Por Mayanna Velame
Abri os olhos e me vi só. Observando-me, apenas o relógio
na parede – a registrar a fugacidade do tempo. Mesmo possuída pelo sono e por
minha preguiça diária, levantei-me.
No banheiro escovei os dentes e lavei o rosto. Sorri. O
espelho estampou, sem receio, as marcas que a idade sempre nos deixa.
Tempos depois, na cozinha, tomei um gole de café (na
tentativa frustrada de enganar a fome). Eu tinha fome de quê? Decidi, então,
espiar lá fora. Fazia um dia nublado. O Sol, tímido, despontava como um ponto
opaco no céu.
Pássaros cantavam, carros trafegavam, pessoas caminhavam.
De repente, uma vontade súbita de caminhar pelo mundo. Vesti meu melhor casaco.
Ganhei as ruas. Dobrei esquinas. Subi e desci ladeiras. E, no final, repousei meu
corpo no banco da praça. Crianças brincavam ali. Idosos se divertiam jogando
dominó. Os galhos das árvores balançavam – de acordo com o ritmo do vento. Pardais
e rolinhas bicavam mangas.
A crônica se desenhava para mim. Em cada rosto que me
esquadrinhava, a cada buzina frenética que ecoava. Virei testemunha da vida e a
vida também me testemunhava. Durante alguns minutos, não pensei em mais nada.
Deixei a própria vida pensar e agir por mim.
A tarde se aproximava e, com ela, uma repentina
fome. Deixei a praça e atravessei a rua. Acomodei-me num botequim. Debruçada sobre o balcão, pedi um copo de
refrigerante e um sanduíche de presunto ao garçom. Antes mesmo da primeira mordida,
folheei o jornal que estava ao lado. Entre notícias sangrentas e corrupção, encontro
(no canto da última página) um texto intitulado “Crônica inacabada”. Curiosa, iniciei
a leitura. O texto começava assim: “Abri os
olhos e me vi só. Observando-me, apenas o relógio na parede...”
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