Por Mayanna Velame
Após lavar a louça do jantar, certo jovem se escondeu em seu
próprio mundo. Deitou-se na cama de lençóis surrados e, durante algumas horas, quis
entender realmente o que era a vida. De olhos baços – porém atentos –, ele observava
o mundo ao redor. A cama nada macia parecia quebrar os ossos. Uma cômoda, no
canto, guardava seus farrapos de roupa. Sobre ela, um rádio, um porta-retratos
e alguns livros.
O quê, de fato, ele queria? O quê, de fato, ele tanto
almejava? Negou-se, por um momento, a responder qualquer pergunta que acossasse
sua mente. Tentou dormir. Fechou os olhos. Abriu-os. No teto, uma teia de
aranha... Era exatamente assim que estava a alma: confusa e perdida (em
labirintos infinitos, eternos).
O jovem, então, começou a chorar. Seus sonhos desapareciam
em tempestades de areia. O coração, fonte de amor, estava morto; despedaçado
como pétalas de rosa jogadas ao chão. O amor é áspero, árduo, nos faz sofrer,
gemer, desistir. Os dias eram de inverno rigoroso. O grande amor não mais necessitava
de sua presença.
– A vida é assim – pensava ele, triste.
Não parou de chorar: as lágrimas inundavam aquele rosto, aquele
semblante ameno. Quis fumar, mas não havia cigarro; quis beber, mas não havia
bebida; quis amar, mas o amor é traição amiga... Rebelou-se! Não acreditava na
vida, não acreditava na existência. Ligou o rádio. Quis dançar ao som da canção.
A música lhe fazia bem. Seu espírito sentia um forte deleite, só que a tristeza
ainda fazia morada no coração.
Em desespero, abriu uma das gavetas do armário. Retirou a
chave da moto. Não hesitou e saiu pela noite. A moto parecia um corcel selvagem,
correndo pelo asfalto quente. O vento na face. Os cabelos – negros e cheios – esvoaçando
pelo ar. A liberdade o abraçava. O mundo estava em suas mãos.
Sorria, feliz. A melancolia se dissolvia a cada centímetro de
asfalto triturado. Por um instante, ergueu a cabeça enquanto guiava. Viu a lua inspirada.
– O mundo é meu! – gritava, sacudindo a cabeça.
Então resolveu matar, extinguir, dilacerar, desapontar de
uma só vez a tristeza. Pensou em sua garota, na vida que se alongava, nos pais
que o amavam, nos livros que lia, nas melodias que o avivavam.
Continuou galopando em sua moto. Subiu a ladeira e viu uma
imagem única, deslumbrante: a cidade vista do alto. Prédios iluminados eram
semelhantes a lanternas fincadas no chão. A solidão em barras de concretos.
Sentiu medo.
A noite seguia. Em duas rodas, crucificava as ruas da cidade.
– Quero voar!
Era necessário voar. Quem voa, alcança horizontes; enfrenta perigos
ocultos.
– Eu sou vencedor – pensou ele, enquanto a moto driblava os carros.
A velocidade o excitava. No entanto, ele teve necessidade de respirar. O
vento gelado cortava a carne e engolia a alma.
Dobrou feroz a esquina. Deparou-se com o porto. Sim, o porto
da cidade. A cena o emocionou. Soturno, largou seu corcel motorizado.
Caminhando em passos curtos, o jovem se sentia como um daqueles navios
ancorados no cais. A ânsia de navegar, mesmo sem saber o destino, o
estimulava a ganhar a vida. O universo preso nos dedos. Tudo que ele gostaria
de ter...
Sentado em um caixote, avistou o movimento do espelho negro,
refletindo as luzes do céu. O mar é estrada de lágrimas; volúpia dos navegantes.
O horizonte acolhia retalhos de nuvens (e alguns marinheiros a bordo). Sentimentos
que naufragavam com os sonhos.
A tristeza voltara. O medo do futuro não importava. Olhou
para dentro de si – apenas a escuridão da noite. De olhos fechados, ouviu o mar
soletrando seu nome. Delírio. Eram as águas, indo e vindo para o mesmo lugar.
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