Por Amilcar Neves*
Já estamos quase cansados de tanto exercício, ou melhor, de tanto ouvir
falar que a atividade física é importante, talvez fundamental, para a
manutenção de boas condições de saúde do corpo e da mente. Mexer-se em
ritmo puxado ajudaria a combater a hipertensão arterial e a prevenir a
(ou o) diabetes, a reduzir a obesidade e melhorar o sono, a tonificar os
músculos e inflar a autoestima, a oxigenar o cérebro e destravar as
juntas.
Para os que são da água, costuma-se prescrever a natação
como santo remédio; para os da terra, a simples caminhada operaria
milagres. O voo seria a atividade física ideal para os que fossem do ar,
caso existissem entre os humanos gente com essa habilidade; acredita-se
que não exista.
Houve tempo em que fazer exercício era matéria
restrita às aulas de educação física nas escolas ou às obrigações dos
atletas profissionais nos clubes. Homens adultos, velhos já de 30 anos,
usariam terno escuro, camisa branca de colarinho, gravata preta, sapato
social de couro e chapéu de abas em feltro também escuro a fim de se
protegerem do sol ou do sereno, dependendo do período do dia em que
tivessem que se expor às inclemências atmosféricas – e não fariam
exercício de espécie alguma sob pena de serem malvistos e malfalados:
coisa de desocupados, como os artistas e os escritores.
Às
mulheres, então, nem se fala: inadmissível perder-se em exercícios
físicos uma senhora casada, mãe de família com três ou quatro filhos
paridos na fase da vida de maior rendimento das gestações, ou seja,
entre os 20 e os 30 anos (antes de se tornarem balzaquianas, quando
então, se não tivessem logrado o matrimônio, passavam automaticamente a
contar entre a legião inconsolável e irremediável das solteironas,
perdidos para sempre os gozos da vida – e geralmente ainda virgens).
Os
tempos mudaram e percebeu-se que os infartos, derrames e tromboses,
entre outros males, poderiam ser retardados ou amenizados pela atividade
física regular e assistida. Foi quando explodiu a febre das academias e
todo homem e cada mulher passou a se ver como atleta de alto rendimento
– se não efetivo, pelo menos potencial. A história das autoajudas: você
tudo pode se acreditar que pode. Profissionalizou-se o que era
exercício banal, repleto de roupas, acessórios, cores e modismos.
Todo
mundo começou a caminhar em marcha forçada. Os parques e vias públicas
povoam-se cada vez mais de gente paramentada caminhando de um lado para
outro, todos sorridentes em seus ares superiores.
Então, de
repente, cai a bomba: caminhar não faz mais a cabeça do organismo, não
dá mais conta da saúde mental e é preciso romper esse ciclo vicioso ao
qual submetemos o nosso corpo que já anda quase sozinho, no piloto
automático, sem beneficiar-se mais da imprescindível atividade física.
A ordem agora é correr – com novos equipamentos, com acessórios específicos, com consultores esportivos. Com custos crescentes.
No
entanto, ainda é a caminhada, desinteressada do desempenho olímpico, a
atividade que permite perceber que as pessoas têm olhos, e não endereços
eletrônicos; que concede um tempo pessoal ao andante (quando ele
caminha na rua e, não, parado sobre uma esteira mecânica à frente de uma
televisão ligada); que revela os jacarés no Rio do Sertão; e que libera
o escritor para gerar o seu conto, a sua crônica ou a solução para sua
novela, textos que depois, no seu refúgio, é só passar para o papel ou a
tela do computador. Com um pé nas costas.
*Crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 28.09.11
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