quinta-feira, 30 de abril de 2020

Prefiro

Por Nana Yamada




Prefiro não ver para não sentir.
Prefiro não ouvir para não imaginar.
Prefiro não tocar para não delirar.
Prefiro que não me procure
se não for para ficar.
Prefiro que não faça
promessa alguma do que iludir.
Prefiro estar ao seu lado
do que estar aqui.

quarta-feira, 29 de abril de 2020

Um enlatado

Por Fabio Ramos




vem
que


vem


no
trem


com a banha


que
sacode


no aperto da massa


(...)


foi que
foi


inserida


na
lata


a sardinha


que
gordura


(escorre antes)


de
pular


na frigideira


e
nos
trilhos

terça-feira, 28 de abril de 2020

Escravos da escolha

Por Maurício Perez



Orgulhosos de viver na era da informação, preferimos que alguém pense por nós. Nada de ler textos do próprio autor. Preferimos a notícia que o Papa Francisco acabou com o pecado, a conferir a suposta homilia. Orgulhosos do acesso a qualquer informação, preferimos os vídeos de cachorros fofinhos (e memes da internet) do que ler algo sério.


O problema não é apenas preguiça ou superficialidade. Há outra questão mais importante e séria: como selecionamos e formulamos nossas opiniões. Se não simpatizo com a ideia do pecado, minha tendência é ler a manchete "O pecado acabou" e usá-la como prova irrefutável de que estou certo. Ao mesmo tempo, evito ler outra manchete que afirma o contrário. "Não é interessante e deve estar errado". Assim, de grão em grão, vamos nos fartando de ideias pré-concebidas e equivocadas.


George Loewenstein, Russell Golman e David Hagmann, da Carnegie Mellon University, publicaram um artigo na Journal of Economic Literature sobre essa tendência. Mostram que, inconscientemente, usamos a estratégia de procurar a informação que nos agrada e, não só evitamos, como esquecemos a informação que nos contraria. Deve ser por isso que os homens esquecem o aniversário da sogra...


As pessoas frequentemente evitam ir atrás daquilo que pode ajudá-las a tomar uma decisão mais acertada; se entendem que esse conhecimento será doloroso e/ou pode complicar suas vidas. Professores acomodados, por exemplo, poderiam se beneficiar dos comentários de seus alunos, mas evitam as críticas - para não ficar evidente que precisam melhorar. O mesmo fazem os gerentes "bronca e esporro" com seus subordinados. Bem como os fiéis, quando buscam um padre ou pastor que fale algo reconfortante, mesmo à custa da verdade.


E aqui também entram as interpretações forçadas. O aluno é capaz de encontrar as mais inusitadas desculpas para validar sua resposta errada na prova. Jornalistas e intelectuais juram que o usuário de drogas não financia a violência urbana. O pai e a mãe se convencem que o melhor é trabalhar exaustivamente para enviar o filho pequeno a um bom colégio (mesmo à custa de estarem pouco presentes em sua vida).


Quando a verdade não dói, desconfie.

É autor do blog Correio Chegou.

segunda-feira, 27 de abril de 2020

lançados em Bordeaux

Por Ana Paula Perissé




Eles são viventes náufragos
lançados
à deriva
e fazem da água uma ponte
para suas vidas errantes.


Condutores sem o saber
fazem do nado
quase nada
em mergulho abissal.


Insignificam
cada onda
e cada murmúrio
num silêncio indizível
pleno de gritos.


Reverberam à margem
não chegam
não querem
quando causam susto
aos que existem
de um lado de cá
de lá
entes ausentes das metáforas
da ousadia
de querer
conhecer.


Eles estão
são ermos
do nada
em terra prenhe de cada


Aqui, as ondas são borbulhas
de vinho tinto
em vermelhidão
e as frases se esfregam com o ardor
dos amantes embriagados


Nervura, gozo e fervor.

domingo, 26 de abril de 2020

Eu te amo

Por Oswaldo Antônio Begiato




Eu te amo
como ama a terra
dura
e árida
e fêmea,
em uma sexta de fertilidade,
a chuva
fresca
e inesperada
e máscula
se ejaculando abundante
no ventre castigado
pela seca,
pelo abandono
e pela cobiça
remexendo sementes,
fazendo-lhe
de dentro nascer
esperanças novas
e vida pródiga.

sábado, 25 de abril de 2020

Princesa da praia

Por Meriam Lazaro




Minha princesa da praia,
Vejam só como caminha...
Um beijo ela ensaia
Dos contos da carochinha.


De brancas e azuis rendinhas
É bordada a sua saia.
Minha princesa da praia,
Vejam só como caminha...


