terça-feira, 18 de abril de 2017

Pai

Por Denise Fernandes




Eu gosto do cheiro do meu pai. O professor de língua portuguesa me disse que eu não deveria começar as frases com "eu", porque é mais chique, mais erudito. Saia da norma popular se você quer ser escritora. Tem que ser mais discreta. Faz de conta que você não está vendo o que você está vendo, não escreva "eu" no começo das frases. Seja um sujeito oculto porque é mais chique, mais erudito. Saia do popular. Eu saí, sem saber o que estava fazendo. Saí porque sou influenciável, e achava que o professor tinha um grande conhecimento de tudo, principalmente sobre o escrever.

Eu gosto do cheiro do meu pai. Não é o Édipo: é seu perfume, sua pele, sua risada, seu jeito de andar. Eu gosto do meu pai pelo que ele é. Eu gosto do seu cheiro de pessoa doce. Gosto quando ele faz biquinho ao ficar zangado. Gosto da cor da sua pele, do nariz que se parece com o meu. O Freud tinha pai, será que ele gostava do pai dele? O meu pai é importante para mim porque o sobrenome dele é Silva e me ensinou a pescar, a plantar. Ele me ensinou a ser simples. Mesmo eu sendo tão complicada.

O meu pai anda doente e isso me deixa triste. As pessoas não deviam ficar doentes, nem deviam morrer. A vida deveria existir sempre, de uma forma diferente. Tudo que eu queria era não a imortalidade do espírito, mas a imortalidade do corpo. Que chato homenagens, que chato fazer um minuto de silêncio (seja por quem for). As pessoas deviam durar para sempre. Não seria chato nada. Porque ninguém sabe como seria. A morte é nossa dura companheira, e ela não faz parte do milagre da vida. Ela simplesmente mata a vida.

Ando sem paciência para a morte. Não que eu acredite na eternidade da morte. Sua essência passageira, tênue como um colibri, me assusta. Gostaria de poder assustá-la. Mas, pelo menos, perdi o medo de ser um sujeito aparente  sendo um sujeito oculto durante anos.

Se a morte não se oculta, porque eu tenho que ficar me escondendo? Redundante é a vida, repetitiva tantas vezes, que ignoramos o quanto é inédita. Estou correndo o risco de tudo. Meus amigos mais próximos sabem. No teatro da vida, levaram minha máscara. Máscara de vidas. Agora estou nua, diante da morte. Não, não exatamente nua. Estou vestida como um colibri.

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