terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Latidos

Por Denise Fernandes




Um dia desses, fiz uma amiga nova. Ela tem trinta anos. Estou com quase cinquenta e dois anos de idade, e adoro fazer amizades com pessoas diferentes.

Ela desabafou: "Se minha mãe me tratasse como trata o cachorro dela, eu seria a pessoa mais feliz do mundo". Acho isso muito triste. E talvez a situação esteja se tornando mais comum do que possamos imaginar.

No bairro onde moro, inúmeros negócios abriram e faliram nos últimos anos. Os empreendimentos voltados para animais só prosperam  inclusive, inauguraram uma padaria para cães e gatos!

Outro fato que venho observando, de uns cinco anos para cá, é você perguntar se a pessoa tem filhos, e ela responder que tem um cachorro. Alguns ainda dizem que é quase a mesma coisa. É tão comum esse tipo de afirmativa, que tem horas que prefiro me calar. Mas, às vezes, a indignação me toma e digo que não. Definitivamente, não é a mesma coisa. Uma idiota observou que era porque eu não conhecia o cachorro dela. Uso a astrologia para comentar o absurdo: são casas astrológicas diferentes. Animais domésticos estão na sexta casa da astrologia e filhos estão na quinta casa da astrologia (a mesma casa do amor).

Filhos você cria, ama, se descobre através deles. Animais domésticos você apenas cuida. Pode até cuidar com amor, mas nada se compara com a raiz profunda que é ativada quando se tem um filho.

Comparar cachorros e filhos reflete a situação catastrófica que nossa sociedade está vivendo; de falta de amor e de coragem.

No lambe-lambe desenfreado do cachorro, que chamamos carinho, se esconde uma necessidade por alimento e afago. Cachorros podem aprender até cem palavras, dizem os livros de psicologia animal. Seres humanos podem criar uma linguagem nova. Mas o que aconteceu com os indivíduos que têm um cachorro, mas não um filho? Que colapso de valores são esses?

Peitos de silicone, cirurgias no estômago (para lutar contra a obesidade), pessoas que não se falam e só olham para o celular.

A última vez que fui ao parque da Aclimação, fiquei chocada. A criança no colo da mãe, olhando ao redor, impossibilitada de se movimentar e a mãe digitando sem parar no celular. Que dó! Fico desconsolada pela mãe e pela criança. Ela está perdendo o tempo de levar seu filho no escorregador, de ensinar a fazer bolinho de areia, de rir com seu filho, de sorrir para ele, de consolá-lo quando se machuca.

Fico triste por que fui infinitamente feliz cuidando dos meus filhos: levando ao parque, buscando na escola, lendo histórias antes de dormir, comendo com eles. Essa felicidade infinita. E só de pensar que outros seres humanos não vão experimentar isso, me dá tristeza.

Sinto-me ofendida com a comparação entre seres humanos e cães/gatos. Já tive vários bichos de estimação. Sinto-me ofendida até pelos animais, que são desrespeitados em sua natureza peculiar.

O que está acontecendo com nossa sociedade? Minha cachorra dorme tranquila, enquanto eu fico preocupada.

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