segunda-feira, 6 de agosto de 2012

O Homem Quase Nu

Por Rosimeire Soares



Ele chegou ao trabalho uns quinze minutos antes do horário. Já na entrada foi abordado pelo porteiro:
– Bo...m dia! – falou, espantado. – O senhor não pode entrar nas dependências da universidade assim.
– Como “assim”?
O senhor de quase sessenta anos, cabelos grisalhos, sorriso meio manchado e doçura misturada à surpresa não negava o espanto ao ver a nudez daquele homem. E até uma pontinha de curiosidade.
– O senhor está bem, professor?
– Claro que estou bem. Melhor do que nunca!
– Mas...
– Tenha um bom dia! – falou o homem, apressando o passo em direção ao elevador.
O porteiro, agora sem ação, queria impedi-lo, mas como fazê-lo se o homem era um dos mais simpáticos dentre dezenas de professores arrolados naquela instituição. Como impedi-lo de entrar se sempre fora tão gentil. Já prestes a se aposentar, o porteiro apenas virou a face  rumo ao portão onde já avistara outro profissional de educação chegando. Sem titubear, permitiu que o curso fosse cumprido. Na porta central, era o pró-reitor Goma, sempre muito bem vestido.
– Bom dia, senhor! – O porteiro cumprimentou o recém-chegado.
Sem resposta.
De que os homens se vestem? Pensava o porteiro que cumpria seu papel vestido com o uniforme de sua profissão. A quase farda destaca quem ele é. O tom azul marinho sinaliza a escuridão da noite em seus dias.


Naquele dia, a universidade toda estava em completo reboliço.
“Ele está nu?” – perguntavam uns com espanto.
“Quem permitiu a entrada dele?” – questionava o diretor de uma das faculdades.
“Por que sua roupa está transparente?” – indagavam outros, dando boas risadas.
“Ele está quase nu” – convictos afirmavam.
“Só assim posso conhecê-lo” – filosofava a universitária.
O homem, alheio aos inúmeros comentários e inquietações, realizava seu trabalho normalmente. Passou o polegar na leitora óptica a fim de marcar o ponto. Verificou seu material, separou títulos. O professor se dirigiu à sala de aula do curso de Pedagogia, onde ministraria suas aulas do dia.
Quando saiu pelos corredores, o homem percebia que estava causando estranhamento, todavia, por quê? Ele se perguntava. Ao adentrar a sala de aula, ouviram-se ruídos baixos, pois alguns afirmaram categoricamente que ele estava nu. Outros mal entendiam o motivo de tamanha euforia. O homem conduziu a aula normalmente, porém seus interlocutores não estavam plenamente concentrados, pois a hilária situação roubava a atenção.
 Depois de algumas horas de trabalho intenso,  já havia chegado o horário de intervalo, então parou para um café. Ao sair da sala, todos o olhavam numa estranha movimentação no corredor da universidade.
Quis perguntar alguma coisa à moça que cuidava da limpeza ali no corredor, mas ela o olhava meio escamoteado com um risinho. Ele não entendia.
– Gostei do visual! – falou, debochando, uma aluna espalhafatosa que passava por ele, segurando algumas pastas. Não pôde deixar de notar o extravagante batom vermelho que ela usava, criando um contraste com o cabelo loiro descolorido com água oxigenada.
O homem desviara rapidamente o olhar da mulher e olhou-se do peito até os pés. Abaixar a cabeça causou-lhe certo desconforto, pois estava há muito tempo sem se alimentar, então não se furtou ao pensamento de que uma atividade física lhe faria muito bem. Seguiu até a sala dos professores, como sempre fazia, para o cafezinho.
O homem tomou café enquanto observava um colega que deixava a sala até uma sacada a fim de fumar.
Final de expediente. E o homem que ficara envolvido em suas atividades, o dia todo,  era aguardado por centenas de  pessoas no saguão da universidade, próximo à saída.
“Ele não tem vergonha?” – cochichava a senhora.
“Ele é descolado” – dizia o jovem, que também aguardava pelo homem quase nu.
“Atentado ao pudor” – retórico, o advogado falou enquanto ajustava a gravata.


A notícia de que naquela universidade um respeitado professor aparecera para trabalhar quase nu havia se espalhado. Algo inusitado para quebrar a dolorosa rotina dessa instituição de ensino, em pleno semestre letivo. Do lado de fora, havia alguns curiosos. Muitos deixaram seus próprios compromissos, suas aulas, para averiguar de perto a nudez do homem. Alguns pegariam o próximo ônibus, outros desistiram da carona, pois queriam ver se o homem estava realmente nu. Todos queriam saber os motivos que levaram o homem a tomar tal atitude.
Havia até carro de churrasquinho na calçada do lado de fora, pipoqueiro, homem vendendo algodão doce. O trânsito na rua dentro do campus estava um pouco lento, pois a movimentação chamou atenção dos motoristas que passavam devagar.
Dentro da universidade, um solene momento. Alguém que estava na porta da sala dos professores, em espreita, fazendo parte da bizarra logística, avisou, por telefone, a outro indivíduo que estava no andar de baixo: o homem estava entrando no elevador, a fim de descer.
Suspense.
O elevador anuncia com uma seta vermelha a decida do homem tão esperado.
As pesadas portas do elevador se abriram. Um instante de silêncio.
Alguns sons tímidos de cochicho foram surgindo. Havia vozes, comentários, inquietações. A princípio o som estava baixinho. Logo os tons eram audíveis, gritos, assovios.
“Ele não está nu coisa nenhuma. É alarme falso!” – gritou uma professora.
“Está sim. Veja até a saliência da barriga” – alarmou um jovem sarado.
“Meu Deus, ele está pelado, mas não consigo ver as partes íntimas!” – falou a moça que trabalhava no protocolo.
“Isso é enganação! Ele não está nu”.
“Está sim. Ele está pelado!! Que horror!”
“Estranho, mas não sei se ele está nu ou não”.
O homem  saiu do elevador e enquanto atravessava o saguão rumo ao portão de saída. As pessoas se afastavam para dar passagem, pois tinham medo de alguma reação inesperada do homem quase nu. Talvez ele fosse até  agressivo. Quem poderia garantir que ele era normal?
Uma aluna de jornalismo interpelou o professor.
– Professor, isso é um protesto? Tirou a roupa para protestar?
– Contra o quê? – gritou outro universitário.
– A nudez denuncia hipocrisias! – gritou um jovem ali próximo.
Porém o homem nu ou quase nu ficou ali, parado, olhando aquela movimentação. Suas ideias e convicções eram claras, óbvias. Suas falhas também eram vistas. Não imaginava, porém, que ser transparente provocaria tantas balbúrdias. Iniciaram uma sessão de fotografias.
           O homem quase nu sabia que estava sendo visto, mas sabe que homens nus não têm voz. Todavia, mesmo sem querer, falam. Sua nudez é a eloquente voz. Olhou para todos, não quis, mas acabou sendo personagem de reality show. Caminhou vagarosamente em meio àquele público universitário e saiu. Começou a descer os seis degraus, que dão acesso ao estacionamento da universidade, e foi interrompido pela Polícia Militar.
           O homem foi preso. Queriam vesti-lo. Imagem é tudo.

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