segunda-feira, 10 de maio de 2021

A despedida

Por Fabio Ramos



Como editor do Texto de Garagem, só tenho que agradecer. Agora, em 8 de maio, nosso site completou 10 anos de atividades. No início, quando criamos esse espaço, tínhamos muita gana de escrever. A página foi uma vitrine, que exibiu o trabalho de autores contemporâneos (de um modo geral, fora do mercado literário). Também abrimos para novos talentos, que brilharam no "TG Convida".

E o resultado, em números, está aí: durante a última década, foram quase 3 mil publicações. Teve ano que publicamos mais de 300 postagens. Com o tempo, o acesso aumentou e consolidou-se: entre abril e o começo de maio de 2021, tivemos mais de 27 mil acessos na página em um mês - não só do Brasil, mas também de países europeus e dos Estados Unidos.

Com exclusividade, os leitores puderam acompanhar o surgimento de inúmeras sementes. O trabalho no Texto de Garagem sempre foi pautado pela liberdade: cada escritor, individualmente, escolhia sobre o que escrever e criava livremente. E as sementes brotaram: é possível ler em nosso site na internet diversos poemas, contos e crônicas que deram origem a livros como, por exemplo, "Entendendo o Sol" (de Denise Fernandes) e "Português Amoroso" (de Mayanna Velame).

Foi um momento de aprendizado para todos os envolvidos nessa empreitada. Mas, agora, precisamos nos despedir. Cumprimos nossa missão de levar boa literatura, de forma gratuita, aos amantes da palavra. Nenhum dos autores aqui presentes abandonará a escrita - e é bem provável que você ainda ouvirá falar deles em um futuro próximo.

Sou extremamente grato pela confiança e carinho, em mim depositados, pelos colaboradores do TG: Ana Paula Perissé, Denise Fernandes, Nana Yamada, Mayanna Velame e Meriam Lazaro. Nossa relação duradoura sedimentou uma amizade, que permanecerá daqui por diante. Também agradeço postumamente à Oswaldo Antônio Begiato (1953-2020), pelos mesmos motivos. Nosso querido amigo de Jundiaí, no interior de São Paulo, foi um poeta magnífico. Quando ele faleceu, nós continuamos divulgando seu trabalho no Texto de Garagem. Oswaldo é insubstituível e merece a homenagem. E aos autores que passaram pelo site, registro aqui meu agradecimento especial.

O apoio do público - sedento por criatividade e inspiração - serviu para impulsionar nossas publicações. No momento, fechamos essa porta, que conduzirá à novas portas. Muito obrigado a todos aqueles que dedicaram seu tempo para ler, comentar e incentivar nossa escrita. Vamos em frente e que Deus nos abençoe.

domingo, 9 de maio de 2021

Princípio e precipício

Por Oswaldo Antônio Begiato




De onde partiu o golpe que partiu meu coração
partiu também a flecha reta que me faz compor por linhas curvas.
Cansei-me de vaguear por águas turvas.


Dentro de ti aprendi, deusa da fertilidade,
a navegar e a fundear nas bacias floridas de tua alma casta e me fizeste estreme.
Com asas coloridas, por entre tuas flores, aprendi a voar e a fecundar;
a fecundar e a voar, em nome do vento e da multiplicação.


Foi dentro de ti, celeiro de virtudes robustas,
que encontrei, de olhos fechados, a retidão.


E não queiram agora
me apartar de minhas convicções.
Elas me acompanham desde os tempos de borboleta razoável.
(O fim dos princípios é o princípio do fim;
abismo de onde só volta quem tiver asas arco-irisadas).


Quero, pois, viver a beleza imortal do presente, afortunado que sou,
e desatar-me de um passado duramente gravado no anel de compromisso
como obra de arte - natureza morta emoldurada de saudades -
cuja utilidade única é a de ficar exposta no museu do inalterável.


Queria tanto te deixar um presente
em forma de poesia fecunda.


Não a poesia ordinária que ando fazendo,
feita de palavras, de métricas, de rimas, de regras tantas...
Mas uma poesia feita de gestos,
onde o olhar se adentra pela alma afora
perfura as blindagens e desperta o inusitado.


(A expressão de um olhar apaixonado
é mais bela e profunda do que qualquer poesia escrita).


Essa é a poesia que quero te deixar.
O meu olhar belo e profundo,
capaz de conferir asas coloridas
a quem quiser escapulir de abismos.


Mas como ando cego e acanhado
não serei capaz de compor a poesia de meu amor.

sábado, 8 de maio de 2021

Ele desapareceu

Por Meriam Lazaro




O poeta desapareceu
Ninguém sabe para onde
Será que nos esqueceu
Ou fugiu para bem longe?


