terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

O ópio do povo

Por Denise Fernandes




No colegial, que agora é chamado de secundário, estudei numa escola onde havia vários professores de esquerda. Eles nos davam a visão marxista da realidade; que sempre se opunha à visão da direita. Um dia, numa discussão qualquer, um deles me disse: "O futebol é o ópio do povo". Achei a frase forte, e perguntei o porquê. O professor me disse que o futebol amortecia e dopava as massas de sua consciência social. Fiquei com aquilo na cabeça. Ele era o professor, não tinha elementos para contestar. Tinha na cabeça a imagem do meu pai e do meu tio assistindo, muito felizes, os jogos do Palmeiras e do Brasil. Eles colocavam a televisão no quintal. Naquele tempo, não havia os cabos da televisão paga. Os dois com cervejinha na mão. E nós, com os petiscos que roubávamos. Se aquilo era o ópio, era bom demais.

Quando me separei do meu primeiro marido, achei que nunca mais veria uma partida. Meu filho Lucas tinha seis meses de idade. Certa vez, ele estava inquieto. Não sabendo como acalmá-lo, liguei a televisão. Passava um jogo de futebol. Ele ficou quietinho na hora, e ficamos lá assistindo. Na época, eu entendia daquilo tanto quanto ele. Ao completar um ano, contratei o filho da vizinha como babá. O garoto tinha dezesseis anos e jogava futebol. Enquanto ficava com o Lucas, começou a treiná-lo. Com um ano e meio, meu filho chutava bem a bola, e cabeceava. A gente ria com as proezas do Lucas, e o babá ficava orgulhoso. Uma ótima lembrança!

Depois foram várias escolinhas de futebol, campeonatos da escola, uma turma que meu filho tinha pra jogar bola. Jogos dentro de casa, na vila em que moramos. Aquele cheiro gostoso de criança suada, as bochechas vermelhas, vários copos d'água. Teve dias que ele jogava bola o dia inteiro. Aprendi a comentar os jogos com outros pais. Geralmente eram os pais que acompanhavam os meninos, mas tinha eu e mais duas mães que executávamos essa deliciosa função. Torcer, aprender com a derrota. Demorei para entender o que era escanteio.

A consciência das massas só cresce com o futebol. Com a bola rolando, com a arte do drible, com o time unido, com o resultado esperado (e com o inesperado), com a competição saudável, com a garra da corrida.

Amantes da cerveja, os intelectuais de esquerda não percebem que o ópio do povo é o álcool, e tantas outras drogas que existem agora. Mas também não são essas que obstruem a consciência do povo. Até por que essa consciência existe. Conversando com moradores de rua, com moradores da favela, você percebe que eles estão conscientes de sua situação. A consciência falta é nos intelectuais de esquerda que, fechados em suas máximas, se esquecem de conversar com as pessoas que eles julgam defender.

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