sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Babiki

Por Mayanna Velame
 
 
 
 
A multidão está me esperando. Sei que todos os assentos do principal teatro da cidade foram ocupados. Do camarim, escuto vozes longínquas e abafadas clamando pelo meu nome: “Babiki, Babiki, Babiki”. Sim, Babiki sou eu! O mágico mais famoso e consagrado de todos os tempos. Meu prestígio está disseminado aonde quer que eu vá. Até Nobert, meu coelho companheiro, sente-se enobrecido. A glória e o sucesso contaminam seu coração. Confesso que nem me importo com isso, até porque ganho a vida iludindo as pessoas – mesmo sabendo que a vida, em si, já é uma ilusão.


Mas, hoje, preciso me superar. Estou farto de realizar meus truques e apresentar os mesmos espetáculos. Quero (e preciso) de algo inesquecível. Afinal, sou Babiki, o mágico...


Nobert me oferece um gole de conhaque. Aceito a bebida. Logo sinto um fervor no estômago. Os cabelos negros da nuca permanecem arrepiados e minha fronte, pouco a pouco, torna-se úmida. Com as pupilas dilatadas, vejo, no espelho, a barba cerrada que reluz. Nos minutos seguintes, visto as luvas. Fico admirado como elas se encaixam perfeitamente em minhas mãos. A varinha mágica voa ao meu encontro. Eu apanho-a. Contudo, Nobert me diz que não preciso dela. O poder está em mim. E, realmente, sinto-me muito mais poderoso do que antes...


“Babiki, Babiki, Babiki”.


O espetáculo inicia. Meus números tradicionais são exibidos. Começo a ser visitado pelo tédio. Preciso fazer algo diferente, algo inesquecível. Até que, de repente, noto um casal na primeira fileira. A moça é linda. Em uma das mãos, segura um saquinho de pipocas. Seus olhos são verdes, como esmeraldas, e os cabelos são como a escuridão da noite. Ela sorri para mim. Permaneço encantado. Vejo mágica no seu olhar. Desconcentro-me. Nobert morde a ponta do meu dedo anelar esquerdo. Num instante, sangro, mas penso que o verdadeiro espetáculo ainda vai começar.


“Babiki, Babiki, Babiki”.


Chamo Nobert e o coloco sobre uma pequena mesa. Com um pano preto, que retiro do bolso interno do paletó, eu cubro seu corpo. Elevo minhas mãos, exibindo-as vazias para o público. Segundos depois, exaltadamente, grito: “ALABUKI, ALABUAKI...”. Nobert, o coelho imprestável, se transforma numa serpente com asas – que voa pelos quatro cantos do teatro. A criatura vai embora, fugindo pela porta central.


Inspiro fundo. Nobert já não precisa de mim. O show continua. Excitado, fito minha musa. A seu lado, todavia, um rapaz alto e sério fuma um charuto. Aproximo-me deles. Deslizo os dedos entre as mechas sedosas da minha amada. Tímida, ela recua a cabeça (na tentativa de me evitar). Porém, eu não desisto... Tomo suas mãos. O saquinho de pipocas ainda pela metade. Mais uma vez, grito: “ALABUKI, ALABUAKI”. Numa fração de segundos, as pipocas do saquinho foram substituídas por diamantes. A multidão delira... Um escarcéu se apodera do teatro. Todos querem ficar ricos.


Aproveito o ensejo e agarro a musa. Sinto seu coração pulsar ligeiro. Não hesito: no meio dos gritos, e dos passos desnorteados das pessoas, registro minha façanha. Beijo ardentemente os lábios da donzela. Incrível como ela se entrega. Sua carne enfraquece. Parece envolvida com o toque avassalador de nossas línguas. De repente, seu homem reage. Com fúria semelhante à de um touro bravo, ele nos separa – e, sem forças, tenta me nocautear. Eu o empurro de volta à cadeira. Pisando em seus sapatos, muito bem lustrados, puxo de sua boca o charuto cubano e grito:


“ALABUKI, ALABUAKI”.


O charuto converte-se num punhal de lâmina afiada. Lanço a arma mortal em direção à garganta de meu inimigo. Esguichos de sangue por todos os lados. Enquanto ele agoniza, nos últimos minutos de vida, eu, Babiki, abraçado com minha musa, beijo-a mais uma vez. Envolvidos em minha capa preta, nós desaparecemos (com um simples estalar de dedos).
 

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