segunda-feira, 31 de agosto de 2020

sumiço da quarentena

Por Ana Paula Perissé




(incêndios sem calor''' som sem deserto
embriaguez por invalidez onírica)


sonhava com caramujos
à esperança de cultivá-los
no subsotão da emoção
e bebia a eternidade
por viver grávida de vidas.
outras.


ei, mais um gole? é.
um brinde à dormência
já no suporte físico do imaterial


teu corpo, minha ferida
escarpada
de desperdício programado,
obsolescência descaralhada:


deveria
ser despejado
pelo bolor das coisas
mal tocadas.


(sabe, só se toca a alma do mundo
com 1´espécie de dignidade,
em vestes sem propósito
no desvão da palavra
desacordada
onde a dor significa
0 representação)


Desapareça.

domingo, 30 de agosto de 2020

Fantoche

Por Oswaldo Antônio Begiato




Levai,
ó vento, levai
as folhas secas
de lá pra cá,
de cá pra lá,
assim como
o tempo leva,
as horas inúteis,
de cá pra lá,
de lá pra cá,
incansavelmente.


Levai,
ó tempo, levai
meu viver fatigado
para outras garras,
por outros amores,
assim como
o vento leva
o pó de minha carne
para outras terras,
por outros mares,
irremediavelmente.


Levai,
ó vento, levai,
pelos cordéis do tempo,
os movimentos desajeitados
de meu corpo já exaurido pela dor
para bem longe dos olhos
de minha gente;
para bem longe da história.


Levai, ó vento, levai.
Levai, ó tempo, levai.

sábado, 29 de agosto de 2020

A lira das horas

Por Meriam Lazaro




No espelho além do tempo
encontro mar coração,
ouço o murmúrio do vento
ferir acalanto e paixão.


Toco a lira das horas
escorrendo pelas mãos
na poesia de quem chora
deserto e inspiração.


Persigo amor e tormento
em calma contradição,
sou abandono e lamento
em papéis sem tradução.


Ao som de um violino
navego a imensidão,
vago mundo sem destino,
estrela e constelação.


Fragrância de um jasmineiro,
saudade, rio e solidão...
Daquela, meu amor primeiro,
que hoje é luz e canção.

sexta-feira, 28 de agosto de 2020

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Alguém

Por Nana Yamada




Alguém
Para importar
Para entregar
Para amar
Para compartilhar
Para dar
Para receber
Para cuidar
Para ser
Para lutar
Enquanto estiver por aqui
Enquanto estiver por lá
Enquanto existir nós…

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Tudo azul

Por Fabio Ramos




ela invade


sem
ter


a chave


que
abre:


na ponta dos pés


como
um
felino


(...)


2
olhos
de
piscina


que
não


brincam


em
serviço


e nem poderiam


(...)


se
anda


(não há som)


se
pisca


é
para


ARRANHAR


(...)


em
um
pescoço


no
teu


(abdômen)


com
as


unhas


na
pele


da vítima entregue

terça-feira, 25 de agosto de 2020

Uma tragada

Por Denise Fernandes





Domingo à tarde

Tarde duvidosa

Triste diamante:

turmalina turquesa,

Linda. Ainda ontem

Telefonei para ti.

Tento. Entretenho-me no teu destino,

Nos teus dentes. Deitada no teu peito

Desapareço, desaperto-me: pertenço a ti.

Distraio-me na tua dor, nos teus cotovelos,

Nos teus tornozelos. Dou-me no teu ventre,

Toda tua. Mas desapareço. Entre dores e apertos

Nada de ti permanece doce. Ausente,

Invento-me outra, derreto-me.

Desapareço. Traio-te.

Dá-me tua traição também.

Dá me o gosto esquerdo,

Tamanho e lento,

Distante e dissonante,

Tarde demais,

Demais triste.

Mas derrisório

Terminando rápido a tristeza triste,

Como um gato se perdendo no mundo.

Doidamente, diabolicamente;

Traio-te dizendo

O que deveria ser segredo;

Traio-te azedando o que poderia ser adocicado,

Traio-te magoada e

Ainda te traio

Quando estou triste.

Defendo-me.



Desisto.

Divido-me em duas ou três

Amantes diferentes

E não me tens nas três.

Traduzo-te em três idiomas

E não te entendo.

Temo tuas dúvidas.



Domingo à tarde,

Tarde demais,

Distante, presente e ausente,

Silente. Saudoso, dormente.

Deus.

Tava faltando Deus.

Pra história andar.



Domingo à tarde,

Tola e divina,

Hipnotizada e telepática

Alucinada em outras mentes,

Atriz.

