Por Denise
Fernandes
Ontem eu
chorei com saudades da infância. Saudades do campeonato de chulé, do campeonato
de peido. Saudades de rir muito. Na tarde quente, saudades de escorregar no
quintal (que tinha um declive), depois de minha mãe lavar. Aquele cheirinho de
sabão em pó, e a barriga ardendo das batidas no chão. A gente vinha correndo e
se jogava. Escorregar na água era tão bom.
Naquele
tempo, não havia crise hídrica. Havia crise do petróleo. Sempre penso no
inferno como um lugar transbordando óleo negro – embora Dante nada mencione a
respeito, nem tampouco os espíritos que de lá provêm. Mas imagino assim: petróleo,
muitas baratas e ratos nas trevas.
O Facebook
diz que não estou atualizando a rede. Mas que fazer se, para mim, o tempo passa
diferente? Talvez por eu me preocupar mais com os trânsitos de Plutão que com
os preços da feira. Sinto preguiça de clicar.
O país vai
mal? Como? Algum dia ele foi bem? E será que isso importa? Com toda a distância
humana, a alma é sempre estrangeira (até mesmo em seu próprio território).
Saudades
das temperaturas da infância, dos cheiros da comida de mamãe, das risadas dos
meus irmãos. Saudades deles caçoando de mim. Como é que a gente pode gostar de
ser caçoado? A gente é estranho. Pensar só no país é pouco. Porque até as
nuvens importam mais que o país. As nuvens selvagens me dizem oi.
Acho que, hoje,
eu ganharia o campeonato de chulé. Deve ser o calor. Ou o tipo do sapato. Acredito
que certos indivíduos não têm chulé, mas não sou desse tipo. Nunca fui um tipo
de pessoa muito fácil.
Às vésperas
dos meus cinquenta anos, parei de pintar os cabelos. Melhor encarar de frente o
que é assustador. Sonhava eu ser Perseu, enfrentando a Medusa. Preferia ser herói
a princesa; mas isso não é inveja do pênis, simplesmente. É uma expressão de coragem.
Tem gente
triste em qualquer lugar do mundo, a todo momento. Penso bastante nisso. Quem
sabe encontrei o melhor jeito de orar.
Avisaram-me:
quando a gente fica velho, tem saudades da infância. Sempre soube disso, mas
agora – que realmente está acontecendo – me dá vontade de chorar. Percebo que
não tenho com quem brincar e que possuo mil anos; embora os documentos digam
que é quase cinquenta.
Com sorte, ficarei
emocionada só de olhar os bebês na rua. O amor que sinto por eles vai me
incendiar (quando ficar ainda mais velha).
Talvez
olhando para meus cabelos brancos, eu aceite o que o Tempo está me
dando.
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