quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Se joga

Por Fabio Ramos




falam de lugares


onde
você jamais


pisou


(...)


falam
de experiências


que
você
nunca teve


(...)


e
falam
de
pessoas


que
você
não encontra


(...)


se


os
relatos


(são suficientes)


that's all
right


mama


(...)


no
entanto


se
a pulga
resolve coçar


fale
você:


suas malas já


estão
feitas?


(...)


um
vendaval
na


rotina


é
o
que


planejas?


(...)


tu
vais


encarar teus


receios
de


frente?

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

O ópio do povo

Por Denise Fernandes




No colegial, que agora é chamado de secundário, estudei numa escola onde havia vários professores de esquerda. Eles nos davam a visão marxista da realidade; que sempre se opunha à visão da direita. Um dia, numa discussão qualquer, um deles me disse: "O futebol é o ópio do povo". Achei a frase forte, e perguntei o porquê. O professor me disse que o futebol amortecia e dopava as massas de sua consciência social. Fiquei com aquilo na cabeça. Ele era o professor, não tinha elementos para contestar. Tinha na cabeça a imagem do meu pai e do meu tio assistindo, muito felizes, os jogos do Palmeiras e do Brasil. Eles colocavam a televisão no quintal. Naquele tempo, não havia os cabos da televisão paga. Os dois com cervejinha na mão. E nós, com os petiscos que roubávamos. Se aquilo era o ópio, era bom demais.

Quando me separei do meu primeiro marido, achei que nunca mais veria uma partida. Meu filho Lucas tinha seis meses de idade. Certa vez, ele estava inquieto. Não sabendo como acalmá-lo, liguei a televisão. Passava um jogo de futebol. Ele ficou quietinho na hora, e ficamos lá assistindo. Na época, eu entendia daquilo tanto quanto ele. Ao completar um ano, contratei o filho da vizinha como babá. O garoto tinha dezesseis anos e jogava futebol. Enquanto ficava com o Lucas, começou a treiná-lo. Com um ano e meio, meu filho chutava bem a bola, e cabeceava. A gente ria com as proezas do Lucas, e o babá ficava orgulhoso. Uma ótima lembrança!

Depois foram várias escolinhas de futebol, campeonatos da escola, uma turma que meu filho tinha pra jogar bola. Jogos dentro de casa, na vila em que moramos. Aquele cheiro gostoso de criança suada, as bochechas vermelhas, vários copos d'água. Teve dias que ele jogava bola o dia inteiro. Aprendi a comentar os jogos com outros pais. Geralmente eram os pais que acompanhavam os meninos, mas tinha eu e mais duas mães que executávamos essa deliciosa função. Torcer, aprender com a derrota. Demorei para entender o que era escanteio.

A consciência das massas só cresce com o futebol. Com a bola rolando, com a arte do drible, com o time unido, com o resultado esperado (e com o inesperado), com a competição saudável, com a garra da corrida.

Amantes da cerveja, os intelectuais de esquerda não percebem que o ópio do povo é o álcool, e tantas outras drogas que existem agora. Mas também não são essas que obstruem a consciência do povo. Até por que essa consciência existe. Conversando com moradores de rua, com moradores da favela, você percebe que eles estão conscientes de sua situação. A consciência falta é nos intelectuais de esquerda que, fechados em suas máximas, se esquecem de conversar com as pessoas que eles julgam defender.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

de afogamentos

Por Ana Paula Perissé




                                          São águas de navegar,
                                          águas de afogar
                                          em marés sombrias
                                          a apaziguar símbolos


                                          afogo-me ou me navego?


                                          em águas claras
                                          que reluzem à sombra
                                          de 1 retina
                                          que vê
                                          soluços de espumas
                                          ao sol radiante


                                          (ardente e pulmonar)


                                          1 embarcação à espreita
                                          do resgate ao pó.

domingo, 25 de fevereiro de 2018

Os olhos vivos dela

Por Oswaldo Antônio Begiato




Ela amava aquele homem
Intensamente.


Passou a vida inteira
Sem nada dizer a ele
Nem a ninguém.


A vida inteira
Lavou sua roupa,
Alvejou,
Engomou,
Passou...
E cuidou do vinco
e do vínculo.


A vida inteira
Preparou sua comida,
Escolheu,
Temperou,
Cozinhou...
E conservou a louça
e os laços.


A vida inteira
Cortou suas unhas,
Limpou,
Lixou,
Beijou...
E as recolheu nas entranhas,
às vezes estranhas.


A vida inteira
Amou aquele homem
Sem nada dizer a ele
Nem a ninguém.


Contudo,
manteve,
a vida inteira,
os olhos vivos
onde se podia ler
a mais bela
declaração de amor.


E quando ele morreu,
de velho,
Ela morreu em seguida,
de saudades.


