domingo, 21 de dezembro de 2014

sábado, 20 de dezembro de 2014

Que vergonha

Por Meriam Lazaro
 
 
 
 
Ter ou não ter vergonha na cara era tido como símbolo de bom ou de mau caráter no tempo de minha meninice. Tudo levado a sério, algumas vezes resultando em suicídio, pena máxima auto imposta por quem, abusando do poder, fraudava instituições. Naturalmente, esta vergonha exacerbada não é coisa destas bandas do Atlântico, que pacificamente vivia de esperança e agora de solidariedade. Solidariedade já foi minha palavra preferida, assim como esperança. Embora veja alguma diferença entre elas, creio que têm pontos em comum. Porém a bola da vez é a vergonha. Apesar do dicionário, sempre desconfiei que havia uma distinção entre vergonha e culpa. A culpa parece ser vinculada pontualmente a uma ação ou omissão praticada pela gente. Talvez esta noção seja contaminada pelo conceito de culpa e culpabilidade do Direito aprendido na Faculdade. A vergonha, muito mais moral, sentimos por ação ou omissão de outros. É mais geral. Na verdade, há pessoas que pensam melhor quando estão sozinhas falando em voz alta. Outras, quando participam de conversas animadas. Penso melhor com palavras escritas. Aqui construindo uma explicação tardia para a vergonha nacional. Falo da vergonha alemã, que observo há muito tempo lidar com o mais sangrento marco da História. Lá pelos meus 19 anos de idade participei de um grupo de trabalho voluntário, de prestação de serviços de saúde à comunidade, com foco em oftalmologia e ortopedia, custeado por uma entidade alemã. Era muito dinheiro recebido e igual quantidade de dinheiro desviado. De qualquer modo, se mostrava algum serviço à patrocinadora. País do tamanho de um Estado nosso, o que mostra que recursos naturais não faz diferença econômica em mãos dementes. Da Alemanha também saíram grandes gênios da filosofia, da música e até o mais conhecido gênio da humanidade, Einstein. Será que se cansaram de ser inteligentes e desejaram, de uma hora para outra, ser reconhecidos como homens de arena? Pelo contrário, investiram na manutenção de seus jovens atletas no mercado interno. Mostraram que tudo pode ser objeto de estudo. Aquilo que já sabíamos: talento é um pequeno percentual de qualquer arte ou ofício. Eis que agora se encontraram frente a frente. Um povo envergonhado de parte de seu passado, que por isso se esforça para ser melhor e gosta de oferecer ajuda a quem precisa, assim oferecendo donativos a Bahia, ao Rio Grande do Sul. No outro lado do oceano, um povo que se acha muito esperto ao trocar voto por vã esperança. Continuo com a prática da solidariedade e a achar este o mais nobre sentimento humano, sim! Agora, pensando em voz grifada, sinto vergonha desse poço sem fundo onde se atiram moedas paliativas e o povo pedinte sorri encabulado sem forças para cobrar soluções definitivas e perfeitamente possíveis.


sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Sentados à mesa

Por Mayanna Velame
 
 


Definitivamente, acho sagrado o momento de qualquer refeição. É por isso que gosto da hora do almoço nos dias de domingo. Porque toda a família tem a oportunidade de reunir-se e sentar-se à mesa – desprovida de qualquer preocupação que a semana trouxe.
 
Até mesmo um lanche rápido, com alguns amigos num shopping, não deixa de ser um evento singular. Visto que oferecemos alguns minutos da nossa atenção e companheirismo.
 
Penso também que estar à mesa nos remete a algo extremamente social já que, muitas das vezes, precisamos ter uma dose de etiqueta e bom comportamento.
 
Temos a chance de colocar as conversas em dia, discutir os mais variados assuntos, falar do mundo e dos fatos mais importantes e banais.
 
O ato de sentar-se à mesa é especial. Não apenas pelo motivo de termos o que comer e beber. Mas pela circunstância de termos, ao nosso redor, as pessoas que convivemos e amamos. É uma ocasião que simboliza união e celebração.
 
