sábado, 30 de abril de 2016

Uma mensagem na garrafa

Por Meriam Lazaro




Ano XVI da era espacial milênio. Num meteoro qualquer, de uma galáxia percebida como ponto cego (que era uma forma de dizer “não vi, logo, não existe”), dois garotos descobriram uma praia. Nessa praia não havia água mas, ainda assim, era um local bonito – pela memória de que, em algum momento, havia sido banhada pelas ondas, sacudida pelos ventos, e marcada por patas de animais.


Barba Negra e Peter Pan (eles recebiam nomes diferentes a cada dia, conforme a brincadeira) lutavam com espadas de raio. Barba Negra usava um tapa-olho roxo, para combinar com a luz que vinha de sua arma. Já Peter Pan tinha um óculos de sol espelhado; que o protegia do brilho branco de sua espada.


Foi ali, entre os seixos, que avistaram um objeto desconhecido para eles. Estava escrito no lado externo: ABRA SEM VER. É como eu havia explicado: naquele meteoro, o que não era visto não existia. Isso os levou ao impasse: como abrir sem ver? Como ver sem abrir? Não era para ver no momento de abrir? Ou não era para ver o que havia dentro?


Eles descendiam dos antigos "Minions" de um só olho. Com a evolução, o olho daquela espécie não fechava nem piscava, pois não necessitava disso para dormir; e nem existia vento que o ressecasse. Como eram bons garotos, levaram a garrafa (só nós sabemos que era uma garrafa) para ser analisada pelos demais habitantes.


Encurtando a prosa, eu informo: por conta da especulação do que as três palavras significavam – e sem desrespeitar a norma do “não vi, logo, não existe” – , esse povo foi encontrado no ano MMM ainda tentando compreender (sem ver) o que havia dentro da garrafa.

sexta-feira, 29 de abril de 2016

Da janela do meu apartamento

Por Mayanna Velame




Da janela do meu apartamento
Vejo teu sorriso, vejo teu tormento.
Avisto o mundo e seu descontentamento.


Entre ruídos e buzinas
Luzes cintilam
E antenas de tevê
Nos sintonizam para quê?


Carros importados
Maiores e menores abandonados
Correm e choram por quê?


Se,
No horizonte,
Aviões seguem distante
Para o nunca mais.
Somos, apenas, como navios
Em busca de sossego, em busca de cais.


Nesta cidade que finge dormir
Para sonhar com um pouco de paz.

quinta-feira, 28 de abril de 2016

Luz Interior

Por Daniella Caruso Gandra




Vou me reciclar para reutilizar-me
nas bases sólidas, sem o imaginário a me povoar.


Isto porque me apliquei um veredicto:
Descristalizar-me por completo,
num ensejo de diminuir
o ritmo...


Enverguei por fora,
e, agora, recolho-me por dentro.


Faz todo sentido...
Tal como uma legítima conversão
à minha alma.


Numa rogativa, genuinamente íntima,
tão minha, só minha...


Nego-me, por ora, qualquer expansão,
expressão mais excessiva,
pra manter a linha (ainda não rompida).


É a notoriedade cumprida,
longe de ser embuste, ou ramificação minha,
mas o rigor das raízes vividas.

quarta-feira, 27 de abril de 2016

Servidão Plena

Por Fabio Ramos
 

 
 
outros
ao volante


e tu
como passageira
contemplas
a
viagem
do banco de
trás


(indefinidamente)


até
quando
minha senhora


o
barro
será modelado
por
terceiros?


as
rédeas
permanecerão
frouxas
?


o silêncio
vai
acatar?
 

terça-feira, 26 de abril de 2016

Esquecer

Por Denise Fernandes




ácido ar

quase um clima

entre nós

insuportável.

vontade de sair correndo

mas para onde?

caminhos que se dividem

e eu sem saber o rumo

paixão furacão raios trovão

debaixo da ponte

o casal parece feliz em meio à sujeira

penso no trepidar do asfalto

no barulho infernal dos carros

e quase não escuto mais

as lembranças que me torturam

a poesia.

segunda-feira, 25 de abril de 2016

sem título porque entre tempos´e dores

Por Ana Paula Perissé




                                   e tudo que deveria ter sido
                                   acto
                                   jaz no pretérito
                                   tão imperfecto
                                   dos sonhos despencados -
                                   1´acaso abrupto



                                   como imperfeição de tempo
                                   desejado mas sem sê-lo
                                   há esperança em palavra
                                   impronunciável
                                   porque
                                   sem reverber-acção
                                   é póstuma.



