sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

A vida de certo jovem

Por Mayanna Velame


 
 
Após lavar a louça do jantar, certo jovem se escondeu em seu próprio mundo. Deitou-se na cama de lençóis surrados e, durante algumas horas, quis entender realmente o que era a vida. De olhos baços – porém atentos –, ele observava o mundo ao redor. A cama nada macia parecia quebrar os ossos. Uma cômoda, no canto, guardava seus farrapos de roupa. Sobre ela, um rádio, um porta-retratos e alguns livros.


O quê, de fato, ele queria? O quê, de fato, ele tanto almejava? Negou-se, por um momento, a responder qualquer pergunta que acossasse sua mente. Tentou dormir. Fechou os olhos. Abriu-os. No teto, uma teia de aranha... Era exatamente assim que estava a alma: confusa e perdida (em labirintos infinitos, eternos).


O jovem, então, começou a chorar. Seus sonhos desapareciam em tempestades de areia. O coração, fonte de amor, estava morto; despedaçado como pétalas de rosa jogadas ao chão. O amor é áspero, árduo, nos faz sofrer, gemer, desistir. Os dias eram de inverno rigoroso. O grande amor não mais necessitava de sua presença.


– A vida é assim – pensava ele, triste.


Não parou de chorar: as lágrimas inundavam aquele rosto, aquele semblante ameno. Quis fumar, mas não havia cigarro; quis beber, mas não havia bebida; quis amar, mas o amor é traição amiga... Rebelou-se! Não acreditava na vida, não acreditava na existência. Ligou o rádio. Quis dançar ao som da canção. A música lhe fazia bem. Seu espírito sentia um forte deleite, só que a tristeza ainda fazia morada no coração.


Em desespero, abriu uma das gavetas do armário. Retirou a chave da moto. Não hesitou e saiu pela noite. A moto parecia um corcel selvagem, correndo pelo asfalto quente. O vento na face. Os cabelos – negros e cheios – esvoaçando pelo ar. A liberdade o abraçava. O mundo estava em suas mãos.


Sorria, feliz. A melancolia se dissolvia a cada centímetro de asfalto triturado. Por um instante, ergueu a cabeça enquanto guiava. Viu a lua inspirada.


– O mundo é meu! – gritava, sacudindo a cabeça.


Então resolveu matar, extinguir, dilacerar, desapontar de uma só vez a tristeza. Pensou em sua garota, na vida que se alongava, nos pais que o amavam, nos livros que lia, nas melodias que o avivavam.


Continuou galopando em sua moto. Subiu a ladeira e viu uma imagem única, deslumbrante: a cidade vista do alto. Prédios iluminados eram semelhantes a lanternas fincadas no chão. A solidão em barras de concretos. Sentiu medo.


A noite seguia. Em duas rodas, crucificava as ruas da cidade.


– Quero voar!


Era necessário voar. Quem voa, alcança horizontes; enfrenta perigos ocultos.


– Eu sou vencedor – pensou ele, enquanto a moto driblava os carros. A velocidade o excitava. No entanto, ele teve necessidade de respirar. O vento gelado cortava a carne e engolia a alma.


Dobrou feroz a esquina. Deparou-se com o porto. Sim, o porto da cidade. A cena o emocionou. Soturno, largou seu corcel motorizado. Caminhando em passos curtos, o jovem se sentia como um daqueles navios ancorados no cais. A ânsia de navegar, mesmo sem saber o destino, o estimulava a ganhar a vida. O universo preso nos dedos. Tudo que ele gostaria de ter...


Sentado em um caixote, avistou o movimento do espelho negro, refletindo as luzes do céu. O mar é estrada de lágrimas; volúpia dos navegantes. O horizonte acolhia retalhos de nuvens (e alguns marinheiros a bordo). Sentimentos que naufragavam com os sonhos.


A tristeza voltara. O medo do futuro não importava. Olhou para dentro de si – apenas a escuridão da noite. De olhos fechados, ouviu o mar soletrando seu nome. Delírio. Eram as águas, indo e vindo para o mesmo lugar.

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