Talvez seja essa a causa que sempre me fez refletir sobre a passagem bíblica que relata a Santa Ceia de Cristo (episódio maior do Cristianismo). O Filho de Deus jamais poderia deixar de compartilhar sua última refeição com os doze apóstolos; homens comuns que acompanharam dia a dia seus passos aqui na Terra.
 
Cristo poderia se isolar de tudo e de todos, antes da sua morte e ressurreição. No entanto, Ele fez questão de socializar, ao redor de uma mesa, os acontecimentos que muito em breve iriam suceder. Proferiu sobre o futuro traidor, desencadeando uma série de contendas entre seus discípulos. E, por fim, fez referência ao pão e ao vinho – em memória de seu nome.
 
É, leitor, quando estamos sentados à mesa, muitos eventos podem acontecer: pedidos de casamento são feitos, negócios são realizados, taças são erguidas no ar, confissões são ouvidas, olhares se encontram e crônicas podem ser escritas.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

O meu canto para escrever

Por Amilcar Neves*

 
Não é que eu cante para poder escrever, ou para melhor escrever, nada disso. Mesmo porque, se dependesse dos meus dotes desenvolvidos nas aulas de Canto Orfeônico, no ginásio, eu jamais conseguiria enfileirar três palavras que fizessem algum nexo, que tivessem alguma lógica, que construíssem algum sentido.
 
Não é, também, que o meu texto seja assim melhor do que a minha desafinação orfeônica. A qual é crônica e incurável. Daí, talvez, o meu apreço incurável pela crônica em geral. Mas, confesso, o que prefiro mesmo é ler a crônica dos outros, escrita por escritores de verdade. Ainda mais porque, reconfesso, essas que eu faço leio-as exaustivamente até dá-las por findas. Ou até dar-me a mim por exausto, o que ocorrer primeiro. Depois não mais ponho os olhos sobre elas, a menos quando um ou outro leitor - e isto é raríssimo acontecer - resolve me confortar (a troco de nada, nada tenho para dar de troco além de palavras) dizendo que gostou demais dessa ou daquela crônica, o que me força a ir atrás dela, meio desconfiado, para tentar descobrir o que poderia tê-lo ou tê-la seduzido. Nesses casos ímpares, leio uma crônica impressa de minha autoria. E somente em tais casos.
 
Nada disso, entretanto, me exime de escrevê-las, às crônicas. E, para tarefa de tamanho esforço, concentração e dedicação, conto com o segredo do meu canto, um local sossegado, tranquilo e retirado, quando o estabeleci como tal.
 
Trata-se do meu escritório doméstico na casa térrea que um dia consegui comprar num loteamento rural que foi a chácara dos padres do Colégio Catarinense e que ficou emperrado por uns tempos, questão de dois ou três anos, por conta de entraves burocráticos associados ao desenho das ruas que não casava com o limite dos lotes.
 
Mas aí eu já estava instalado e tudo, com um amplo janelão à minha frente dando-me a visão dos campos em volta, o odor das vacas pastando e o eco das assombrações que, diziam os nativos do lugar, por ali abundavam. Eis o local aprazível, ideal para trabalhar, cogitei eu lá comigo: o meu canto para escrever!
 
Isso foi já faz um tempo. É claro que, se eu cheguei aqui, muitos também lograram semelhante façanha. E a fazendola foi-se povoando à custa da expulsão gradativa dos lobisomens, bruxas e boitatás, com casas (por enquanto apenas casas) por todos os lados. Mas eu persisti, mantive a minha trincheira, o meu canto de guerra (pois escrever é uma batalha sem fim).
 
Hoje, tenho os feriados e finais de semana como períodos mais propícios à atividade. O janelão da frente muitas vezes precisa ser fechado porque as pessoas que passam pela calçada são loucas para conversar com quem está sem fazer nada (pois escrever é fazer nada). Mas então, nos feriados e finais de semana, os vizinhos resolvem cortar a grama com máquinas barulhentas ou varrer as calçadas, limpar os muros e polir os portões de aço com potentes máquinas de pressão de água. Ao terminar a minuciosa tarefa semanal, por três minutos e meio a paz desce à terra e inunda de felicidade o coração dos homens de boa vontade. Três minutos e meio é o tempo que um cidadão leva para ir ao banheiro, beber um copo d'água e trazer para a rua o carro da família. Ato contínuo, começa a lavá-lo. Com sua potente máquina. Bem na cara do meu janelão.
 