Vê as ilusões de Maia
Num castelo de rainha,
Sente o beijo que desmaia
E as pegadas na areinha.


Minha princesa da praia...

sexta-feira, 24 de abril de 2020

Lá fora

Por Mayanna Velame




Não abra a porta:
o inimigo está lá fora
e amanhã será outro dia.
Mas, nesta noite,
permita-me adormecer
com o teu sono.

quinta-feira, 23 de abril de 2020

Não se vá

Por Nana Yamada





Sinto saudades...
Saudades de você... meu amor...
Por onde tu andas?
O que tem
Feito?
Como vai a sua vida
Sem mim?
Meu amor...
Posso ainda te chamar de "meu amor"?
Meu amor...
Aonde você está?
Que não vem aqui, para viver comigo
Como pôde ir embora
Sem se despedir, e sem juras de amor?
Meu coração não me responde
Me diga o que devo fazer,
Por favor...
Não se vá desse jeito
Não assim...
Partindo sem me dizer
Sem deixar nenhuma palavra...

quarta-feira, 22 de abril de 2020

Ciclo

Por Fabio Ramos


Igreja Nome de Maria, em Novi Sad (Sérvia)


relógio de homem


marca as
horas
no


(ponteiro)


e
não


em números


como
no
seu


DIGITAL WATCH


(...)


são
10


minutos


para
bater


(o arrependimento)


(...)


5 minutos
até


a busca


do
perdão


(...)


e
uma
eternidade


na
sombra


de sua JUSTIÇA:


no
tempo


(do Divino Deus)


pelo
relógio
da catedral

terça-feira, 21 de abril de 2020

FRATERNO

Por Denise Fernandes




IRMÃO CHÃO

ETERNO GRÃO

NA MINHA MÃO



IRMÃO PÃO

DIVIDIDA SOLIDÃO

NO ESCURO UM CLARÃO



IRMÃO CORAÇÃO

RAIO E TROVÃO

UMA SÓ EMOÇÃO

segunda-feira, 20 de abril de 2020

perdida na vida

Por Ana Paula Perissé




Perdida ou desvarida
em
vida
não sou 1´vendida
( a quê?)


por vezes
apenas
semi-bandida.


andarilha em voltagem à-vida
quero-te
nuvens e estradas
em presença desabrida
sutil e sofrida


mais-vida
mais-valia


sangria
cálida
que vivifica.

domingo, 19 de abril de 2020

Mãe

Por Oswaldo Antônio Begiato


Imagem: Mitra Shadfar


Ser mãe
é escrever um soneto
sem usar
uma só palavra.


Ser mãe
é compor uma sinfonia
sem usar
uma só nota.


Ser mãe
é estremecer
Deus
e silenciar o Universo.

sábado, 18 de abril de 2020

Flor em xisto

Por Meriam Lazaro




Pelos caminhos da alma
Encontrei flores e frutos.
Brotei sedas e arbustos,
Recolhi espinho e calma.


Pelos caminhos de alguém,
Percorri velhos retratos,
Nos sulcos, vales e fatos,
Que o espelho retém.


Pelos caminhos do ser
Conheci tantos amores,
Mas foi dos teus dissabores
Que eu teimei em saber.


Pelos caminhos do meio,
Fui a pedra a ladrilhar,
Flor em xisto sem luar,
Uma nódoa em versos feios.

sexta-feira, 17 de abril de 2020

A companheira

Por Mayanna Velame




A campainha tocou abruptamente. Ele se levantou da cama. Como sempre, olhou-se no espelho. Viu o semblante fatigado, a barba por fazer. Após bocejar, arregalou os olhos e finalmente abriu a porta. Do outro lado, lá estava ela, que superou o acanhamento e resolveu entrar.


Elegante e lacônica, sentou-se no sofá de almofadas vermelhas. Cruzou as pernas e braços. Contraiu os lábios, para permitir que o silêncio dissesse o indizível. Ele, por outro lado, chamou-a para um café. O convite foi aceito. Agora, sentados à mesa, ambos se entreolhavam, possuídos pelas circunstâncias.


As mãos encolhidas apenas soltavam-se para enlaçar o contorno da xícara. Brotaram sorrisos e confissões. Depois da refeição, ele recolheu o pires e, com um pano úmido, aparou os farelos de pão.


Na sala, ela o observava  contemplando seus traços, rugas e dentes. Ele, por sua vez, folheava as páginas de um livro. Queria ler poesia, mas preferiu a janela. Era mais interessante reverenciar a paisagem lá fora. Entre sussurros e vozes remotas, o dia se derretia em seus dedos.


