segunda-feira, 10 de setembro de 2012

A Anomalia da Flor

Por Rosimeire Soares

 

  Outro dia, enquanto ouvia uma moça portadora de deficiência física falar de suas experiências, notei a importância dos olhos. Olhos brilham. Veem o outro, o corpo do outro, o ser do outro. Olhos veem luz. Não se tratava de uma anomalia que comprometia seu ir e vir, por isso, talvez, eu não pudesse ser tão sensível a ponto de perceber sua dor, sua coragem seus medos. Ver para sentir, ouvir para sentir, viver para sentir...

 O que falta? ela indaga firmemente. – Se o ser existe na linguagem, como disse o filósofo, eu existo. Se aquele que pensa existe, eu penso. Mesmo com doces pensamentos e linguagem cuidadosa, passo despercebida. É na linguagem que existo como ser inexistente ou será que não me constituo no meu discurso? Não tenho discurso... Faço uso de discursos que fazem uso de mim. Tenho a anomalia morfológica que compromete a semântica? Existo ou sou vilã. Que nada, sou apenas a flor. A flor existe ou as pessoas passam a existir ao perceber a flor, sentir a flor? Mas ainda assim continuo sem identidade, continuo sem ser um “eu”, mas vejo flores. E espinhos me furam a alma e mostram minha dura condição: flor.

 A flor continua sendo flor sem uma pétala? Onde há flor, há vida. E se a vida perdeu uma flor passa ser vida sem uma flor, mas continua vida. Viva. Flor sem uma pétala continua flor, todavia, flor que exala mais perfumado, pois há o perfume natural misturado ao quase imperceptível odor da ruptura com o núcleo. Ainda assim a flor perfuma jardim. No latente revés, lamenta-se pela pétala. Pétala sem flor é só pétala. Jardim sem uma flor continua jardim, desde que cuidado, regado, desde que visto e sentido por alguém.

Uma flor que nunca existiu naquele jardim, naquele jardim não lhe faz falta, pelo menos não deveria assim fazer. A beleza estética daquele jardim de forma reluzente e comedida, adoçada e aromatizada, sem a existência daquela flor, continua beleza, continua estética.

Meu jardim está nos meus olhos. Sou vida reclamando um sentimento que sequer sabe se existe. Sou vida clamando por existência. Falta algo em mim ou falto eu para meus olhos; meu perfume, para meu jardim. Sou a flor, só falta a pétala. Não sou a pétala sem flor. Assim quem não me nota não conhece flor, não conhece pétala, não tem olhos...”

Quem tem olhos vê flor. É preciso aprender a ver flor, mesmo que falte uma pétala, mesmo que faltem olhos.

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