terça-feira, 2 de dezembro de 2014

A Deusa

Por Denise Fernandes




Quando L. tinha 7 anos, perguntou: a gente deve rezar pai nosso ou uma oração que a gente fala direto com Deus? Puxa, meu filho, não sei muito bem mas, na dúvida, como Deus é importante, é melhor rezar das duas formas. Eu rezo das duas. L. silenciou e eu fiquei com aquela sensação que me fez nunca mais esquecer esse momento. Nós tocamos no mistério quando falamos de Deus, mas faltou falar da deusa. A Deusa que é Ave-Maria, mas que também é nada: é mar, suporte, a força e a magia do mundo.

A Deusa não nos deixa dormir e, muitas vezes, nos sacode. Alma que chora, que grita, alma que acalmamos (com desespero) o próprio espaço de nossos desejos; onde cavalgamos sem saber ao certo onde vamos. A Deusa também nos pede oração. A ela suplicamos como se colocássemos o mundo em nossas mãos – como se fosse nossa a imensa responsabilidade de salvar a humanidade. A Deusa é a Luz em nós, e quando se diz Alá, a deusa está no “a”.

Quando se tem seca, quando falta bondade no ar, é a própria Deusa quem seca a terra, que se enfurece com a humanidade. A Deusa é a Terra e seus prazeres. A deusa é o pão que o próprio Deus come. A deusa é saudade e o sofrimento da saudade. A Deusa é música.

A deusa é delicadeza, é vontade de carregar a criança no colo, a Deusa é abraço. É sem começo porque começar seria partir. A Deusa é tudo que sempre fica e sempre ficou. É o eterno do Eterno, porque haveria um lugar sem começo e sem fim, raiz e fruto ao mesmo tempo.

A deusa existe em mim na forma de vida e atravessa o abismo que antes havia entre eu e você.

Foi a Deusa quem criou o Sonho e o próprio Deus maior que ela. A deusa é a estrada, a agonia que liberta. É a deusa que nos inspira quando choramos uma lágrima única, e essa lágrima liberta.

Quando você me pede coisas impossíveis e eu digo sim, quando caminho sem direção até me acalmar, quando o vento faz barulho, quando sou invadida por sentimentos estranhos, é sempre a Deusa.

Quando aguardo outro verão, quando o trovão soa sacudindo o céu, em todos esses momentos é a deusa que respira.

A Deusa é oração, mas também não é. A deusa é quando a gente está tão ocupado que se esquece de rezar e acorda e levanta e continua esquecendo. E quando a gente lembra, sabe que foi a Deusa com sua mão que criou esse esquecimento. Também é a deusa que nos faz, muitas vezes, esquecer o tempo e nossas dores.

Nos momentos em que, adulta, me sinto como criança, é a deusa que beija minha testa, e eu sinto o silêncio do mundo. E o silêncio do mundo é a Deusa.

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