Passou, então, a pensar na vida: nos amores passados, na sutileza da existência humana. Não demorou muito e o vento afagou os cabelos grisalhos. Já contrito, relembrou da infância, da primeira professora, do primeiro beijo. Dos sonhos não realizados e do tempo presente, marcado pela insatisfação.


Entre o ser e o estar, ao longo dos anos, a decisão de viver sozinho foi estabelecida. Já amuado, decidiu reverter isso. Aproximou-se do rádio e sintonizou uma estação qualquer. A melodia lenta ecoava nos quatro cantos da casa.


Possuído por sentimentos contraditórios, ele puxou sua companheira contra o peito e a tirou para dançar. De um lado para o outro, os passos tímidos seguiam. Não havia pressa para o fim. As horas não importavam. Aquele instante pertencia a eles. O mundo girava, o tempo iludia os ponteiros. Em um dado momento, esqueceram-se de tudo: dos erros e obrigações, da morte iminente, das incertezas. O hoje era sonoridade. Ocasião eternizada.


Compassados, eles ensaiaram um beijo. Ela virou a face, antes do encontro inevitável dos lábios. De olhos baixos, a companheira decidiu que havia chegado a hora de partir. Ele perguntou quando a veria outra vez. Ela não respondeu e sumiu pelo corredor. Sendo assim, a solidão retornou ao recinto.

quinta-feira, 16 de abril de 2020

Nunca deixou de existir

Por Nana Yamada




Não quero as palavras de desamor
Não quero as cicatrizes sangrando
Não quero mais essa emoção
Não me chame nos pensamentos
Não posso mais estar aqui
Falando sempre as mesmas coisas
Sentindo tudo de novo.


Não posso mais reviver
Não posso mais sentir
Não posso mais tocar
Não posso mais relembrar
Deixar tudo pra lá
Foi a escolha que sempre existiu
Sem diálogo emocional.


Não venha me dizer o quanto pensou,
O tempo é a resposta das coisas que não podemos ver
Volto no tempo e sei que nunca mais existirá
Outra história como essa.


Eu te adoro e isso é para sempre
Mesmo que nossos caminhos sejam diferentes
O que sentimos é verdadeiro e insubstituível
Te mantenho reservado num canto do meu peito
A cicatriz que contém seu nome.


Algum dia ainda desejo
Estar perdida em seus braços
Só por algum segundo poder olhar
Sentir e reviver a saudade
Sentimento que nunca deixou de existir

quarta-feira, 15 de abril de 2020

Hello stranger

Por Fabio Ramos




da
visão


(borrada)


que
forma


(entre curvas)


e retas
um


dorso
nu


(...)


(no carro)


ou
no
escuro


do
quarto


(apalpa e mama)


pois
quer


averiguar:


tem
jeito


e gosto de mulher


(...)


não
sabe


(como fez)


para
entrar


(mas viu quando ela)


sumiu
em
um


passe
de mágica


depois da satisfação

terça-feira, 14 de abril de 2020

Pacientes terminais

Por Maurício Perez



O psiquiatra William Breitbart trabalha há anos com pacientes terminais de câncer, em Nova York. Para muitos deles, a grande questão não é saber quanto tempo ainda resta ou se sofrerão até morrer. Eles querem um sentido para suas vidas. Breitbart percebeu que a proximidade da morte leva algumas pessoas a concluírem que a vida não tem sentido. Mas, para outras, essa é uma excelente oportunidade para pensar e descobrir um sentido para suas existências.


Os pacientes que encontram o sentido, sempre apresentam três pontos em comum, todos absolutamente necessários:
- Eles percebem que suas vidas foram importantes para outras pessoas;
- Eles viveram guiados por um objetivo (como formar uma família ou servir a Deus);
- Eles entendem que foram coerentes.


Sentido e morte são duas faces da mesma moeda. Os problemas fundamentais da condição humana. Como o ser humano deve conduzir sua vida finita? Como encarar o fim? Com dignidade? E não com desespero? O que nos redime?


A experiência profissional de Breitbart começou em 1984, quando surgiram, em seu hospital, muitos homens jovens com Aids. "Eles me procuravam pedindo que os ajudasse a morrer. Eles me abordavam no corredor, dizendo que tinham apenas três meses de vida e não viam sentido em continuar a viver. Me pediam para matá-los".


Ele percebeu que os que pediam para morrer não eram os que tinham dor: eram os que tinham perdido o sentido da vida. Não era também uma questão de depressão. O problema era existencial.


