Por Rosimeire Soares
Ele
chegou ao trabalho uns quinze minutos antes do horário. Já na entrada foi
abordado pelo porteiro:
– Bo...m
dia! – falou, espantado. – O senhor não pode entrar nas dependências da
universidade assim.
– Como
“assim”?
O
senhor de quase sessenta anos, cabelos grisalhos, sorriso meio manchado e
doçura misturada à surpresa não negava o espanto ao ver a nudez daquele homem. E
até uma pontinha de curiosidade.
– O
senhor está bem, professor?
– Claro
que estou bem. Melhor do que nunca!
– Mas...
– Tenha
um bom dia! – falou o homem, apressando o passo em direção ao elevador.
O
porteiro, agora sem ação, queria impedi-lo, mas como fazê-lo se o homem era um
dos mais simpáticos dentre dezenas de professores arrolados naquela
instituição. Como impedi-lo de entrar se sempre fora tão gentil. Já prestes a
se aposentar, o porteiro apenas virou a face
rumo ao portão onde já avistara outro profissional de educação chegando.
Sem titubear, permitiu que o curso fosse cumprido. Na porta central, era o
pró-reitor Goma, sempre muito bem vestido.
– Bom
dia, senhor! – O porteiro cumprimentou o recém-chegado.
Sem
resposta.
De
que os homens se vestem? Pensava o porteiro que cumpria seu papel vestido com o
uniforme de sua profissão. A quase farda destaca quem ele é. O tom azul marinho
sinaliza a escuridão da noite em seus dias.
Naquele
dia, a universidade toda estava em completo reboliço.
“Ele
está nu?” – perguntavam uns com espanto.
“Quem
permitiu a entrada dele?” – questionava o diretor de uma das faculdades.
“Por
que sua roupa está transparente?” – indagavam outros, dando boas risadas.
“Ele
está quase nu” – convictos afirmavam.
“Só
assim posso conhecê-lo” – filosofava a universitária.
O
homem, alheio aos inúmeros comentários e inquietações, realizava seu trabalho
normalmente. Passou o polegar na leitora óptica a fim de marcar o ponto.
Verificou seu material, separou títulos. O professor se dirigiu à sala de aula
do curso de Pedagogia, onde ministraria suas aulas do dia.
Quando
saiu pelos corredores, o homem percebia que estava causando estranhamento,
todavia, por quê? Ele se perguntava. Ao adentrar a sala de aula, ouviram-se
ruídos baixos, pois alguns afirmaram categoricamente que ele estava nu. Outros
mal entendiam o motivo de tamanha euforia. O homem conduziu a aula normalmente,
porém seus interlocutores não estavam plenamente concentrados, pois a hilária
situação roubava a atenção.
Depois de algumas horas de trabalho
intenso, já havia chegado o horário de
intervalo, então parou para um café. Ao sair da sala, todos o olhavam numa
estranha movimentação no corredor da universidade.
Quis
perguntar alguma coisa à moça que cuidava da limpeza ali no corredor, mas ela o
olhava meio escamoteado com um risinho. Ele não entendia.
– Gostei
do visual! – falou, debochando, uma aluna espalhafatosa que passava por ele,
segurando algumas pastas. Não pôde deixar de notar o extravagante batom
vermelho que ela usava, criando um contraste com o cabelo loiro descolorido com
água oxigenada.
O
homem desviara rapidamente o olhar da mulher e olhou-se do peito até os pés.
Abaixar a cabeça causou-lhe certo desconforto, pois estava há muito tempo sem
se alimentar, então não se furtou ao pensamento de que uma atividade física lhe
faria muito bem. Seguiu até a sala dos professores, como sempre fazia, para o
cafezinho.
O homem
tomou café enquanto observava um colega que deixava a sala até uma sacada a fim
de fumar.
Final
de expediente. E o homem que ficara envolvido em suas atividades, o dia
todo, era aguardado por centenas de pessoas no saguão da universidade, próximo à
saída.
“Ele
não tem vergonha?” – cochichava a senhora.
“Ele
é descolado” – dizia o jovem, que também aguardava pelo homem quase nu.
“Atentado
ao pudor” – retórico, o advogado falou enquanto ajustava a gravata.
A
notícia de que naquela universidade um respeitado professor aparecera para
trabalhar quase nu havia se espalhado. Algo inusitado para quebrar a dolorosa
rotina dessa instituição de ensino, em pleno semestre letivo. Do lado de fora, havia alguns curiosos.
Muitos deixaram seus próprios compromissos, suas aulas, para averiguar de perto
a nudez do homem. Alguns pegariam o próximo ônibus, outros desistiram da
carona, pois queriam ver se o homem estava realmente nu. Todos queriam saber os
motivos que levaram o homem a tomar tal atitude.
Havia
até carro de churrasquinho na calçada do lado de fora, pipoqueiro, homem
vendendo algodão doce. O trânsito na rua dentro do campus estava um pouco lento, pois a movimentação
chamou atenção dos motoristas que passavam devagar.
Dentro
da universidade, um solene momento. Alguém que estava na porta da sala dos
professores, em espreita, fazendo parte da bizarra logística, avisou, por
telefone, a outro indivíduo que estava no andar de baixo: o homem estava
entrando no elevador, a fim de descer.
Suspense.
O elevador anuncia com uma seta vermelha a
decida do homem tão esperado.
As
pesadas portas do elevador se abriram. Um instante de silêncio.
Alguns
sons tímidos de cochicho foram surgindo. Havia vozes, comentários,
inquietações. A princípio o som estava baixinho. Logo os tons eram audíveis, gritos,
assovios.
“Ele
não está nu coisa nenhuma. É alarme falso!” – gritou uma professora.
“Está
sim. Veja até a saliência da barriga” – alarmou um jovem sarado.
“Meu
Deus, ele está pelado, mas não consigo ver as partes íntimas!” – falou a moça que
trabalhava no protocolo.
“Isso
é enganação! Ele não está nu”.
“Está
sim. Ele está pelado!! Que horror!”
“Estranho,
mas não sei se ele está nu ou não”.
O
homem saiu do elevador e enquanto
atravessava o saguão rumo ao portão de saída. As pessoas se afastavam para dar
passagem, pois tinham medo de alguma reação inesperada do homem quase nu. Talvez
ele fosse até agressivo. Quem poderia
garantir que ele era normal?
Uma
aluna de jornalismo interpelou o professor.
– Professor,
isso é um protesto? Tirou a roupa para protestar?
– Contra
o quê? – gritou outro universitário.
– A
nudez denuncia hipocrisias! – gritou um jovem ali próximo.
Porém
o homem nu ou quase nu ficou ali, parado, olhando aquela movimentação. Suas
ideias e convicções eram claras, óbvias. Suas falhas também eram vistas. Não
imaginava, porém, que ser transparente provocaria tantas balbúrdias. Iniciaram
uma sessão de fotografias.
O homem quase nu sabia que estava
sendo visto, mas sabe que homens nus não têm voz. Todavia, mesmo sem querer,
falam. Sua nudez é a eloquente voz. Olhou para todos, não quis, mas acabou
sendo personagem de reality show. Caminhou vagarosamente em meio àquele público
universitário e saiu. Começou a descer os seis degraus, que dão acesso ao
estacionamento da universidade, e foi interrompido pela Polícia Militar.
O
homem foi preso. Queriam vesti-lo. Imagem é tudo.
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