Não é brincadeira não, mas sabem onde melhor consigo escrever nos dias de hoje? Com mais calma, tranquilidade e paz de espírito? Nas arquibancadas da Ressacada, enquanto o jogo não começa. Palavra de honra.

*Crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 31.08.11

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Indagações

Por Fabio Ramos
 
 

 
daltônico
dirige
?
 

a
rosa
é cor de
rosa
?
 

por que
o céu
é
azul
?
 

por que
as
nuvens
encobrem
o sol
?
 

galinha
pode voar
?
 

cabeça
de
bacalhau
existe
?
 

como
será
no outro
lado ?
 

o ovo
e a
galinha
de
novo
?
 

(...)
 

QUEIJO

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Mistério

Por Denise Fernandes




Quanto mais invento
 
mais desvendo os mistérios do meu ser.
 
essa dentadura
 
essa solidão
 
o sangue quente dentro do seu caminho,
 
até espinhos,
 
reinventados.
 
Observo a matéria profunda e ela se move.
 
a avenida comprida,
 
o porquê da história;
 
a morbidez, amor,
 
pode ser um rápido aviso
 
(esse momento foi muito árduo
 
para ficar em branco);
 
o mistério era essa sufocante reedição de mim.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

ave!

Por Ana Paula Perissé
 
 


                                     a um dédalo de mim é córrego
                                     a um fogo de nós está 1´pássaro
                                     sonho em fazer-me céu
                                     sem horizonte:
                                     róseo como a aurora lunar
                                     (atrás de cheiro de mato)



                                     a um cântico de ti
                                     há 1`viajante
                                     cuja mala roubei para estrelas



                                     ( perde-se muito
                                     ao escrever
                                     diante do nada)



                                     Ave!


                                     estrelecer com fuga de lua.
 

domingo, 14 de dezembro de 2014

sábado, 13 de dezembro de 2014

Abrindo falência

Por Meriam Lazaro
 
 


Há palavras que não gostaríamos nem de ouvir, que dirá testemunhar o verbo em ação! Assim é com: fracasso, perda, falência. Mas nem por isto seus fantasmas deixam de apontar os dedos de ossos finos em direção a nós. Quem vende histórias de fracasso? Imagine, numa prateleira de autoajuda o livro: A arte de ser um bom fracassado. Ou o luminoso na esquina: Boteco do Fracasso (este iria “bombar”, pois pinguço gosta de novidade). Ainda, sermos atendidos 15 minutos após a discagem e ao invés do irritante trio gerúndio: vou estar lhe transferindo..., ouvir da mocinha da operadora de comunicação: vou estar lhe fazendo perder um tempinho. Fracassar, perder ou falir nada mais é que parte da experiência da tentativa. Nada mais é que errar. Somos humanos, mas temos um grave problema de rejeição com o erro. No âmbito político, nem se fala! Ninguém nunca erra. Quando muito, não sabiam... Claro que há quem se profissionalize na coisa. Tem mais! A falência é legal. Da pessoa natural, pela falência de órgãos passamos desta para outra que, a não ser que Roque Santeiro venha nos dizer, não saberemos se é para melhor. De minha parte, sou tolerante à ignorância e não pretendo saber tão cedo. Nem sempre legal significa bacana. Nos currículos atuais há programa de curso para ensinar a moçada a abrir e gerir uma pequena empresa, de modo a pelo menos obter o retorno do dinheiro empregado no final de dois ou três anos. Ainda que o empreendedor não saia com lucro, se funcionar o projeto ensinado na faculdade, levará para outro ponto a marca ou nome da empresa e a experiência. Pois bem, sabe a Lei nº 11.101, de 2005, Lei de Falências? Não tem nada a ver com o texto, mas bem que eu poderia encher de osso por aqui só para não escolherem mais temas como este.
 

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Eternas ilusões

Por Mayanna Velame
 
 

 
Quando éramos crianças, as festas natalinas tinham um gosto especial. Elas iam muito além do sabor de peru e de qualquer outra iguaria típica do período.
 
