sábado, 18 de fevereiro de 2012

O Consumista de Afetos - Parte 1 de 2

        
Por Flávia Marques


Santiago entrou na cafeteria A Baronesa de olhos atentos, como quem procura a pessoa com quem marcou um encontro. Toda quinta-feira era a mesma coisa: escolhia uma mesa no fundo do salão e observava com seus olhinhos oblíquos, por cima dos pequeninos óculos escuros, o movimento das moças que frequentavam o lugar. Tinha a capacidade de se fazer notar apenas quando era de sua conveniência; habilidade muito útil aos seus planos nada honestos. Quando encontrava a vítima perfeita, passava um pente sobre os cabelos engomados, empurrava os oclinhos com o dedo indicador para perto dos olhos, ajeitava a gravata e partia para o ataque. Convidava-se para sentar com uma desculpa qualquer e discorria sobre algum assunto do universo feminino, geralmente um romance que estivesse na moda, ou o próximo baile dos Gonçalves de Campos Matos. Depois de iniciado o caminho para a cumplicidade, oferecia-se para pagar a conta e, se não fosse atrevimento, acompanhar a senhorita até seu próximo compromisso. Funcionava na maioria das vezes. Depois de alguns dias de corte, todas acabavam no hotel da cidade, um lugar discreto e de serviço decente.
Santiago não era desses conquistadores que se aproveitavam das moças para tirar-lhes o dinheiro. Não! Isso ele tinha de sobra! Seu objetivo era tão somente colher daquelas flores em botão seus primeiros carinhos, e os beijos e amores ainda não maculados pelo toque de outro homem. Gostava de inaugurá-las e acreditava que lhes prestava um excelente serviço. Garantia-lhes que a primeira vez fosse com um grande entendedor do assunto e com uma classe comparada somente aos de dígitos bem maiores que o dele. O rapaz não gostava das profissionais porque seu objetivo principal não era satisfazer-se fisicamente. Na verdade, se alimentava do afeto recebido, sentia-se importante e desejado quando era alvo do mais puro sentimento: o primeiro amor. E vivendo um romance por semana, livrava-se do estorvo que é um compromisso.
Nessa quinta-feira, porém, conheceu Veneranda e apaixonou-se assim que trocaram olhares. Tinha a moça uma pele emprestada de pêssegos, os cabelos ruivos levemente ondulados caíam-lhe pelas costas, soltos, até os quadris. Os olhos eram tão grandes e azuis, que pareciam dois mundos paralelos, postos assim para fazer com que se tenha dúvidas sobre em qual deles se quer viver. E a boca era um convite ao amor. Santiago esqueceu-se de respirar por alguns segundos quando a viu levantar-se e dirigir-se a ele.
- Posso me sentar? – perguntou a menina.
- Claro – respondeu Santiago, pigarreando e esticando o peito.
- Não pude deixar de notar que estava olhando com certa simpatia para mim. Chamo-me Veneranda. E o senhor?
- Santiago. Desculpe-me se dei essa impressão, mas olhava para a rua com certeza, e não para a senhorita.
- Não negue. Sentir-me-ia ofendida.
- Bem, sendo assim, sou obrigado a confessar que me chamastes a atenção. Se me permites dizer, tua beleza...
- Eu sei, minha beleza é também minha maldição. O que é a beleza senão a impressão de que vemos o perfeito quando ele não existe? A beleza é um embuste, meu caro! Ela dura apenas o tempo necessário para te acostumares com ela. Alguns dias comigo e me terás como uma mulher comum.
- Não sei por que, estou começando a duvidar disso.
Veneranda sorriu e abaixou os olhos. Aquele gesto realmente o surpreendeu, pois não combinava com a mulher decidida e desenvolta que se apresentara a ele. Conversaram por mais algumas horas e Santiago jurava que haviam passado apenas alguns minutos. Ao fim desse tempo, Veneranda levantou-se e perguntou:
- Vamos andar um pouco?
Santiago concordou e saíram da cafeteria sem rumo certo. O mistério que envolvia Veneranda fazia com que ele ficasse ainda mais interessado nela. Conversaram durante toda tarde e ele começou a temer que aquele dia chegasse ao fim. Deixava que a moça falasse, na esperança de que se esquecesse da hora de partir. As cinco em ponto, Veneranda dirigiu-se à Santiago e propôs com a naturalidade de quem fala algo trivial:
- Por que não vamos a um hotel?
A proposta deixou Santiago um pouco confuso, mas não era homem de recusar um convite como esse.
- Claro que sim, só não acho que ficaria bem para a senhorita...
- Não se prenda a convenções agora. Por que economizar a vida? Vamos que não tenho tempo para charminhos bobos. 
                             Continua no próximo sábado...

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