quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Brasileiro Como Você

Por Fabio Ramos


beto cobiça
o relógio de pulso
do seu cafetão

beto depila
suas pernas peludas
com navalha

beto circula
e também faz anal
pela sobrevivência

beto descortina
taras alheias
em motéis decadentes

beto previa
um hoje bem melhor
do que ontem

beto reconhece
a figura projetada
no espelho d’água

beto analfa
nas entranhas do mundaréu
até desmaiar

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Maio


Por Denise Fernandes

         

                            Minha mãe disse: você tem sorte
                        nascer em maio
                        O mês das noivas... por quê?
                        Porque é, minha mãe disse
                        O mês de céu mais bonito do ano
                        depois vem o céu de setembro


                        Quando vi o céu de maio, percebi
                        tenho sorte vai dar certo não sei como
                        mas vai dar. Talvez Deus dará,
                        mas se Deus não der, vai ter samba
                        e outros ritmos valsa jazz bossa nova
                        final feliz vai dar certo. Se não der,
                        não era para dar. É o jogo do contente,
                        livros e filmes, um grande portal
                        uma grande corrente.


                        E quando não é maio
                        e eu me sinto sem forças ou vértices
                        me lembro da minha mãe
                        de todas as verdades verdadeiras sem sentido
                        que ela me contou de suas receitas e conselhos
                        foi ela quem me disse que era melhor ser bom
                        mesmo se podendo ser mau
                        e das diferenças dos céus de cada mês
                        e essa parte da sorte então...
                        Vai dar certo, não sei como mas vai dar
                esse filme da minha Vida é com final feliz!

sábado, 25 de fevereiro de 2012

O Consumista de Afetos - Parte 2 de 2


                                                   Por Flávia Marques

Aquela moça só poderia ter saído de algum sonho do qual Santiago não se lembrava. Cada palavra que saía de sua pequena boca carnuda parecia posta ali por ele próprio. Foi curioso que atendeu ao convite, mas havia uma certa insegurança em suas ações. Afinal de contas, quem seria essa desconhecida?!  Em pouco mais de meia hora de caminhada, chegaram ao hotel onde Santiago mantinha um quarto alugado. A fachada francesa e a rua vazia davam uma impressão ainda mais estranha àquele encontro, como se a qualquer momento algo surpreendente fosse acontecer. O clima de improbabilidade e mistério só fez aumentar o desejo de Santiago por conhecer melhor aquela ruiva irresponsável que fez com que ele sentisse, pela primeira vez, a pontada do amor no coração. Enquanto a moça subia as escadas segurando os sapatos e deixando à mostra os pezinhos delicados, ligados as pernas pelos tornozelos mais lindos que Santiago já havia visto. O rapaz pensava na sorte grande que o alcançara aquele dia e na sincera vontade de perpetuá-lo indefinidamente. Tinha certeza de que encontrara a mulher ideal para dividir seus planos de um futuro promissor e audacioso. Veneranda seria seu cartão de visitas para a sociedade que não o aceitava com simpatia; não por ser um novo rico, mas porque sua herança provinha de uma união condenada por todos entre sua mãe e um conhecido juiz para quem ela trabalhava. A beleza europeia daquela moça misteriosa calaria os mais ferozes críticos defensores da moral vigente. Estava decidido.
Veneranda e Santiago passaram a noite em descobertas mútuas. Realizaram todas as brincadeiras possíveis, conhecidas e inventadas, juraram amor eterno e fizeram planos para o futuro glorioso que teriam juntos. Quando o dia já amanhecia, Santiago fez o pedido de casamento; que foi aceito imediatamente.
Ao deixar, porém, o hotel, homens vestidos de branco seguraram os braços da menina ainda na calçada e a empurraram para a ambulância estacionada em frente, dando-lhe injeções para que ela parasse de gritar. Santiago, em desespero, tentou livrá-la de seus sequestradores, mas foi inútil. Foi imobilizado tal qual Veneranda, mas acalmou-se antes de ser sedado e pediu explicações. Os enfermeiros informaram ao moço que ele correra grave perigo aquela noite, pois Veneranda era louca de hospício e, sempre que conseguia fugir, fazia vítimas entre os homens que atraía para o amor. Aquela revelação foi para Santiago um golpe duro demais e o rapaz caiu sentado na calçada com a mão ao peito. Mas antes de desmaiar pelo medicamento recebido, Veneranda olhou para o amante relâmpago e revelou:
- Não pude te dar o mesmo fim, pois a semelhança entre nós me fez ser sincera desta vez. Acredite-me, fostes meu primeiro amor.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Quarta-feira de Cinzas