 
Eram interessantes as expectativas que carregávamos. Vestíamos a melhor roupa, fazíamos o melhor penteado, chamávamos os vizinhos e nos tornávamos crianças obedientes. Estudávamos com afinco, com o intuito de sermos logo aprovados no colégio. Queríamos ficar livres das recuperações e das pendências escolares.
 
 
Naquela época amistosa, ao soar do relógio (à meia-noite), ceávamos. Em seguida, dormíamos embriagados pelos sonhos. Na ansiedade de encontrar nosso presente de Natal ao lado da cama.
 
 
Tempos depois, crescemos e nos transformamos em adultos – muitas das vezes, complexados e frustrados. A esperança de criança diluiu. Descobrimos, então, que Papai Noel não existe. Ele é apenas mais uma criação do capitalismo. “As cobranças da vida” até que nos amadurecem. As infantilidades se evadem e seguimos como seres racionais.
 
 
Antes, nossas preocupações resumiam-se em saber qual brinquedo pedir para o bom velhinho. Mas, agora, estamos limitados ao tempo, subordinados ao dinheiro e condicionados à nossa rotina.
 
 
Não existe Papai Noel mas, de certo modo, quando perdemos a ilusão de vida, deixamos para trás nossos sonhos, desejos e perseveranças.
 
 
Papai Noel não fabrica brinquedos durante o ano todo; para depois visitar cada casa desse planeta. No entanto, podemos construir nossa vida (e não fabricar sonhos) com uma pitadinha a mais de fantasia. Porque, caso contrário, nossa existência estará de saco cheio de viver.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Paisagens partidas

Por Amilcar Neves*

 

Tinha a cidade aos pés desde a noite anterior, uma cidade sobre rodas motorizadas (não se via uma bicicleta sequer, somente rodas ou os pés da gente que anda a pé). Ao fundo, barcos: lanchas, veleiros e um iate fundeados no Iate Clube Veleiros da Ilha, uma ou outra lancha pequena passando preguiçosa a longos intervalos no mar cinzento, reflexo de um céu forrado de nuvens escuras e varrido por um nordeste que mexia o ar mais do que esquentava, um clima ótimo para deixar toda arrepiada na beira da praia uma mulher de biquíni.


Apesar do ângulo aberto contado a partir do morro, nas encostas do Menino Deus, não via tudo o que havia: o prédio ao lado obstruía-lhe a visão das pontes e suas circunvizinhanças. Espiar a Hercílio Luz, então, só na imaginação: como o fazem há tempos aqueles que um dia a conheceram como ponte que suporta o trânsito cotidiano da cidade e como o farão, daqui a pouco, aqueles que chegaram a conhecê-la como monumento em acelerada decrepitude por obra da omissão de vários governantes, cujos nomes deverão ser gravados a fogo num monumento que se erguerá no lugar da estrutura metálica pênsil, e por desobra de muito dinheiro que, endereçado à HL, nunca chegou ao destino, como se a ponte já não houvesse mais e, portanto, nada nem ninguém pudesse chegar ao destino, sequer o dinheiro destinado a salvá-la (quando, antes, bastava mantê-la).


Diz o Houaiss que, em Estatística, dá-se à "falta de atividade, de trabalho; inércia, inatividade" o nome de desobra. Estatisticamente a Ponte cairá um dia, e nossos governos têm trabalhado arduamente para antecipar o quanto possam tal data fatal. Esquecem que, quando a queda da Ponte acontecer, ela deixará de lhes ser um valioso pretexto para, digamos assim, canalizar verbas e recursos outros.


À esquerda, o que resta de Mata Atlântica ao redor da subida do Senhor dos Passos bloqueia a visão das bocas Oeste do túnel duplo que liga a Prainha ao Saco dos Limões, desprezando o José Mendes à sua direita, para quem vai do Centro para o Sul da Ilha, para satisfação e tranquilidade do Júlio de Queiroz, que mora de frente para o mar sem o barulho contínuo e irritante de cidade em seu portão. Alguém teve a inspiração de dar ao caminho pelas entranhas do Mocotó o nome de Antonieta de Barros, uma mulher bem negra que foi professora respeitadíssima (quando se respeitavam os professores, para não dizer mais) por seu trabalho no magistério durante a primeira metade do século passado, mas o corporativismo da Assembleia Legislativa resolveu puxar um pouco a si a homenagem, batizando o túnel como Deputada Antonieta de Barros - ainda que ela tenha sido eleita a primeira deputada de Santa Catarina, sua obra mais significativa foi a de professora.