                                   e
                                   é o que se foi
                                   hoje
                                   um assombro de vida
                                   por ora
                                   morta
                                   mas tão hoje
                                   quanto o vívido desejo de outrora
                                   que jaz amorfo
                                   em tempo límpido´ocre
                                   eras errantes
                                   meta´tempos:
                                   transdoloridos ipês.



                                   nunca se fez ou se fará
                                   o feito de há pouco.
                                   entre tempos
                                   há duas
                                   morta mas parida de si
                                   ainda assim



                                   (dança de mortos e vivos
                                   túmulos semi´abertos
                                   plenos de fúria)



                                   há mato e mato
                                   há viajar
                                   (só)



                                   (1´parede de textura pálida
                                   que morre
                                   agora)

domingo, 24 de abril de 2016

sábado, 23 de abril de 2016

Precisamos falar sobre Dodô

Por Meriam Lazaro




O título é uma “roubadinha” de “Precisamos falar sobre Kevin” – filme (já assistido) baseado no livro (ainda não lido) de Lionel Shiver. Narra a história de um adolescente, assassino em série, sob o ponto de vista de sua mãe. Embora estranhasse o comportamento da criança, desde pequena, ela não conseguia falar a respeito com o pai, e nem fazer nada para mudar o rumo sinistro da história do filho.


Disse “roubadinha” porque assisti à panaceia no domingo passado. Pareceu-me que o furto, quando “institucionalizado”, não é crime grave (e nem pecado, pois Deus foi citado pelos meliantes). Quem não estiver lembrado, veja o discurso do autor do Processo de Impedimento para constatar que “por dinheiro no bolso, furtar um pedaço de dinheiro” não é nada, se comparado a surrupiar a esperança e expectativa de futuro.


O furto institucionalizado é também conhecido como corrupção, mas se isso não é tão grave, nas palavras do Dr. Miguel Reale Júnior, deduzo que o Malvado Favorito de muitos não sofrerá qualquer sanção por ter contas na Suíça. Na verdade, esse senhor – que nem merece ser citado aqui – foi processado por ocultar a posse de dinheiro na Suíça; mentira facilmente perdoável porque ninguém é obrigado a criar prova contra si. Além disso, para inúmeras colunas vertebrais marchando por aí, ele devolveu a esperança verde e amarela.


Mas quem será Dodô? Dodô era uma ave, hoje extinta, que aparece nas aventuras de “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carroll. O título deste texto poderia ser “Precisamos falar sobre voto vencido”.


Já que estamos tão internacionais, eu proponho (num arroubo de desesperança) que o voto passe a ser facultativo para toda a população; e não apenas para idosos, analfabetos e jovens entre 16 e 18 anos. Se a representação política é uma falácia, nem precisaríamos ir às urnas para votar em branco e/ou anular o voto. E que ninguém me venha falar que, com isso, estaríamos abrindo mão da democracia sem explicar, muito bem, o que está dizendo! Que Democracia? Aquela que está indo para o ralo para metade da nação de voto vencido? Ou aquela que ressurge, clandestinamente, naquele país que passou a ser chamado, lá fora, de Republiqueta das Bananas?

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Exame de Politicagem

Por Mayanna Velame




Assinale a alternativa correta, de acordo com sua leitura de mundo em relação à politicagem brasileira:


1. Qual o objetivo de determinados grupos políticos ao exercerem seus cargos como “Representantes do povo”?


a) Enriquecer seus respectivos partidos.
b) Desviar dinheiro público com muito cinismo e sagacidade.
c) Sempre almejar o poder, usufruindo de todas as regalias possíveis.
d) ESQUECER do povo brasileiro.
e) Todas as alternativas estão corretas, além daquelas que estão em suas subjacências.

quinta-feira, 21 de abril de 2016

A Criar Raízes

Por Daniella Caruso Gandra




Hoje me abracei nos detalhes de mim que atentei,
tratei de arranjar belezas pro pomar do futuro,
relativizar as reservas que em mim fizeram névoas,
pra não me murchar e nem trazer trevas.