Por Fabio Ramos


No Carnaval
Dos politicamente corretos,
O nosso Pierrô
É pitboy marombado.
Vivendo para puxar ferro
E injetar anabolizantes.

Eleita
Rainha de bateria,
A nossa Colombina
É vegetariana.
Possui turbina siliconada,
Esculpida por cirurgião.

Afetado
Por uma crise existencial,
Eis o que fez
O destemido Pierrô:
Trocou a sua Colombina
Pelo colorido Arlequim!

Durante o desfile
Da escola de samba,
A Colombina traiçoeira
Com um golpe se vingou...
Cravando o punhal que trazia
No coração do Pierrô.

A fantasia dos foliões
Ficou manchada de vermelho
(Tudo era sangue, confete e serpentina).
O cadáver foi cremado
Naquela mesma
Quarta-feira de cinzas.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Abril

Por Denise Fernandes


Só a solidão de abril tem a ternura
de mandar essas nuvens inquietas
que abrigam e protegem as almas.

Haverá silêncio na eternidade ou
só nos entremeios de abril esse
silêncio das aves, esse último voo
no escuro: esse abrir de asas no
infinito...


Estou pousada ou esquecida aqui?
Espero a nova sinfonia
um luar que arda nos poros e
nos faça dançar.
Há um sertão perto do meu mar
flores novas e muitas pessoas dormindo
o sono dos justos.
Tem cheiro de bolo, água fervendo para o chá.
A vida abriu essas fendas de bondade onde
brota água fresca todo dia.
O paraíso é um espaço aberto
a escolha é Nossa
Senhora e cor.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