Restaria o mar à frente, com a Baía Sul toda desdobrada aos olhos - desde que o Fórum e o Tribunal de Justiça, de alturas excessivas, não fragmentassem de novo a paisagem, ladeados por construções mais humildes que afastam o mar de quem está em terra, a pé ou mesmo motorizado: uma passarela do samba, de costas para o mar, que não para de crescer cada vez mais feia, tendo já atropelado o local em que um papa rezou missa, e uma imensa caixa de sapatos toda fechada, de tampa verde, a que se dá o nome de centro de convenções ou algo similar. Na borda do mar desenhada já por aterros, construções desnecessárias para o local bloqueiam a simples visão do mar; em paralelo a elas, pistas de alta velocidade bloqueiam o mero acesso ao mar.

*Crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 23.11.11

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Ausência

Por Fabio Ramos
 
 
Imagem: Michelle Wilson


faca
sem corte
 

rua
sem saída
 

viagem
sem
destino
 

cheque sem
fundo
 

penetra
sem
convite
 

carro
sem freio
 

árvore sem raiz
 

rebanho
sem
pasto
 

homem
sem
disposição
 

uma
vida
sem propósito 


segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

a-verbal

Por Ana Paula Perissé
 
 


                                           foi como se uma flor
                                           houvesse me entrado
                                           com todo seu espinho
                                           a deslizar-me
                                           o corpo arredio
                                           de tantas névoas
                                           que já se foram



                                           o inominável
                                           veste-se de vísceras
                                           à sombra
                                           de qualquer pensamento



                                           fuga de palavras
                                           fuga de gemidos



                                           o gutural inexpressivo
                                           de ser
                                           1´vida com sentidos.

 

domingo, 7 de dezembro de 2014

Descuido

Por Oswaldo Antonio Begiato
 
 
Imagem: Kadir Yilmaz

 
Só no canto a aranha;
A teia armadilha e cúmplice.
Mosca perde o voo.

sábado, 6 de dezembro de 2014

Pingo nos “is”

Por Meriam Lazaro
 
 


Amanheci com vontade de por o pingo no “i” da internet. Na verdade, não um pingo, mas um ponto moderador ou final por puro deboche. O bom é que a internet se presta para isso, pois ali nos abrigamos em entretenimento e também chutamos o pau-da-barraca, à semelhança dos bichos que depois de comer viram o tacho. Pessoas que mais postam besteira são as que mais reclamam de quem posta besteira. Outros, em eterno monólogo, reclamam pelo tempo perdido (ou encontrado) na rede mundial de computadores. Há quem esteja quase frequentando o CLIC - Centro para Loucos Internautas Curtidores. Curta essa: o centro é virtual e funciona 24 horas por dia mediante único “clic”. Desgosta-me profundamente os convites impositivos para compartilhamento no Facebook. À semelhança das antigas correntes do anjo do dinheiro ou do sexo, cuja consequência para quem não infestasse a caixa postal de “i” pessoas da sua lista de endereços era morrer duro (ou mole), agora o sujeito não utiliza mais “estou apenas repassando”, mas seu apelo deixa o amigo numa sinuca-de-bico. “Se você ama carrapato, compartilhe esta coceira”. E quem é que não ama carrapato!? Alguém me dirá que por um ponto final na internet me fará perder todos os amigos de vez. Pelo contrário, só assim deixarei de ver os “is” de idiotice e manterei os amigos no coração, enquanto faço uma boa caminhada ou me misturo à excêntrica lista dos adoráveis leitores-que-não-querem-ser-escritores.
 