Estive também com gente de peito (de coração batendo),
trocamos ternuras e silêncios animadores,
e já na hora de partir, percebi que muito de mim estava ali,
regando, quando na boca fica aquele gosto seco...

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Um Presságio

Por Fabio Ramos
 

 
 
diante
do
empasse


(brecou)


no
meio
da berlinda


(viu)


entre queixas
e reclames


a
honra
de cada qual
em atos


(...)


pés
não fincam
raízes
ali


um lugar
será
revelado


teu
único juiz
indica
outras veredas


conforme
o anjo
lhe
soprou

terça-feira, 19 de abril de 2016

Campeonato de chulé

Por Denise Fernandes




Ontem eu chorei com saudades da infância. Saudades do campeonato de chulé, do campeonato de peido. Saudades de rir muito. Na tarde quente, saudades de escorregar no quintal (que tinha um declive), depois de minha mãe lavar. Aquele cheirinho de sabão em pó, e a barriga ardendo das batidas no chão. A gente vinha correndo e se jogava. Escorregar na água era tão bom.

Naquele tempo, não havia crise hídrica. Havia crise do petróleo. Sempre penso no inferno como um lugar transbordando óleo negro – embora Dante nada mencione a respeito, nem tampouco os espíritos que de lá provêm. Mas imagino assim: petróleo, muitas baratas e ratos nas trevas.

O Facebook diz que não estou atualizando a rede. Mas que fazer se, para mim, o tempo passa diferente? Talvez por eu me preocupar mais com os trânsitos de Plutão que com os preços da feira. Sinto preguiça de clicar.

O país vai mal? Como? Algum dia ele foi bem? E será que isso importa? Com toda a distância humana, a alma é sempre estrangeira (até mesmo em seu próprio território).

Saudades das temperaturas da infância, dos cheiros da comida de mamãe, das risadas dos meus irmãos. Saudades deles caçoando de mim. Como é que a gente pode gostar de ser caçoado? A gente é estranho. Pensar só no país é pouco. Porque até as nuvens importam mais que o país. As nuvens selvagens me dizem oi.

Acho que, hoje, eu ganharia o campeonato de chulé. Deve ser o calor. Ou o tipo do sapato. Acredito que certos indivíduos não têm chulé, mas não sou desse tipo. Nunca fui um tipo de pessoa muito fácil.

Às vésperas dos meus cinquenta anos, parei de pintar os cabelos. Melhor encarar de frente o que é assustador. Sonhava eu ser Perseu, enfrentando a Medusa. Preferia ser herói a princesa; mas isso não é inveja do pênis, simplesmente. É uma expressão de coragem.

Tem gente triste em qualquer lugar do mundo, a todo momento. Penso bastante nisso. Quem sabe encontrei o melhor jeito de orar.

Avisaram-me: quando a gente fica velho, tem saudades da infância. Sempre soube disso, mas agora – que realmente está acontecendo – me dá vontade de chorar. Percebo que não tenho com quem brincar e que possuo mil anos; embora os documentos digam que é quase cinquenta.

Com sorte, ficarei emocionada só de olhar os bebês na rua. O amor que sinto por eles vai me incendiar (quando ficar ainda mais velha).

Talvez olhando para meus cabelos brancos, eu aceite o que o Tempo está me dando.

segunda-feira, 18 de abril de 2016

picadeiros marítimos

Por Ana Paula Perissé




                                        havia 1´só seio
                                        naquela montanha
                                        róseo
                                        mas pálido
                                        a escutar meus dedos
                                        em desejos vastos,
                                        idos



                                        (tem gente e geografia
                                        esquálidas
                                        de mundo)



                                        à procura de 1´partícula
                                        poéticamorta
                                        sem latência
                                        te ouvi em meus
                                        vazios
                                        inchados;



                                        pulsante´árida
                                        turva
                                        ante picadeiros marítimos.