O Consumista de Afetos - Parte 1 de 2

        
Por Flávia Marques


Santiago entrou na cafeteria A Baronesa de olhos atentos, como quem procura a pessoa com quem marcou um encontro. Toda quinta-feira era a mesma coisa: escolhia uma mesa no fundo do salão e observava com seus olhinhos oblíquos, por cima dos pequeninos óculos escuros, o movimento das moças que frequentavam o lugar. Tinha a capacidade de se fazer notar apenas quando era de sua conveniência; habilidade muito útil aos seus planos nada honestos. Quando encontrava a vítima perfeita, passava um pente sobre os cabelos engomados, empurrava os oclinhos com o dedo indicador para perto dos olhos, ajeitava a gravata e partia para o ataque. Convidava-se para sentar com uma desculpa qualquer e discorria sobre algum assunto do universo feminino, geralmente um romance que estivesse na moda, ou o próximo baile dos Gonçalves de Campos Matos. Depois de iniciado o caminho para a cumplicidade, oferecia-se para pagar a conta e, se não fosse atrevimento, acompanhar a senhorita até seu próximo compromisso. Funcionava na maioria das vezes. Depois de alguns dias de corte, todas acabavam no hotel da cidade, um lugar discreto e de serviço decente.
Santiago não era desses conquistadores que se aproveitavam das moças para tirar-lhes o dinheiro. Não! Isso ele tinha de sobra! Seu objetivo era tão somente colher daquelas flores em botão seus primeiros carinhos, e os beijos e amores ainda não maculados pelo toque de outro homem. Gostava de inaugurá-las e acreditava que lhes prestava um excelente serviço. Garantia-lhes que a primeira vez fosse com um grande entendedor do assunto e com uma classe comparada somente aos de dígitos bem maiores que o dele. O rapaz não gostava das profissionais porque seu objetivo principal não era satisfazer-se fisicamente. Na verdade, se alimentava do afeto recebido, sentia-se importante e desejado quando era alvo do mais puro sentimento: o primeiro amor. E vivendo um romance por semana, livrava-se do estorvo que é um compromisso.
Nessa quinta-feira, porém, conheceu Veneranda e apaixonou-se assim que trocaram olhares. Tinha a moça uma pele emprestada de pêssegos, os cabelos ruivos levemente ondulados caíam-lhe pelas costas, soltos, até os quadris. Os olhos eram tão grandes e azuis, que pareciam dois mundos paralelos, postos assim para fazer com que se tenha dúvidas sobre em qual deles se quer viver. E a boca era um convite ao amor. Santiago esqueceu-se de respirar por alguns segundos quando a viu levantar-se e dirigir-se a ele.
- Posso me sentar? – perguntou a menina.
- Claro – respondeu Santiago, pigarreando e esticando o peito.
- Não pude deixar de notar que estava olhando com certa simpatia para mim. Chamo-me Veneranda. E o senhor?
- Santiago. Desculpe-me se dei essa impressão, mas olhava para a rua com certeza, e não para a senhorita.
- Não negue. Sentir-me-ia ofendida.
- Bem, sendo assim, sou obrigado a confessar que me chamastes a atenção. Se me permites dizer, tua beleza...
- Eu sei, minha beleza é também minha maldição. O que é a beleza senão a impressão de que vemos o perfeito quando ele não existe? A beleza é um embuste, meu caro! Ela dura apenas o tempo necessário para te acostumares com ela. Alguns dias comigo e me terás como uma mulher comum.
- Não sei por que, estou começando a duvidar disso.
Veneranda sorriu e abaixou os olhos. Aquele gesto realmente o surpreendeu, pois não combinava com a mulher decidida e desenvolta que se apresentara a ele. Conversaram por mais algumas horas e Santiago jurava que haviam passado apenas alguns minutos. Ao fim desse tempo, Veneranda levantou-se e perguntou:
- Vamos andar um pouco?
Santiago concordou e saíram da cafeteria sem rumo certo. O mistério que envolvia Veneranda fazia com que ele ficasse ainda mais interessado nela. Conversaram durante toda tarde e ele começou a temer que aquele dia chegasse ao fim. Deixava que a moça falasse, na esperança de que se esquecesse da hora de partir. As cinco em ponto, Veneranda dirigiu-se à Santiago e propôs com a naturalidade de quem fala algo trivial:
- Por que não vamos a um hotel?
A proposta deixou Santiago um pouco confuso, mas não era homem de recusar um convite como esse.
- Claro que sim, só não acho que ficaria bem para a senhorita...
- Não se prenda a convenções agora. Por que economizar a vida? Vamos que não tenho tempo para charminhos bobos. 
                             Continua no próximo sábado...

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

De Soslaio

Por Fabio Ramos

 
                                                       Investiu no curso
                                                       de datilografia
                                                       e respondeu
                                                       a um anúncio
                                                       classificado.
                                                       Contava as horas
                                                       para afrouxar
                                                       o nó da gravata
                                                       no fim do expediente.
                                                       Ônibus elétrico
                                                       freando bruscamente
                                                       ao puxarem a cordinha.
                                                       Chave que dá duas voltas
                                                       na maçaneta.
                                                       Tudo como deixara pela manhã:
                                                       teias de aranha
                                                       uma bota no freezer
                                                       o bombril na ponta da antena.
                                                       Acomodou-se em frente
                                                       à máquina de escrever;
                                                       onde o maestro
                                                       conduzia sua sinfonia
                                                       particular.
                                                       Vez ou outra,
                                                       interrompia o som das teclas
                                                       para fitar a foto
                                                       fora de foco.
                                                       [luzes de néon piscando]
                                                       [seringas recém-injetadas]
                                                       [filmes da Emmanuelle no corujão]
                                                       Entre mil divagações,
                                                       uma barata cruza
                                                       o apartamento enfumaçado.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Março

                        Por Denise Fernandes

         Em março de mil novecentos e oitenta e cinco
         escrevi na minha máquina de escrever:

         Beatriz

         O sol solto, acaso
         Conhecer você me fez mais feliz
         andarei por aí
         colhendo o que achar melhor para nós
         escolhendo os poentes
         e os poemas,
         entre os pentes.

