sábado, 20 de fevereiro de 2016

Primeiras linhas

Por Meriam Lazaro




Costuma-se pensar a árvore como essência feminina. Sua sombra generosa, raízes firmes na terra, flores, frutos, semeadura para tantos. Na língua de minha mãe é assim.


Os anos passam e nos dão oportunidade de revermos percepções que tínhamos de mãe e pai, não raro invertendo o que era de um e que atribuíamos ao outro.


Na língua de meu pai “El árbol” é masculino. O que germinou o gosto pela escrita poética há alguns anos, rabiscada aqui e ali, foi o surgimento do desejo de corte de uma linda paineira que cortinava minhas janelas no quinto andar e ia além. Corte realizado muitos versos depois, como ocorre com o espaço de adaptação ao luto, quando seres amorosos se deixam acamar e devagarzinho vão se despedindo da gente até que nos apiedamos de vê-los sofrer.


Denúncias formais foram entregues aos órgãos responsáveis. Não sendo suficientes para aplacar o impulso vital, as denúncias também ganharam versos livres, mais adiante publicados na internet. Se a árvore mãe conduziu-me à sustentação, a árvore pai (paineira) legou-me a poesia.


Talvez esse tantinho de perspectiva tenha me deslumbrado às primeiras linhas e sido suficiente para minha total simpatia com a obra do escritor francês premiado com o Nobel em 2008, quando o li pela primeira vez.


Trecho da apresentação do livro “O africano”, de J. M. G. Le Clézio: “Por muito tempo sonhei que minha mãe era negra. Inventei-me uma história, um passado, para escapar da realidade em meu retorno da África, neste país, nesta cidade onde eu não conhecia ninguém, onde me tornara um estrangeiro. Depois descobri, quando meu pai, na idade da aposentadoria, retornou para viver conosco na França, que o Africano era ele”.

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