Por Rosimeire Soares
O
silêncio foi quebrado. O telefone toca. Ele se vira para a janela e ainda pode
observar as luzes acesas no apartamento do vizinho de andar. O barulho é
incessante. O coração bate mais acelerado. Mais acelerado. Parece que está na
garganta. Ele tem certeza de que se alguém o visse nesse instante poderia ver tecido
do jeans da jaqueta pular do lado esquerdo.
Será
ela? Claro que é ela! Quem ligaria para ele às três horas da manhã? Ela
possivelmente supôs que ele perdera o sono e queria consolá-lo. Num ímpeto,
quer atender e ouvir a voz dela. Voz sempre rouca, mansa, suave, sensual. Ela,
possivelmente, diria a ele que foi tudo um grande engano, que está tudo bem. Não,
ela só está curiosa (com pesar, talvez) para saber como ele está, afinal, foram
tantos planos...
O
telefone fixo insiste em tocar. A cada ruído do aparelho, o som parece mais
alto. O prédio está todo ouvindo, por isso precisa atender e acabar com tudo
isso. Mas e se ela só quiser saber como ele está. Ele está mal, muito mal! Se
pudesse apagar essa última tarde de sua vida. Ele ficaria pior se ouvisse a voz
dela a confirmar o que seus olhos viram, o que já sabia.
Ouve
uma buzina lá fora, som de pneu em aderência ao asfalto. A derrapada antecedida
de uma buzinada surgiu no pequeno segundo entre um toque e outro do telefone. É
um sinal, ele precisa atender. Mas e se ela quiser ignorar tudo, continuar como
sempre foi. Ela não faria isso. Ele não poderia aceitar, todavia seu coração
estava desejoso por isso.
Não
poderia viver intensamente os cachos das madeixas dela. Os cabelos cacheados em
harmonia com dois olhos tão pretos. E aqueles lábios...
Com
aqueles lábios, ela fez com que ele a amasse. Com aqueles lábios ela disse a
ele que não é nada da forma que ele viu. Como não? Ele viu, ninguém lhe falou.
Ouviu quando ela declarou amor ao outro. Ele fizera tantos planos, mas o
coração dela fora arrebatado por outro homem. Isso era forte demais. Sua
dignidade, seu orgulho masculino foram feridos. Talvez ela se arrependera. Meu Deus!
Precisa atender. Não. Não pode atender.
O
telefone toca e parece lhe dar uma última chance. É melhor ouvir o que ela tem
a dizer. Ele não tem tempo de pensar. Atende.
O
instante em que segura o aparelho, na altura do peito e decide bruscamente
apertar a pequena tecla com a figura verde é também o instante contemplado do outro
lado para que o indivíduo desistisse da chamada.
Ouve,
então, apenas o som ininterrupto da operadora telefônica, anunciando que a
linha está desocupada. Paira o silêncio. A lágrima acuada, na orla dos olhos,
agora não encontra mais barreira e desce a face como uma enorme e constante
cachoeira.
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