Ainda tinha os olhos vivos.

sábado, 24 de fevereiro de 2018

Pessoa

Por Meriam Lazaro




Hoje sei
E não sei Pessoa!
Só sei palavra, sei fato...
Vaticínio que ousei
Ser do termo adeus o parto.
Quantos Poetas saudei
Com verso branco inato?!
Oceano não singrei,
Mas surfei onda pequena...
Lá na areia escreverei pra valer
Do berço a pena.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Na espera

Por Nana Yamada




Na espera eu fico
Fico a contar as horas
Horas que parecem não passar
Passar correndo
Correndo sempre
Sempre do mesmo jeito
Jeito que é tão eu
Eu que não imaginava
Imaginava sua existência
Existência que tanto acreditei
Acreditei sempre nessa espera

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Definição de petulância

Por Fabio Ramos




os
mistérios


recebem esse nome


por uma
razão


(e o barro)


quer
saber


ONDE
COMO
e QUANDO


(...)


tal
ambição


é
mania
de grandeza:


insta


e
não
se convence


exige


e
não


se curva


(...)


sendo
assim


a quem enganarás?


acesso
ao


livro da vida


não
terás


(também pudera)


pois lhe
falta


humildade


U
M
A


carência
de


(virtude)


e
nenhum
vestígio de santidade

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Latidos

Por Denise Fernandes




Um dia desses, fiz uma amiga nova. Ela tem trinta anos. Estou com quase cinquenta e dois anos de idade, e adoro fazer amizades com pessoas diferentes.

Ela desabafou: "Se minha mãe me tratasse como trata o cachorro dela, eu seria a pessoa mais feliz do mundo". Acho isso muito triste. E talvez a situação esteja se tornando mais comum do que possamos imaginar.

No bairro onde moro, inúmeros negócios abriram e faliram nos últimos anos. Os empreendimentos voltados para animais só prosperam  inclusive, inauguraram uma padaria para cães e gatos!

Outro fato que venho observando, de uns cinco anos para cá, é você perguntar se a pessoa tem filhos, e ela responder que tem um cachorro. Alguns ainda dizem que é quase a mesma coisa. É tão comum esse tipo de afirmativa, que tem horas que prefiro me calar. Mas, às vezes, a indignação me toma e digo que não. Definitivamente, não é a mesma coisa. Uma idiota observou que era porque eu não conhecia o cachorro dela. Uso a astrologia para comentar o absurdo: são casas astrológicas diferentes. Animais domésticos estão na sexta casa da astrologia e filhos estão na quinta casa da astrologia (a mesma casa do amor).

Filhos você cria, ama, se descobre através deles. Animais domésticos você apenas cuida. Pode até cuidar com amor, mas nada se compara com a raiz profunda que é ativada quando se tem um filho.

Comparar cachorros e filhos reflete a situação catastrófica que nossa sociedade está vivendo; de falta de amor e de coragem.

No lambe-lambe desenfreado do cachorro, que chamamos carinho, se esconde uma necessidade por alimento e afago. Cachorros podem aprender até cem palavras, dizem os livros de psicologia animal. Seres humanos podem criar uma linguagem nova. Mas o que aconteceu com os indivíduos que têm um cachorro, mas não um filho? Que colapso de valores são esses?

Peitos de silicone, cirurgias no estômago (para lutar contra a obesidade), pessoas que não se falam e só olham para o celular.

A última vez que fui ao parque da Aclimação, fiquei chocada. A criança no colo da mãe, olhando ao redor, impossibilitada de se movimentar e a mãe digitando sem parar no celular. Que dó! Fico desconsolada pela mãe e pela criança. Ela está perdendo o tempo de levar seu filho no escorregador, de ensinar a fazer bolinho de areia, de rir com seu filho, de sorrir para ele, de consolá-lo quando se machuca.

Fico triste por que fui infinitamente feliz cuidando dos meus filhos: levando ao parque, buscando na escola, lendo histórias antes de dormir, comendo com eles. Essa felicidade infinita. E só de pensar que outros seres humanos não vão experimentar isso, me dá tristeza.

Sinto-me ofendida com a comparação entre seres humanos e cães/gatos. Já tive vários bichos de estimação. Sinto-me ofendida até pelos animais, que são desrespeitados em sua natureza peculiar.

O que está acontecendo com nossa sociedade? Minha cachorra dorme tranquila, enquanto eu fico preocupada.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

luto

Por Ana Paula Perissé




                                       de todos os escombros
                                       restou-me
                                       1´orquídea delicada
                                       mas furiosa.


                                       de todos os restos
                                       ficou-me
                                       1´esfregaço de esperanças
                                       limítrofes.


                                       1´sombra míope
                                       de múltiplas montanhas
                                       abruptas de memórias e quedas.


                                       e 1´balada folk do Neil Young
                                       com uma lua em dor
                                       por sobre minha cama.