Por
Rosimeire Soares
A arte literária não tem compromisso
com a realidade, mas é como se tivesse (referência à Poética de Aristóteles). O
eu poético fala, retumba como se fosse real. E essa mímese é uma das principais
sugestões implícitas na obra da autora Ana Luiza de Lima Guimarães, Navegantes do Arrisco. Não se resgata
aqui o princípio da arte mimética como simples imitação do mundo, mas pontua,
de forma expressiva, a mímese como imitação do ato criador.
Trata-se de uma obra com linguagem riquíssima
em que a voz poética, em várias poesias, como: “O que é ser mulher?”, “Mulher”
e “Menstruo” revela sentimentos intrínsecos à condição humana, mais específica
a de ser mulher, situada ora em um determinado contexto histórico-social (o atual)
ora numa plataforma atemporal. Assim, podem-se depreender ideias recorrentes à
memória coletiva e que promovem reflexões inerentes à figura feminina.
No poema “O que é ser mulher?”, o eu
é instaurado a partir de um questionamento que coincide com o título. A
resposta ao que foi inquirido parece vir na sequência dos versos:
“é
desdobrar os mistérios da vida...”
Porém
esse posicionamento é colocado de forma subjetiva, ao mesmo tempo em que evoca
o outro, promovendo nova indagação:
“na síntese do amor?”.
Como a voz não foi dada a esse
outro, o eu lírico continua de forma retórica e artística a expressar o que é
ser mulher. Ela é percalços de vida, sem medo e rancor, todavia ser mulher é
permitir o questionável paradoxo: ter medo e rancor. Ser mulher na perspectiva
poética, é emprestar o ventre, viver experiências belas ou nem tanto, mas
garantir a existência através da maternidade. É beleza.
A partir da 5ª estrofe, há uma
intrigante apresentação feita pela voz poética: a revelação do interlocutor
específico:
“O que é ser mulher, mulher?”
Não
é uma pergunta ao cidadão comum, ao filho, ao banqueiro. Essa voz, na busca da
própria identidade, procura descortinar a essência feminina, seus enganos,
convicções, estereótipos, sentimentos, mas o faz quando convoca a própria
mulher para trilhar a obscuridade transparente desse ser.
Ser mulher, na perspectiva da voz
poética, permeia as graciosidades que lhe são peculiares; é estar inserida no
mercado de trabalho, fazer relação com a inteligência e a condição cognitiva
dessa mulher; ser esposa e companheira, ser adepta à busca pela proteção Divina
para seu lar; é, embora pecadora, pôr em prática o amor.
A poesia “O que é ser mulher?”
colore o mundo, contrastando com o cinza insistente. Prevalecem a luz e o
brilho, o verde, a esperança nesse ato estético. Mesmo que as angústias, os
paradigmas sejam amplamente expostos, não remetem a aspectos pejorativos, ao
contrário, ressaltam a verdadeira transcendência, pois a “poesia-mulher” sai da
realidade e busca o real.
Ser
mulher é ser de valor; é se equiparar ao ato criador da própria arte.
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