Por Denise Fernandes
Quando L. tinha 7 anos, perguntou: a gente deve rezar pai nosso ou uma
oração que a gente fala direto com Deus? Puxa, meu filho, não sei muito bem mas,
na dúvida, como Deus é importante, é melhor rezar das duas formas. Eu rezo das
duas. L. silenciou e eu fiquei com aquela sensação que me fez nunca mais
esquecer esse momento. Nós tocamos no mistério quando falamos de Deus, mas faltou
falar da deusa. A Deusa que é Ave-Maria, mas que também é nada: é mar, suporte,
a força e a magia do mundo.
A Deusa não nos deixa
dormir e, muitas vezes, nos sacode. Alma que chora, que grita, alma que
acalmamos (com desespero) o próprio espaço de nossos desejos; onde cavalgamos
sem saber ao certo onde vamos. A Deusa também nos pede oração. A ela suplicamos
como se colocássemos o mundo em nossas mãos – como se fosse nossa a imensa
responsabilidade de salvar a humanidade. A Deusa é a Luz em nós, e quando se
diz Alá, a deusa está no “a”.
Quando se tem seca, quando falta
bondade no ar, é a própria Deusa quem seca a terra, que se enfurece com a
humanidade. A Deusa é a Terra e seus prazeres. A deusa é o pão que o próprio
Deus come. A deusa é saudade e o sofrimento da saudade. A Deusa é música.
A deusa é delicadeza, é
vontade de carregar a criança no colo, a Deusa é abraço. É sem começo porque
começar seria partir. A Deusa é tudo que sempre fica e sempre ficou. É o eterno
do Eterno, porque haveria um lugar sem começo e sem fim, raiz e fruto ao mesmo
tempo.
A deusa existe em mim na forma de vida e atravessa o
abismo que antes havia entre eu e você.
Foi a Deusa
quem criou o Sonho e o próprio Deus maior que ela. A deusa é a estrada, a
agonia que liberta. É a deusa que nos inspira quando choramos uma lágrima
única, e essa lágrima liberta.
Quando você me pede coisas
impossíveis e eu digo sim, quando caminho sem direção até me acalmar, quando o
vento faz barulho, quando sou invadida por sentimentos estranhos, é sempre a
Deusa.
Quando aguardo outro verão,
quando o trovão soa sacudindo o céu, em todos esses momentos é a deusa que
respira.
A Deusa é oração, mas
também não é. A deusa é quando a gente está tão ocupado que se esquece de rezar
e acorda e levanta e continua esquecendo. E quando a gente lembra, sabe que foi
a Deusa com sua mão que criou esse esquecimento. Também é a deusa que nos faz,
muitas vezes, esquecer o tempo e nossas dores.
Nos momentos em que, adulta,
me sinto como criança, é a deusa que beija minha testa, e eu sinto o silêncio
do mundo. E o silêncio do mundo é a Deusa.
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