Por Amilcar
Neves*
Encontraram-se no local
combinado: um desvão meio sombrio, tanto quanto possível afastado de ouvidos
humanos e olhos tecnológicos, como o Chefe falou e ele pensou que fosse
brincadeira, o Chefe sempre tem lá seus momentos de galhofa, de pilhéria. De
gozação, mesmo.
- Percebeste bem?
- Perceber? O que?
- O que estão fazendo, oras! - o
Chefe parecia nervoso, apreensivo, preocupado.
- Fazendo onde, Chefe?
- Por aí. Por tudo - fez um gesto
vago e redondo como se quisesse abarcar e indicar o mundo ou algo vasto e muito
grande.
Pensou um pouco antes de
responder, tentando avaliar melhor a situação, procurando entender com máxima
clareza a que, precisamente, o Chefe se referia:
- Bom, pelo que sei, estão
instalando os cabos da nova rede de banda larga, telefonia e...
- A-há! Isso é o que tu
pensas! - enfatizou otu como se enfiasse o dedão indicador no meio do
peito do interlocutor. - Isso é o que todos pensam! Será que ninguém está
percebendo, será que ninguém lê sobre conchavos e tecnologia?
- Gostaria muito de saber, Chefe.
- Olha, quero dizer, escuta - e
cobriu a boca com a mão, feito técnico de futebol à beira do gramado, para
impedir a leitura labial. - É o plano, um plano de escala nacional. E escala
nacional no Brasil nunca é coisa pouca, vai aí pelo menos de 30 a 40% de
propina. Todos os locais terão esse mesmo sistema que estão instalando aqui,
nas nossas barbas - e deixou escorregar a mão, cofiando a própria barba, muito
bem cuidada, por sinal.
- Sério, Chefe? Essa história
começa a me deixar preocupado, inquieto.
- Pois é, pois é como te digo:
daqui para a frente vamos precisar ter muito cuidado com tudo que falarmos:
tudo será ouvido, tudo será gravado e as conversas serão todas cruzadas. Nada
escapará do conhecimento deles, imagina! Imagina quando todo o sistema estiver
implantado, funcionando no País todo?
- Caraca, Chefe, não tinha
pensado nisso!
- E tem mais: sabes de quem é a
empresa - a mão sempre cobrindo os lábios, exigindo idêntica postura do outro,
a fim de não ser delatado por palavras alheias - que está fazendo o serviço?
A primeira revelação
- O dono da empresa, Chefe? Não
faço a menor ideia -quase cedeu ao gracejo do "não faço a melhor
ideia"; ia pegar mal.
- A empresa é a - abafou tanto a
voz que ela não saiu e o outro ficou sem saber o nome da fatídica companhia
prestadora do serviço. - Pois essa empresa é exatamente aquela.
- Aquela?
- Sim, aquela, a empresa fajuta
que saiu na imprensa, foi escândalo no Jornal Nacional, capa da Veja,
alimentou jornais por semanas. Vem aqui perto - pediu, e aproximou a boca da
orelha do outro, tapou dos dois lados essa via de comunicação entre ambos e
disparou: - o dono é o filho do Cara! Percebes?
- Humm...
- Todo o Brasil instalando, sendo
obrigado a instalar o sistema, e o dinheirinho caindo no caixa da família.
Dinheirinho pra eles, podres de ricos que já estão. Mas tem mais.
- Mais, Chefe?
- Tem.
A grande revelação
- Já tremo de medo e angústia,
Chefe.
- É bom ir acostumando mesmo.
Porque, daqui pra frente, só vai fazer piorar.
- Piorar mais ainda?
O Chefe quase esboçou um sorriso,
mas seus olhos pilheriavam, degustando a impressão que causava, certo de que
estava a ponto de convencê-lo da Grande Verdade:
- O esquema, meu amigo, o
esquemão tal como foi montado desde lá o final do século passado e que começa
agora a ser executado.
- Meu Deus! - benzeu-se três
vezes feito jogador entrando em campo.
- O uso do capitalismo em
proveito próprio! O capitalismo desenvolve a tecnologia, coloca os cabos a
funcionar e serve assim ao comunismo.
- Ao comunismo?!
- Sim, o plano é o controle total
da sociedade brasileira e a implantação do comunismo, do qual jamais
conseguiremos nos livrar depois que essa rede começar a operar.
*Conto publicado no jornal
"Diário Catarinense" de 26.07.14