terça-feira, 30 de agosto de 2011

Carta a Carlos Drummond de Andrade


Por Denise Fernandes

Querido Carlos:

Tenho na minha mente uma frase de Chico Xavier que já não sei onde ouvi informando que as comunicações espirituais só acontecem do alto para baixo, do plano espiritual para o material ou terreno. Mesmo com essa informação transmitida insisto na mensagem que te escrevo. Porque quem sabe as regras mudam. De tanto a gente insistir aqui “de baixo”, quem sabe o pessoal aí de cima, do paraíso, purgatório ou plano espiritual não passa a responder as mensagens. Já pensou que alívio. Quanta mensagem de mãe, de pai, irmão, e de filhos chegando, de amigos que já se foram. Ia ser uma alforria da alma, pensa só. Por isso insisto. Queria também saber onde você está: no purgatório, no paraíso ou no plano espiritual? Se estiver em outro lugar, pode contar.
Carlos, a situação é grave. Por isso te escrevo. Fala com os outros poetas, avisa que eu imploro. O caso é o seguinte. Quando ela tinha onze anos de idade, ela pendurou no mural dela o seu poema, querido Carlos, os ombros suportam o mundo. Fiquei surpresa. Como? Como aquele poema estava ali? E como os ombros dela suportavam o mundo? Li e reli o poema no mural várias vezes como se uma nova leitura pudesse me revelar algo que eu não soubesse e revelava. Quanto mais lia, mais confusa eu ficava porque ela era muito nova. Onze anos, magrela, o poema brotou de onde? Perguntei o porquê do poema no mural e ela me olhou com aqueles olhos tristes-alegres e aquela expressão de mistério-cumplicidade. Entendi silenciosa que os ombros dela e os seus suportavam o mundo e saber disso me doeu de forma estranha. Talvez eu intimamente soubesse que se os ombros dela suportavam o mundo, talvez um dia ficassem como hoje sem suportar mais, tivessem em si essa revolta louca. Perguntei a ela outro dia o que ela estava querendo agora. E ela me disse simplesmente nada. Mesmo sabendo que nada é super bom, fiquei pasma. Se nem os ombros dela nem os seus suportam mais o mundo, o que será da vida apenas, sem mistificação? Como será esse tempo de absoluta depuração, em que o amor resultou inútil? Sem que vocês suportem o mundo, continuarão as mãos a tecerem o rude trabalho? O mundo pesa muito mais do que a mão de uma criança e os olhos de vocês não querem mais resplandecer nem enormes nem pequenos. Há na ausência um gesto. Vocês já não se importam com o mundo? Os olhos agora choram, inundam os dias e tornam impossíveis as mais simples tarefas. Estou com medo, Carlos. Não é mais a ditadura, mas ainda é, um anjo me falando vai ser gauche na vida. A violência continua dividida em tantas microformas. O caminho está cheio de pedras. E formigas. Ela resolveu parar. Anda por aí sem se importar de fato. Ela está com uma pergunta anterior ao mundo. E você, está no mundo? Ou o mundo em que você está é tão outro mundo que não é mundo? Sem ombros para suportar o mundo, ele se sustenta, Carlos, ou fica absurdo?
Ela não tem mais mural. Por favor, Carlos, escreva-me. É de um outro mural e um outro poema que ela precisa. É como se estivéssemos com uma página em branco na Poesia do Mundo. Essa página em branco é um silêncio entre as palavras que monótonas não parecem mais comprometer. Há um desespero que se renova na humanidade: esperamos uma resposta sua ou você morreu?

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