus! - benzeu-se três vezes feito jogador entrando em campo.
 
 
- O uso do capitalismo em proveito próprio! O capitalismo desenvolve a tecnologia, coloca os cabos a funcionar e serve assim ao comunismo.
 
 
- Ao comunismo?!
 
 
- Sim, o plano é o controle total da sociedade brasileira e a implantação do comunismo, do qual jamais conseguiremos nos livrar depois que essa rede começar a operar.
 
 
*Conto publicado no jornal "Diário Catarinense" de 26.07.14

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Insight Man

Por Fabio Ramos
 
 


tirou do bolso
uma ideia
 

dobrou
em
três
pedaços
 

e repartiu
com
os
demais
 

a sede
encharcou
 

a
erva
pereceu
 

o
vício
mudou
de
calçada
 

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Acasos do Amor

Por André Vianna 

 

                                         Por você eu sou sincero sem querer
 

                                         Eu te espero sem querer
                                         Eu te quero sem querer ou esperança...
                                         ... De que o querer se satisfaça
                                         ... De que a espera um dia expire
 

                                         Para ser sincero eu te venero
                                         Como quem louva a Deus
                                         Você é minha religião
                                         Minha crença sem promessa de salvação
                                         Onde a única união firmada
                                         Foi a sua ausência e a minha solidão
 

                                         Para ser sincero eu me desespero
                                         E sem você me retalho em palavras
                                         E sangro em versos, em poesia ordinária
                                         Pois se o meu amor não nos fez amantes
                                         Ao menos, me fez poeta
 

                                         Talvez a minha sinceridade inspire
                                         - Sem intenção -
                                         A emoção em outro par, outro casal
                                         Que se queira sem espera
                                         Que se veja além da ilusão
                                         E assim, por acidente
                                         Talvez chegue a outro coração
                                         O amor que esperou encontrar você.
 

Nasci no Rio de Janeiro em 1978. Publiquei em diversas antologias poéticas e também tenho um livro de contos - Sobre o Natural e o Sobrenatural - lançado pela Editora Multifoco.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

dual me

Por Ana Paula Perissé
 
 


                                          já vi tanta coisa
                                          (acúmulo de tempo
                                          não é de vida)
                                          por vezes.



                                          chega de água parada
                                          morte nocturna
                                          ou desejos demais.


                                          (dual me)


                                          os anos machucam
                                          e a cura se vira
                                          por vezes
                                          atrás de 1´maré de sizígia


                                          deixe que tempo
                                          escorra
                                          viçoso
                                          pois ainda há rubor
                                          a ser sentido
                                          numa espécie de ternura


                                          ao final.


                                          de cada nova curva
                                          360.


                                          (há que se ir
                                          para poder
                                          retornar
                                          .
                                          .
                                          .
                                          siderada.)

 

domingo, 19 de outubro de 2014

Zés

Por Oswaldo Antonio Begiato
 
 


           No tempo do zagaia
           (meu amigo Zé dizia tempo do Zé do Gaio)
           havia umas rosinhas
           feitas por doceiras com amêndoas e clara de ovo
           para enfeitar bolos de noiva;
           rosa, azul, branca, verde...


           Eu era criança
           nem ligava para o bolo,
           só queria saber delas, as rosas;
           chamavam-se marzipã
           (meu amigo Zé dizia Maria do Zé Pão).


           Eu gostava de ouvir as coisas novas da língua que meu amigo Zé inventava.
           Eram tempos de muitos Zés e poucas escolas.
 

sábado, 18 de outubro de 2014

Outra noite de sonhos

Por Meriam Lazaro
 
 


A imagem de hoje na página do Google mostra um desenho de Maria Sibylla Merian, nascida na Alemanha. Estudiosa da natureza ilustrou em detalhes o desenvolvimento de borboletas, outros insetos e as plantas de que se alimentam. Houve um período em que eu procurava por xarás, quando li sobre a naturalista no dicionário Houaiss. Encantei-me com seus desenhos e desejo ter ainda uma bela reprodução em minha sala. Aliás, amigas e outras faladeiras vivem a me chamar atenção para a nudez de minhas paredes. Na sala tenho um quadro de cegonhas em madrepérola, trazido do Japão por uma amiga, Ling. Sobre a cabeceira da cama, tenho um pequeno painel com quatro quadrinhos florais, bordados em ponto cruz por outra amiga, Lia. Gosto de paredes nuas. Também gosto de seres alados e flores desde os tempos de criança, quando sonhava em voar. Talvez venha daí o gosto pelo desenho de pássaros e borboletas. Flores, toda criança já desenhou. Algumas, de talo fininho e uma careta risonha. Outras, mais elaboradas. Um pouco mais velha, lembro-me de desenhar durante as aulas vagas no colégio. Acompanhava a travessura, outra amiga, Liana. Desenhávamos vestidos em manequins de rostos redondos e risonhos, como o gato de Alice. Nossas mães eram costureiras. Cansada do trabalho desgastante, tenho ido dormir antes das dez da noite. Sobra mais tempo para sonhar. Nesta noite, me deparei com uma atividade nova. Sorrir sob um girassol na companhia de três pessoas, que bem poderiam ser a Ling, a Lia e a Liana. Cada uma sob a sombra de um pé de girassol. Além de escrever bobagens, este seria o meu novo trabalho.

