sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Crônica de aniversário

Por Mayanna Velame




Algum bloco se aproxima na esquina. Meu coração, progressivamente, entra num ritmo desenfreado. Os tambores rufam. Sobre a cama, o corpo já manifesta os primeiros sinais de cansaço. Ontem, eu me via como criança, Hoje, a vida supera três décadas de existência. A vitalidade ainda persiste, embora mais limitada.


O peso das circunstâncias é inevitável, bem como a reflexão dos fatos (que poderiam ter sido e não foram). Das reminiscências que residem, lembro-me das primeiras paixonites e, mais do que isso, resgato a esperança do amor que ainda cultivo  mesmo que seja, apenas, uma pontinha de doce ilusão.


Parece que vivemos meditando: construímos nossa memória e refletimos a respeito do que fomos e somos.


Os tambores rufam. Meus olhos, penosamente, se abrem para o mundo. Ao redor, o quarto e suas paredes. No teto, o tabique é ladeado por teias de aranha. Na minha mente, fantasias que insisto em colori-las com purpurinas e confetes.


Levanto-me morosa. Pressinto a vida passeando entre ladeiras, avenidas e alamedas. O bloco de carnaval alcança a janela do quarto. Curiosa, afasto as cortinas. Pessoas cantam, a felicidade também é hino. Muito brilho e serpentina. Os passos são executados em extrema sincronia. Gritos, sussurros, harmonia, êxtase. Rostos úmidos exibem máscaras de vulnerabilidade. Sorrisos plastificados.


Não me concentro naquilo que cantam. Minha melodia é silenciosa. Ela se apresenta apenas no calendário; exibindo minha data de aniversário. Completar anos, durante o carnaval, é um misto de melancolia e gozo. Antíteses que nos assolam...


Os foliões seguem felizes. Avançarão madrugada adentro, até serem vencidos pela fadiga. Enquanto isso, o bloco desfila, embriagado com o batuque da bateria. Meus ouvidos acompanham tudo. Por fim, o som estridente tornou-se remoto. O ruído está solto na cidade.

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