quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Destino e incerteza

Por Amilcar Neves*

 
Difícil dizer o que faria alguém sair de carro de Capivari de Baixo para passar cinco ou seis dias em Curitiba, cidade que não conhece, em que jamais esteve e onde não tem amigos nem parentes. Pior ainda se considerarmos que o sujeito não sai do Sul de Santa Catarina e vai até a capital do Paraná para algum compromisso profissional, familiar ou religioso. Tampouco vai a turismo, cultura, esporte, lazer, educação ou descanso. Vai, simplesmente. Sem imaginar o que haverá de fazer ou enfrentar naqueles altiplanos a mil metros de altitude.
 
Mais intricado ainda se te disserem que esse senhor partiu para semelhante aventura no decorrer de uma semana complicadíssima para o seu escritório de advocacia, levando consigo sua filha amadíssima e a esposa adorada. Para amenizar a situação, convocou os serviços de companhia, guia e intérprete a um sobrinho de quem se diz já ter estado pelo menos por três vezes em cada capital estadual do Brasil.
 
Assim, Jhúlia Osorinha se viu subitamente extraída do seu pacato meio habitual, vendo igualmente os seus quatro anos de idade lançados no miolo ardente e frenético da cidade grande que é Curitiba, juntamente com o pai Júlio Osório, a mãe Thúllyah Osória (da fusão criativa dos nomes dos progenitores tendo nascido o inédito nome da pobre criança) e um sujeito estranho e carrancudo chamado Manoel Osório, apontado como um parente muito influente na capital dos catarinenses e, a partir de agora, também na dos paranaenses.
 
A motivação exclusiva, o fator determinante para a realização da viagem foi um sonho recorrente tido por Júlio Osório durante três noites seguidas, pelo qual sua vida corria extremo perigo no Sul do Estado, devendo procurar salvação em Curitiba, onde haveria de ter muita sorte com uma atitude – jamais explicitada em seu nebuloso mundo onírico – que lá tomaria ao sexto dia.
 
Em cinco dias o quarteto visitou demoradamente quanto "shopping center" houvesse na terra das araucárias, evitando cuidadosamente todo e qualquer museu, teatro, biblioteca e livraria. No sexto dia, por falta de melhor inspiração, iluminação ou sonho, Júlio Osório passou em uma lotérica, apostou em todos os jogos existentes e, aliviado, retornou para Capivari de Baixo.
 
Manoel Osório torce agora por uma bolada para o tio, que lhe prometeu 40% de qualquer prêmio pela ideia salvadora das loterias.

*Conto publicado no jornal "Diário Catarinense" de 22.09.10

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