Dizem que está nas nuvens
Remando um barco de papel
Outros viram suas asas
Em voo veloz pelo céu


Deixou pegadas na Lua
E em Vênus foi buscar
Uma linda flor perfumada
À sua amada vai entregar


Trará um buquê de lilases
Com todo encanto que há
E com sua alma feliz
Sorridente voltará

sexta-feira, 7 de maio de 2021

Por favor, ensina-me a amar!

Por Mayanna Velame




Venha. Anoitece agora. O Sol se despede do Ocidente, para despertar do outro lado do mundo - e queimar os corações vazios. Rezo uma oração quando você se encolhe em meus braços curtos e quentes. Aperto-te forte, para que esqueça das feridas sobre tua pele já cansada.


Então, venha! Não temos muito tempo. Enquanto ele se distrai com o balé das horas, permaneço aqui contigo; nessa luta que é viver. Devemos abraçar tudo aquilo que nos é permitido, como se fosse nossa última e única missão.


Por favor, venha! Agora assistimos ao nascimento das joias de Deus, a despontar no horizonte. Veja o formato delas. Como cintilam e piscam, conforme o ritmo que mais lhes agrada. Por isso, venha! Não há fuso horário, linhas ou meridianos que nos separem. Dos traços imaginários, prometo desenhar uma ponte que sirva de passagem para nossa união: o amor.


Venha, porque, das dores, amorteço a certeza. O amanhã é uma folha em branco, que logo será rabiscada com letras tortas, lineares, ou versos datilografados de um talvez.... Então, venha! Porque a vida, meu amor, é o sopro do vento. A neblina da manhã, a chuva de verão, o sorriso roubado e o beijo sonhado. Venha, porque não podemos desprezar os gestos de amor (e muito menos a Lua, que belisca as pontas do teu telhado).


Venha, segure firme! Você sabe que o tempo é o mestre dos ponteiros. Já o relógio, é apenas seu subordinado. Portanto, venha! Entre o ontem e o amanhã, o agora é um tesouro na mão dos que amam - até nos instantes finais dessa epopeia, que singularmente nos abraça.


Amor, venha! Amanhece agora. O orvalho umedece teu coração fadigado. Daqui a pouco, o Sol surgirá imponente para encorajar homens e mulheres. Ele queimará nossas tristezas e aquecerá nossas alegrias. Venha. E se, algum dia, meteoros caírem sobre nós... Eu e você seremos fragmentos estrelares, a divagar pelo universo.

quinta-feira, 6 de maio de 2021

Texto de Garagem

Por Nana Yamada




Nessa garagem eu encontrei as mais belas poesias
Junção de criadores, palavras, sentimentos
Um lugar que, por anos, encheu o coração de muitos
Uma garagem construída por sentimentos em forma de textos
Uma década a registrar as mais belas palavras
Quão honrada me sinto em ter feito parte dessa década


Nessa garagem eu me realizei, vi meu sonho acontecer acordada
Aquele compromisso saudável para alma e coração
Todos esses anos sendo sempre impecável
Texto de Garagem, muito obrigada por todos esses anos
Realmente foi e é a garagem mais interessante que cheguei a conhecer
E aqui deixarei um pedaço dos meus sentimentos


Nessa garagem... Ah, quanta coisa!
Tantos momentos vividos
Tantos sentimentos gastos
Tantos rascunhos que nunca saíram do papel
Tantas poesias que ainda serão criadas


Oh, querida garagem, eu estarei sempre à tua espera
À espera do dia que voltarás a me convidar para este paraíso
Texto de Garagem, que sempre será a minha garagem favorita!

quarta-feira, 5 de maio de 2021

THE END no final

Por Fabio Ramos




quando o filme acaba


as pessoas
vão
embora:


ninguém mora na sala
DE CINEMA


ninguém
mora no
projetor


(...)


quando a peça acaba


as
pessoas
DÃO O FORA:


ninguém mora no palco
do teatro


ninguém
mora no
camarim


(...)


quando as páginas acabam


o leitor
não
evapora:


ninguém mora na estante
DO QUARTO


ninguém
mora no
marcador


(...)


muito provavelmente


o sujeito
que


(o sujeito)


que
assiste


e o sujeito que lê


sejam a
mesma


(pessoa em dias diferentes)


independente
de quem
esteja


ou
não


do fato ciente

terça-feira, 4 de maio de 2021

Fim

Por Denise Fernandes




fim da linha

onde se aninha

toda a ladainha

sei que não é minha

a escolha é sozinha

como sal na cozinha

segunda-feira, 3 de maio de 2021

Viver sem poesia [pop]

Por Ana Paula Perissé




Viver sem poesia
é funeral à espreita
é dor maior do que a chama
da intensidade
que me arde
por inteira.