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Babiki

Por Mayanna Velame
 
 
 
 
A multidão está me esperando. Sei que todos os assentos do principal teatro da cidade foram ocupados. Do camarim, escuto vozes longínquas e abafadas clamando pelo meu nome: “Babiki, Babiki, Babiki”. Sim, Babiki sou eu! O mágico mais famoso e consagrado de todos os tempos. Meu prestígio está disseminado aonde quer que eu vá. Até Nobert, meu coelho companheiro, sente-se enobrecido. A glória e o sucesso contaminam seu coração. Confesso que nem me importo com isso, até porque ganho a vida iludindo as pessoas – mesmo sabendo que a vida, em si, já é uma ilusão.


Mas, hoje, preciso me superar. Estou farto de realizar meus truques e apresentar os mesmos espetáculos. Quero (e preciso) de algo inesquecível. Afinal, sou Babiki, o mágico...


Nobert me oferece um gole de conhaque. Aceito a bebida. Logo sinto um fervor no estômago. Os cabelos negros da nuca permanecem arrepiados e minha fronte, pouco a pouco, torna-se úmida. Com as pupilas dilatadas, vejo, no espelho, a barba cerrada que reluz. Nos minutos seguintes, visto as luvas. Fico admirado como elas se encaixam perfeitamente em minhas mãos. A varinha mágica voa ao meu encontro. Eu apanho-a. Contudo, Nobert me diz que não preciso dela. O poder está em mim. E, realmente, sinto-me muito mais poderoso do que antes...


“Babiki, Babiki, Babiki”.


O espetáculo inicia. Meus números tradicionais são exibidos. Começo a ser visitado pelo tédio. Preciso fazer algo diferente, algo inesquecível. Até que, de repente, noto um casal na primeira fileira. A moça é linda. Em uma das mãos, segura um saquinho de pipocas. Seus olhos são verdes, como esmeraldas, e os cabelos são como a escuridão da noite. Ela sorri para mim. Permaneço encantado. Vejo mágica no seu olhar. Desconcentro-me. Nobert morde a ponta do meu dedo anelar esquerdo. Num instante, sangro, mas penso que o verdadeiro espetáculo ainda vai começar.


“Babiki, Babiki, Babiki”.


Chamo Nobert e o coloco sobre uma pequena mesa. Com um pano preto, que retiro do bolso interno do paletó, eu cubro seu corpo. Elevo minhas mãos, exibindo-as vazias para o público. Segundos depois, exaltadamente, grito: “ALABUKI, ALABUAKI...”. Nobert, o coelho imprestável, se transforma numa serpente com asas – que voa pelos quatro cantos do teatro. A criatura vai embora, fugindo pela porta central.


Inspiro fundo. Nobert já não precisa de mim. O show continua. Excitado, fito minha musa. A seu lado, todavia, um rapaz alto e sério fuma um charuto. Aproximo-me deles. Deslizo os dedos entre as mechas sedosas da minha amada. Tímida, ela recua a cabeça (na tentativa de me evitar). Porém, eu não desisto... Tomo suas mãos. O saquinho de pipocas ainda pela metade. Mais uma vez, grito: “ALABUKI, ALABUAKI”. Numa fração de segundos, as pipocas do saquinho foram substituídas por diamantes. A multidão delira... Um escarcéu se apodera do teatro. Todos querem ficar ricos.


Aproveito o ensejo e agarro a musa. Sinto seu coração pulsar ligeiro. Não hesito: no meio dos gritos, e dos passos desnorteados das pessoas, registro minha façanha. Beijo ardentemente os lábios da donzela. Incrível como ela se entrega. Sua carne enfraquece. Parece envolvida com o toque avassalador de nossas línguas. De repente, seu homem reage. Com fúria semelhante à de um touro bravo, ele nos separa – e, sem forças, tenta me nocautear. Eu o empurro de volta à cadeira. Pisando em seus sapatos, muito bem lustrados, puxo de sua boca o charuto cubano e grito:


“ALABUKI, ALABUAKI”.


O charuto converte-se num punhal de lâmina afiada. Lanço a arma mortal em direção à garganta de meu inimigo. Esguichos de sangue por todos os lados. Enquanto ele agoniza, nos últimos minutos de vida, eu, Babiki, abraçado com minha musa, beijo-a mais uma vez. Envolvidos em minha capa preta, nós desaparecemos (com um simples estalar de dedos).