         A nossa roda da fortuna é grande
         o meu carinho, o meu suor
         é poder e mato
         é no teu cheiro e no teu olhar
         que eu corro

         longe-perto de você, pode?

         tenho uma mão, mas você tem duas
         Beatriz
         os devaneios são sementes
         creio tanto nisso
         como em você, nos raios de sol
         e nas luzes amarelas da tarde,
         vermelhas da noite

         O papel está amarelo e Beatriz
         que era um bebê recém-nascido
         escreve; quando ela escreve
         não temo. Ela tem o mesmo olhar
         de quando nasceu. O mistério está
         intacto. A semente sempre será semente.
         Há uma música nova a ser escrita.
         Se eu não estivesse escrito março
         de mil novecentos e oitenta e cinco
         jamais entenderia.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Firmamento

Por Rayane Medeiros


                                       Por hoje obriguei-me a dizer-te não;
                                       Abrir-me para o acaso,
                                       Para os laços que me libertam –
                                                                                   Libertinam-me!

                                        Obriguei-me a não pensar em ti,
                                       Não desejar-te
                                       Ou sentir teu metal pressionar meus lábios –
                                                                                                    Deliciosamente.

                                       Obriguei-me a sair ao sol,
                                       Sentir o vento resfriar a pele aquecida,
                                       Desviar olhares indiscretos,
                                       Sentir-me outra, que não sua.

                                       Obriguei-me acalantar alvoroços,
                                       Destruir firmamentos,
                                       Adormecer os olhos fantasiosos,
                                       Esquecer-te plenamente.

                                       E deliciosamente aqui
                                       Estar assim, solitária de mim.


Jornalista em formação; Aprendiz de Poetisa. Estagiária do DECA/PROEX-UERN.
A  metamorfose ambulante em pessoa. Autora do blog Mal Me Quer
  

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Antropologicamente

Por Flávia Marques


Os olhos apertados, à espreita,
Cuidadosamente escondidos
Na penumbra,
Perscrutam o universo
À frente
Com o interesse dos caçadores.
Dos caçadores que não voltam
Para casa famintos.
A presa
Atravessa seu caminho
Com o rebolado e a imprudência
Que só as presas tem.
Os olhos esperam pelo momento certo,
Pelo instante no qual
Irão encurralar seu alvo.
E o alvo bebe um drinque
Que deixará sua carne
Mais leve e saborosa.
Os olhos se aproximam e,
Quase no mesmo instante
Levam a presa consigo,
Para a escuridão da noite.


quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Mira

Por Fabio Ramos


                                                                      No banco da praça,
                                                                      pombos em volta
                                                                      do senhor encurvado.

                                                                      Os transeuntes
                                                                      aceleram o passo
                                                                      sem vislumbrar a cena:
                                                                      migalhas de pão atiradas
                                                                      aos ratos com asas.

                                                                      O bando multiplica-se.
                                                                      A sujeira e as doenças
                                                                      também.

                                                                      Deixe estar.
                                                                      Nenhuma das aves
                                                                      com tendência para engordar
                                                                      passará incólume
                                                                      à mira do meu
                                                                      estilingue.

                                                                      E na tarefa
                                                                      de exterminar a praga,
                                                                      arrumei uma importante aliada:
                                                                      a língua da Jussara.

                                                                      Um elogio seu
                                                                      às flores do jardim
                                                                      é suficiente
                                                                      para murchar
                                                                      as rosas admiradas.

                                                                      Quando enfim
                                                                      direcionou
                                                                      os comentários
                                                                      às criaturas em revoada
                                                                      aconteceu o que
                                                                      eu previra:
                                                                      choveu pombo morto
                                                                      nos quintais da vila.