Decido-me, desisto e insisto.

Parto deixando

Meus dedos nas tuas costas,

Meus dedos em saudades.

Dramáticas. Diretas e lânguidas.

Desenho no teu ódio

Outra ferida aberta.

Adio a felicidade

A aposentadoria

A idade certa.

Adio a sanidade

A maldade,

Ai de ti.

Adio a despedida

Num dia tão intenso

Que perdida de mim

E de ti, adoeço.

Dá-me teu perdão

E parte.

Tua parte neste resto

Neste deserto é

Só o vento da tarde,

Só a saudade.

Dá-me a saudade em doses

Delicadas.

Dá-me outra trama,

Outros tons,

Renova-te em desejos

Onde não estou.

Estreia outros trajes,

Outro penteado,

Desiste de ti.

Tenta outro jeito

De te Ter,

De reter os pedaços

Do passado.

Tira meus dedos das tuas costas:

Grudados como estrelas

São diamantes da tua terra,

Desencrava-me,

Desarma-me.

Destrói-me.

Sou um caderno de

Recordações.

Sou um dentro, tão dentro

Que dentro de mim

Não entenderias.



Domingo à tarde,

Deixa-me.

Que deixo me deixares.

Deita-me quieta,

Aquieta-me na teia

Da Terra. É este planeta

Que me tateia

E me deseja.

É teu toque que me diz:

Talvez.

Talvez um dia, uma tarde,

Talvez outro dia.

Mas o tempo não reparte a dor

Não divide o desejo:

Dá-me tudo.

Entenda-me.

Acerte.

Aceite:

Este Domingo de traição

De trauma,

É só um dia,

Um tempo

No infinito.

Uma tragada,

Uma adivinhação,

Uma noitada.

E outra tragada.

Adeus.

segunda-feira, 24 de agosto de 2020

poesia sem cio

Por Ana Paula Perissé




deixa-me ao vazio
assim,
batida de frente
com o inapreensível que se foi.


baila-me ao crepúsculo
juntos aos deuses decantados
que me abandonam
sem dedicatórias profanas.


porque depravados de torpor
ao úmido de ontem, cheiros
sujam o corpo do poema
fossilizado em velhos cios,
deixa-me só. e à espreita de uma
espera bem partida
.
eu tenho um cadeado e um
desinfetante de palavras
mancas


( quero teu outro cio)

domingo, 23 de agosto de 2020

Renunciação

Por Oswaldo Antônio Begiato




Amor,
vim buscar
minha presença.


Minha amputada
e doída presença
porque
de tua ausência
longa, fria e pesada
eu desisti.


Vim, pois,
buscar a presença imolada
pelo teu proposital abandono.

sábado, 22 de agosto de 2020

O eu dividido

Por Meriam Lazaro




À sombra dos parreirais
Encontraram-se vários eus
A fim de convencionar
Quem mandava mais.
O Eu Pavão se apresentou
E seu rabo radioso abriu
Dizendo ser o maioral.
O Eu Jaburu se escondeu,
Para demonstrar timidez,
Rindo de seu pé lindo.
Aí veio o eu da vez,
Mostrou sua inteligência,
Exigindo cega obediência.
Mas, lhe perguntaram:
- Quem és tu, lerda criatura,
Para querer impor respeito?
- Sou aquele que rima,
Escolhe os ditados
E o efeito causado.
- Meu nome é Eu Virtual.
Como ninguém jamais vira
Ego de tamanho igual
Calaram-se a esperar
O Eu Sensatez falar.
Este chegou e calmamente
Falou: - Todos podem reinar
Em pequenos bocados
Sem que a ninguém seja dado
Ao Eu Amoroso superar,
Pois é o de maior predicado.
E assim, sob os parreirais,
Ficou convencionado
Que seria obedecido
Unicamente ao Eu Amoroso.
Terminada a cerimônia
Foram tomar Gardenal,
Antes que ao plantão chegasse
O rancoroso doutor do mal.
Eus lavados, afinal.

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

O quarto

Por Mayanna Velame




Toda vez
que se trancava
em seu minúsculo quarto,
ela entendia o que era
sentir a liberdade.

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Eu não sei

Por Nana Yamada




Eu não sei
Como devo pensar
É suposto saber
Quando é o fim
De tudo aquilo
Que não começou


Eu não sei
Se é correto acreditar
Nesse sentimento
Que não tenho certeza
Apesar de sentir
Apesar de ser único


Eu não sei
Como te deixar
Se me faz tão bem
Se me faz acreditar
Num sonho tão lindo
De algum dia
Sermos…

quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Descomplique-se

Por Fabio Ramos




se vai


ou
não


(convir é contigo)


mas
veja


se
vale
a pena:


QUEM É QUE PARA


para
falar


mesmo quando
atrasado
está?