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Política

Por Mayanna Velame
 
 


E na política do amor,
o Partido Coração
já não aceita mais alianças
nem promessas...

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Elisabete e a Cultura

Por Amilcar Neves*

 

Não deixa de ser uma situação sui generis: na reunião do Conselho Estadual de Cultura realizada na tarde de segunda-feira, concluída às 19 horas, preocupados com a demora excessiva no lançamento das premiações, que deveriam ser anuais, alguns conselheiros pediram informações sobre a situação efetiva do Edital Elisabete Anderle, destinado a apoiar, com recursos públicos, projetos selecionados por comissões específicas, externas ao Governo, ligados a diversos segmentos das Artes e da Cultura. A Presidente do Colegiado informou que as propostas elaboradas pelo Conselho (minutas do decreto, do edital e dos regulamentos dos 11 prêmios, concluídas com o suporte de assessorias jurídicas do próprio Governo e encaminhadas em fins de fevereiro - há cinco meses, pois) ainda estavam sob análise da Casa Civil e ela não dispunha de informações sobre a data prevista para o lançamento do Edital.
 
 
No início da tarde de quarta-feira, porém, a imprensa noticia pela internet que o Secretário de Turismo, Cultura e Esporte (Estado que se pretende polo turístico internacional, Santa Catarina continua sem uma secretaria exclusiva para o Turismo) anunciou que o Elisabete Anderle finalmente será lançado na próxima semana. Na mesma ocasião, revelou que, depois de quase treze meses acéfala, a Fundação Catarinense de Cultura passaria a ter alguém novamente sentado na cadeira de Presidente. A escolhida é a Secretária Adjunta da pasta, Maria Teresinha Debatin (espera-se que ela não acumule as duas funções, prática que, está mais do que sabido, não tem mostrado resultados sequer aceitáveis na FCC), cuja nomeação foi publicada no Diário Oficial da mesma quarta-feira.
 
 
Na segunda, o Conselho igualmente desconhecia a novidade: não se achou que ele merecesse a deferência de uma informação oficial sobre a nomeação iminente.
 
 
O mais frustrante no anúncio do Secretário foi sua frase mortal: "O valor do prêmio será de R$ 7 milhões, o mesmo pago no ano passado". Baseado em dados oficiais do Orçamento para 2014, o Conselho propusera o ajuste da premiação para R$ 20 milhões.
 
 
Varejo cultural
 
 
Parece que o Governo do Estado prefere mesmo distribuir no varejo o dinheiro previsto em Orçamento, ao invés de privilegiar o apoio à Cultura pela prática transparente e democrática dos editais públicos. Em distorções sucessivas e cumulativas, os projetos dos agentes culturais (pessoas físicas, jurídicas ou órgãos públicos municipais, inclusive Prefeituras) passam pelo Conselho para cumprir determinação legal. Como sublinham certos gestores públicos, "apenas para deliberar sobre o mérito cultural das propostas, sem preocupação com aspectos executivos, políticos ou financeiros dos projetos em análise". Aprovados ou não nessa instância, a decisão final sobre quem vai levar o dinheiro, quanto e quando - e independente dos pareceres do Conselho - fica com a Casa Civil, ouvido um esdrúxulo Comitê Gestor.
 
 
O Orçamento
 
 
Os dados são oficiais e foram expostos com clareza em fevereiro de 2014, por técnicos da Secretaria de Turismo, Cultura e Esporte, ao Plenário do Conselho Estadual de Cultura. Tratava-se de situação inédita: ao que consta, nunca antes o Conselho soubera qual o valor destinado em Orçamento ao Fundo Cultural.
 
 
A receita líquida disponível para compor o fundo único da Secretaria em 2014 é de R$ 187.438.000,00, distribuídos arbitrariamente entre o Turismo (41% do montante), o Esporte (33%) e a Cultura (25%). Dos R$ 46,9 milhões que cabem ao Fundo Cultural, 3,5 mi destinam-se às 36 famigeradas secretarias regionais; 17,0 mi para custeio e projetos próprios da FCC; 7,0 mi para o Edital Elisabete Anderle; 3,0 mi para o Edital Catarinense de Cinema.
 
 
Por fim, 16,4 mi vão para o varejo cultural dos projetos isolados.

*Crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 25.07.14