Convidado a participar do projeto "Morte na América", Breitbart se uniu a filósofos, monges e médicos para conversar sobre a morte e o sentido da vida. "Subitamente descobri que nunca nos ensinaram a trabalhar com a busca de sentido na faculdade de medicina. E a busca pelo sentido, conversar sobre isso com o paciente terminal, é a melhor solução. É o remédio que eles mais agradecem". Breitbart percebeu que isso diminui significativamente os pensamentos suicídas - e fez com que muitos ficassem em paz, até o último momento.


O tempo entre o diagnóstico e a morte é uma chance de desenvolver o crescimento interior. Para alguns, é o momento onde encontram aquilo que procuravam obstinadamente, sem sucesso. Essas pessoas buscavam sentido no trabalho, no lazer, na agitação do dia-a-dia; em tantas coisas vazias ou de relativa importância. A iminência da morte foi a ocasião que os aproximou da verdade da vida. E nesse paradoxo, encontraram a felicidade no vestíbulo da morte.


Algumas vezes, parentes e médicos preferem esconder o diagnóstico do paciente. Terão seus motivos, circunstâncias especiais, mas chega um momento em que precisam falar disso. É o que os doentes mais agradecem. Falo por experiência. E é também uma oportunidade para que a própria família, amigos e médicos, pensem em suas vidas.


O silêncio, aqui, pode ser um sinal: talvez não tenhamos nada a dizer. Quem sabe, ainda arranhamos a vida superficialmente.

É autor do blog Correio Chegou.

segunda-feira, 13 de abril de 2020

azul elíptico

Por Ana Paula Perissé


(Ao poeta dos lindos olhos azuis)


Dar-se ao olhar
e cada vez mais
e mais cansado
nocturnamente
para que o domínio do uso
do aqui e agora
transforme-se no imponderável
da liberdade insegura.


Dar-se ao olhar
azul
improvável
que escapa
da percepção passageira
azul-piscina
azul-turquesa
azul-paixão


mas qual nuance de azul?
(todas)


ou quiçá
um azul-cansado
de tanto ver-o-mundo
atravessado pelo porvir
da brisa fresca da madrugada


entrega de olhos
marejados de mundos


Dar-se ao olhar
ao Outro
livre
da-se ao olhar
sem ter
sem querer ser
muito
nu


dar-se ao Outro
em azul

domingo, 12 de abril de 2020

Despertar

Por Oswaldo Antônio Begiato




Saudades de seu beijo matinal,
do doce perfume de alecrim
me despertando as auroras,
me enchendo de carícias
a alma abandonada.


Saudades de seu beijo matinal
com jeito de afastamento
de cortinas
deixando me penetrar
um sol avivador,
me aquecendo todos os cantos
internos.


Saudades de seu beijo matinal
que não experimento
desde ontem;
desde que perdi o seu caminho.

sábado, 11 de abril de 2020

Cancioneiro

Por Meriam Lazaro




Cancioneiro galopante,
Na garupa, a viola.
Na porteira, o berrante,
Prende o grito estrada afora.


Gaiteiro, tão distante,
Sua amada foi embora.
Solitário e errante
Pensa no amor de outrora.


Vai sonhando que é amante
De uma Branca Flor d'aurora.
Lhe sorri por um instante,
Cavalgando sem demora.


Seu destino é ser andante,
Em mil léguas se descora.
Sua sina, caminhante,
É sonhar o amor de agora.

sexta-feira, 10 de abril de 2020

Futuro

Por Mayanna Velame




Guardou o tempo
numa caixa de madeira
e a lançou ao mar.
Não demorou muito para
perder de vista
o futuro.

quinta-feira, 9 de abril de 2020

Essa angústia

Por Nana Yamada




A noite vem me torturar
Me fazendo lembrar do seu rosto
Da saudade que nunca esqueci
Do amor que ainda vivo
Coração angustiado
Mente perturbada
Tudo porque nada disso passa
Mesmo o tempo passando
Mesmo envelhecendo a cada dia
Essa angústia existirá
Até eu estar em seus braços
Assim esquecendo essa tortura
Que algum dia você me fez passar...

quarta-feira, 8 de abril de 2020

O solista

Por Fabio Ramos




um disco de jazz
ouvido
em


45
RPM


(ganha velocidade)


e tudo
fica


acelerado


(...)


a
mão


naquela cintura


deveria
ser
a


TUA


que
você continuou
parado
e


(cedeu)


ao
medo


de conquistar


(...)


ela
agora


(é conduzida)


por
outro


e
a
ti
RESTA
SOMENTE O SEGUINTE:


ver
de
longe


e virar o disco