Viver com poesia
é achar 1´sentido
ao movimento das nuvens
é desmanchar loucura
que me aprisiona,
deliciosamente,
por inteira.


Viver sem poesia
é matar paixões
com normopatia
é aniquilar meu não saber,
que me inquieta
num sonho
por inteira.


Se sou
sou porque sofro
ao pensar
nas letras a dançar
sem rumo
que ainda estão
a serem escritas.


se sou
sou porque sou ardente
nonsense
assim
por inteira.

domingo, 2 de maio de 2021

Poema rico

Por Oswaldo Antônio Begiato




Gostaria que abundantes me fossem
as palavras.
Mas elas me fogem
se fazem magras,
raquíticas,
e parcas.
(Me deixam mudo
diante desta mulher).


Gostaria que intensos me fossem
os diamantes.
Mas tenho apenas uns cristais
que se quebram quando meu olhar
os toca sem sentido.
(Me deixam pobre
diante desta mulher).


Mas tenho dentro de mim um coração,
que mesmo mudo,
bate enlouquecido
e como uma ostra vaidosa,
cria com o seu bater doído
a pérola mais linda
que já se viu.
(Me deixa como joia rara
diante desta mulher).


Me deixa como poeta
diante desta mulher.

sábado, 1 de maio de 2021

Tão sem destino

Por Meriam Lazaro




Navega, navega a maresia
em memórias de dunas macias
Enxuga esse pranto…


Encapela, encapela a agonia
em saudades nas horas tão frias
Abarca esse cântico…


Peregrina, peregrina e vazia
em solitária caravana que desafia
Segue o caminho…


Escreva, escreva a poesia
em escalada de sombra ou luzidia
Tão sem destino…


Sossega, sossega esta porfia
em tua evolução o Mistério confia
Como aqui veio…

sexta-feira, 30 de abril de 2021

Um dinossauro chamado Monterroso

Por Mayanna Velame




E quando despertou,
mesmo depois de séculos,
o dinossauro percebeu:
o homem pré-histórico
ainda estava lá.

quinta-feira, 29 de abril de 2021

Você e mais ninguém

Por Nana Yamada




todas as vezes que estou assim
todas as vezes que me encontro assim
você é o único que me atura
é o único que percebe
é o único que compreende
é o único a palpitar
é o único a torcer
é o único que está aqui
nessas horas
como naquelas horas
sempre me dando essa liberdade
de ser quem sou
do bem que me fez todas as vezes
como da primeira vez
como todos os dias…

quarta-feira, 28 de abril de 2021

Vento mensageiro

Por Fabio Ramos




QUE CHEGUE


até
você


(aonde estiver)


esse
vento:


que vire as páginas


do
livro


(e devagarinho)


venha
lhe


beijar


os
lábios


(...)


À JANELA DE ONDE


você
estiver


(com o brilho)


das
estrelas


haverá a luz da lua:


que
ilumina


por aí e também


mais
acolá


(precisamente aonde)


ele
está


unido ao vento


que
vai


lhe encontrar

terça-feira, 27 de abril de 2021

Finda

Por Denise Fernandes




Então, tudo finda. Finda o blog, finda o casamento, finda o sexo. O que parecia interminável, termina. E eu aqui, olhando uma cadelinha que não tem nem dois meses. Meu Deus, que graça! Mas também tem graça na vira-lata, cheia de catarata, deitada no quintal, no seu sono de velhinha.

Talvez o blog termine como uma nuvem que se desfaz em chuva. Como tantos relacionamentos que, se eram paixão, eram menos amor. Só sei que sempre fui cega: não dos olhos, não da vida, mas neguei a ferida. Fui sempre mais advérbio do que verbo. Medito de olhos abertos, vendo a bagunça da minha casa, sem nenhuma vontade de arrumar. Talvez eu esteja zen, sim, sem disciplina nenhuma. Hoje minha reza é em silêncio. Meu mal não é de amor, e eu não sinto falta de abraço. A caneta, o papel, a voz de quem eu amo me basta.

Lembro que meu filho chorou quando pegou o primeiro peixe na vida. O peixe brilhante, pleno de vida, brilhando na manhã. E seus olhinhos de criança cheios de lágrimas doces, seus lábios de criança bem vermelhos.

