Por
Rosimeire Soares
Outro
dia, enquanto ouvia uma moça portadora de deficiência física falar de suas
experiências, notei a importância dos olhos. Olhos brilham. Veem o outro, o
corpo do outro, o ser do outro. Olhos veem luz. Não se tratava de uma anomalia
que comprometia seu ir e vir, por isso, talvez, eu não pudesse ser tão sensível
a ponto de perceber sua dor, sua coragem seus medos. Ver para sentir, ouvir
para sentir, viver para sentir...
“O que falta? – ela indaga firmemente. – Se o ser existe na linguagem, como disse o
filósofo, eu existo. Se aquele que pensa existe, eu penso. Mesmo com doces
pensamentos e linguagem cuidadosa, passo despercebida. É na linguagem que
existo como ser inexistente ou será que não me constituo no meu discurso? Não
tenho discurso... Faço uso de discursos que fazem uso de mim. Tenho a anomalia
morfológica que compromete a semântica? Existo ou sou vilã. Que nada, sou
apenas a flor. A flor existe ou as pessoas passam a existir ao perceber a flor,
sentir a flor? Mas ainda assim continuo sem identidade, continuo sem ser um
“eu”, mas vejo flores. E espinhos me furam a alma e mostram minha dura
condição: flor.
A flor continua sendo flor sem uma
pétala? Onde há flor, há vida. E se a vida perdeu uma flor passa ser vida sem
uma flor, mas continua vida. Viva. Flor sem uma pétala continua flor, todavia,
flor que exala mais perfumado, pois há o perfume natural misturado ao quase
imperceptível odor da ruptura com o núcleo. Ainda assim a flor perfuma jardim.
No latente revés, lamenta-se pela pétala. Pétala sem flor é só pétala. Jardim
sem uma flor continua jardim, desde que cuidado, regado, desde que visto e
sentido por alguém.
Uma flor que nunca existiu naquele
jardim, naquele jardim não lhe faz falta, pelo menos não deveria assim fazer. A
beleza estética daquele jardim de forma reluzente e comedida, adoçada e aromatizada,
sem a existência daquela flor, continua beleza, continua estética.
Meu jardim está nos meus olhos. Sou
vida reclamando um sentimento que sequer sabe se existe. Sou vida clamando por
existência. Falta algo em mim ou falto eu para meus olhos; meu perfume, para
meu jardim. Sou a flor, só falta a pétala. Não sou a pétala sem flor. Assim quem
não me nota não conhece flor, não conhece pétala, não tem olhos...”
Quem
tem olhos vê flor. É preciso aprender a ver flor, mesmo que falte uma pétala,
mesmo que faltem olhos.
Nenhum comentário :
Postar um comentário