(...)


quem é
que


para
para
tudo


(desmontar)


até
quando


funcionando está?


(...)


se
esse
alguém é
você


BOBALHÃO


por
que
não


desenrolar o
carretel?

terça-feira, 18 de agosto de 2020

O louco

Por Denise Fernandes




O voo. Voando, esqueço o que quero esquecer. Outra janela do pensamento se abre. Imaginação criativa. Perdoo porque já não me importa mais. Ou choro porque chorar alivia. O mais importante é voar. Não é o skate que voa, sou eu.

Minha cachorra me diz, através dos latidos, um longo poema de amor. Traduzo em palavras, que me consolam de tantos abandonos. Ela me lambe como se eu fosse sua irmã. E eu, que sou um animal ferido, me enrosco no seu pelo de irmã. Temos o mesmo sangue vira-lata. Choro a morte das florestas. E as florestas me abraçam.

Se eu fosse normal, não teria graça. Sou feito de vento. Desfiz as maldições. Descer a montanha foi melhor que subir. Desistir foi melhor que continuar. Enquanto mergulho no ar, caminho para o novo.

Desigual. Racional e irracional. Inocente e selvagem. Guerreiro sem armas. O que tenho é meu skate. Que quebra e se regenera, rabo de lagartixa.

Meu romantismo foi pior que um vício. Cansaço de lutar contra Deus. Preciso deixar Deus em paz, para ter paz. O destino é como o atrito para o meu skate. É para o destino que minha cachorra late quando late sem motivo algum. É o Senhor Destino que afia seus sentidos de animal. Quando parece louca, ela também parece feliz.

E eu, quando me sinto feliz, toco a loucura. Através da loucura, encontro o estado de graça. E lembro que estamos salvos. Não falta nenhuma peça no quebra-cabeça.

Mesmo assim, mergulho no desespero, na insatisfação. Vontade de mudar de trilha sonora. O som do meu skate me conforta.

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

fricção e memória

Por Ana Paula Perissé




tem um clarão de corpos
que esfregam o tempo
de tal intensidade.
roça & lasca sobre derme
em fogo que renasce
abismo.
.
( tem muito de ferver
nos teus olhos
em minha pele)


tem muito de fogo
em cada dia
passado.


. memória

domingo, 16 de agosto de 2020

Irascível

Por Oswaldo Antônio Begiato




Há em mim vácuos impreenchíveis
pedaços meus arrancados à força
e lançados no espaço vazio
entre corpos indesejados.


Essa sensação de estar isolado
entre tantas pessoas,
entre tantas gargalhadas,
entre tantas viagens
enerva meus sentidos
e minhas mãos tremem.


Já não posso tocar piano,
nem enfiar a linha na agulha,
nem manter o copo cheio,
nem escrever meu nome
na linha do tempo...


Já não posso com elas
dizer um adeus seguro
(eu não quero por ora dizer adeus).


E as flores?


Ai, as flores, as doces e meigas flores,
tão ternas e tão belas e tão coloridas
e tão cheias de poesias...
Eu nunca quis
me encantar com elas;
elas duram pouco
e eu estou cansado de sofrer
com perdas inesperadas
(eu não quero por ora dizer adeus).


Ando me aninhando com ilusões vagarentas
porque sei que morrerei primeiro;
o caminhar delas me ilude fazendo pensar
que o tempo é lento e que a vida é longa.


Assim sob a luz indo e vindo
entre a entrada e a saída do túnel
vou reiniciando sempre
e iludindo o fim
que me hipnotizou
pelo resto da vida
(por ora, e só por ora, não posso dizer adeus).

sábado, 15 de agosto de 2020

Sem tempo

Por Meriam Lazaro




Sem tempo para a poesia
Já não tenho nenhum laço,
Essa ausência me angustia
E em cinzas me desfaço.


No palco da alegria
Da ribalta há o palhaço,
Sem riso e sem magia,
No rosto, amargo traço.


Deságuo sem calmaria
Nesta maré de mormaço,
Troco o pão por fantasia
E adormeço de cansaço.


Imploro à Virgem Maria
Que me leve em Seus braços,
Antes que esta agonia
Tome a ternura por aço.


Não choro noite nem dia,
Indiferente eu me faço.
Estranho a travessia
Que sigo passo por passo.