Nas minhas memórias, os dez anos do blog passaram num segundo. Levei mais tempo para nascer, um útero apertado, sombras e luzes do meu Brasil. Quem sabe o blog é como uma folha de papel, que pode amarelar com o tempo. E dentro da porta imaginária que se fecha, a Via Láctea aguarda quieta, infinita, melancólica e em êxtase.

segunda-feira, 26 de abril de 2021

ardência

Por Ana Paula Perissé




há uma imagem que sobrevive
vívida
a coisa de muito estremecer


há linguagem solta
esvoaçante
que esmaga metáforas de não pairar


há 1´mundo
que me desconhece
a cada olhar que tenho
de ti


(arde na planta do rosto)

domingo, 25 de abril de 2021

Penitente inamável

Por Oswaldo Antônio Begiato




Onde há cruz, não há manto.
Onde há manto, lança-se a sorte;
Pois o manto não se divide
(Ele é peça única, sem costura
e a ele dono único será dado).


Não padeço de males pequenos.
Meus males vão além do túmulo.
Vão além da esperança. Além do material.


Aqui jaz o corpo novo de uma alma velha.
Nunca amada, nunca amou
(Assim quero escrito, com letra de forma,
na minha pedra tumular).


Pois assim foi minha vida.
Que seja assim, também, minha eternidade.

sábado, 24 de abril de 2021

O anjo do futuro

Por Meriam Lazaro




O Anjo me saudou
Com piscada de passarinho
Deu-me um beijo e sarou
Todo o meu desalinho


O Anjo tinha asas da cor
Dos mistérios de outrora
Desafiando a gravidade
Evaporou e foi embora


O Anjo deu-me a chave
De onde perdeu seu coração
Mas pediu que a guardasse
Por conta de uma paixão


O Anjo vive no futuro
E eu aqui com saudade
De um amor que procuro
Por toda eternidade

sexta-feira, 23 de abril de 2021

Paquetá

Por Mayanna Velame




Resolvi poemar lá
em Paquetá.
Assistir ao declínio
do sol e versejar
a Guanabara.


A barca que te traz,
não mais te levará.
Agora, ficarás na minha,
a repousar, na pedra
da Moreninha.

quinta-feira, 22 de abril de 2021

Minúcias

Por Nana Yamada




Eu já estou tão acostumada com esse seu jeito
Esse seu jeito de analisar os detalhes
Detalhes que poucos conseguiram observar
Observar cada gesto com atenção
Atenção que só você sabe dar
Dar como nunca recebi antes
Antes de você, tudo era tão diferente
Diferente de tudo que aconteceu
Aconteceu você em minha vida

quarta-feira, 21 de abril de 2021

Antever

Por Fabio Ramos




nas
manhãs


do amanhã um


BOM
DIA


com sabor


de
hortelã


AO ESPREGUIÇAR


em
Amã


ou Teerã


(...)


na
parte


DA TARDE


vem
uma


SAUDADE


por
não


estar com


seu
amor
metade


(...)


no seio da noite


junto
aos


seios


da
mulher


se rende à visão


de
linhas


no horizonte:


até
você
derreter


com
a luz


do amanhecer

terça-feira, 20 de abril de 2021

Querido emoji

Por Denise Fernandes




Bendita invenção é o emoji. Talvez seja a pandemia que nos deixa mais carentes e sensíveis. Tenho achado demais as tais figuras. Algumas não mando porque não sei o que significam. Aquela carinha verde, é verde de raiva ou vontade de vomitar? Para quem perguntar o que significa um emoji? Medo dos mais novos, entendidos, me acharem mais idiota ainda!

Gosto de mandar coração verde, cismei com eles. Talvez seja por causa de um dos melhores livros que já li: "O menino do dedo verde", de Maurice Druon. Verde pode ser a cor da transformação mais sutil que esperamos (ou que podemos fazer). Cada jardim, cada pequeno vaso representa a possibilidade de sermos beleza, em sua forma mais delicada.

Acho ótimos os animais. Pena que não aparece oportunidade de mandar uma baleia, uma oncinha. Me dê motivo!

Ao invés de obrigada, mãozinhas em forma de gratidão. Só não gosto quando me mandam aquela carinha chorando - bem pior do que a pessoa chorando, de fato, na sua frente. Uma sensação de impotência diante do desenho triste.

Agora, melhor que os emojis são essas figurinhas que se pode mandar por Whatsapp. Tenho um beija-flor lindo, uma borboleta, uma menina dançando, um menino arrasando na dança.

Enquanto sonhamos em viajar para a praia, juntas, outra vez, minha filha me manda a figurinha de uma menina tomando caldo. Muito divertida. Lembra muito eu mesma. Quase toda vez que vou à praia, tomo um caldo. Biquini cheio de areia, cabelo enlouquecido. Acho que eu e a garota de Ipanema não temos nada em comum. Mas quando fui à Ipanema, fui muito feliz. Tomei um caldo. Mesmo assim, deu tudo certo. Sim, muitos anos antes do covid.