                                        (há 1´espécie de
                                        virtú
                                        nos descaminhos
                                        de outrora
                                        ou 1`acorde dodecafônico
                                        que só se faz tocado
                                        quando a platéia foge)

domingo, 17 de abril de 2016

Chamas

Por Oswaldo Antônio Begiato




Dentro desta tua alma rebelde
As coisas se desentendem meigamente.


Mentiras se tornam verdades
E aí me chamas de exagerado;
Verdades se tornam mentiras
E aí me chamas de incrédulo.


Sonhos se tornam realidade
E aí me chamas de herói;
Realidade se torna sonhos
E aí me chamas de caduco.


Impossíveis se tornam palpáveis
E aí me chamas de mago;
Possíveis se tornam derrotas
E aí me chamas de volúvel.


Solidão se torna presenças
E aí me chamas de enamorado;
Presenças se tornam despedidas
E aí me chamas de desertor.


Negações se tornam ofertas
E aí me chamas de pródigo;
Generosidades se tornam negação
E aí me chamas de avarento.


E quando delicadamente te tornas mulher
Me chamas... Apenas me chamas...
E me amantas. E me amas. Femininamente!

sábado, 16 de abril de 2016

Silêncio

Por Meriam Lazaro




A árvore, sem palavras, aponta ao céu.
Galhos nus, lembram ao verde ondulante,
Que ainda servem de pouso...
Senão aos pássaros, aos olhos cobiçosos
De quem nunca voou.
Vai a tarde sem o embaraço da chuva.
Um pedacinho de arco-íris brinca de esconde-esconde
Por trás dos prédios altos.
Velozes, o trem, as luzes, chegam a termo.
Espiam, ao longe, o fechar de janelas que a noite silenciou.

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Português amoroso XXVIII

Por Mayanna Velame




Antes,
nosso romance
era escrito minuciosamente
no caderno de caligrafia.


No entanto,
nas entrelinhas do tempo,
nosso folhetim amoroso
agora é redigido
em caderno sem pauta.
Com letras ilegíveis e tortuosas.

quinta-feira, 14 de abril de 2016

Decurso

Por Daniella Caruso Gandra




Todos têm sua chance
Poucos a fazem relevante
Muitos carecem do crucial
Relativizam o bem
Generalizam o mal
Cabe aqui agora o curso normal...

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Redenção

Por Fabio Ramos
 
 
 
 
uma rosa
entre
os
dedos


na
ânsia
do pedido


(...)


vim
buscar
minha glória


pois
reconheço
que
ainda
(por dentro)
lancina


(...)


brisa
a
remanejar
folhas
e
dissabores


de uma rainha
sem trono


de
uma flor
sem
primavera

terça-feira, 12 de abril de 2016

COR AÇÃO

Por Denise Fernandes




coração atropelado

enganado

machucado

magoado

assustado

lotado

tardiamente doado

e mal amado

mesmo assim amado

antes só

que assim acompanhado

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Simples Epifania Morena

Por Ana Paula Perissé




                                       num murmúrio de olhar
                                       a dança da areia
                                       em dunas brincantes



                                       (embriaguez de pó e vertigem)


                                       e foi quando soube
                                       em efêmero momento
                                       tão duradouro
                                       que havia semente
                                       de amor meu
                                       naquela restinga



                                       que conhecia os ventos
                                       à maré cheia
                                       de hibiscus
                                       em camadas
                                       rosadas.



                                       (deste janeiro
                                       guardo-te
                                       1´só dia
                                       de encontro
                                       em maresia morena)

domingo, 10 de abril de 2016

sábado, 9 de abril de 2016

A Folha

Por Meriam Lazaro




A folha verde oliva,
tão altiva lá no galho,
para prensa é colhida
pelos dedos do moleiro,
ou em queda, atraída,
pelo vento traiçoeiro!
Hoje é folha ressequida,
que com sal, pimenta e alho
enche de sabor a vida...
Mostra, o voo derradeiro,
que saber da despedida,
dá ao hoje, outro tempero.

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Tempestade vespertina

Por Mayanna Velame




E quando a chuva
se distrai em mim,
transformo seus pingos
em palavras.
E faço da tempestade vespertina
poesia solta e estridente.