Por Amilcar Neves*
Foi parar dentro de uma biblioteca, coisa inimaginável para ele. Não
tinha nada o que fazer ali, não tinha o menor interesse pelas coisas
guardadas naquele prédio enorme nem, menos ainda, pelo conteúdo daquelas
coisas, sempre louvado, esse infindável conteúdo, como o sumo da
sabedoria, do conhecimento e da vida, vejam lá se isso é possível,
condensar a vida nas páginas dos livros. Nem que fossem livros
eletrônicos.
E era exatamente isso que debatiam naquele momento: o
futuro das obras literárias num cenário de confronto surdo entre o
livro impresso e sua versão já vitoriosa em "bits & bytes". Curioso é
que nunca ouvi ninguém combater o livro em papel, considerava Manoel
Osório com seus botões, nem aqui, hoje, agora, nem em qualquer outro
lugar, pelos prejuízos que causa à natureza, grande responsável, o livro
juntamente com os jornais impressos, pelo desmatamento do planeta e da
Amazônia.
Não, o pessoal só tem elogios para essas resmas de
folhas grampeadas, costuradas, coladas ou o que seja. Nunca me
interessei por livros e, sinceramente, jamais precisei deles nem me
fizeram eles falta alguma.
Assim divagava Manoel Osório durante a
mesa-redonda na Biblioteca Universitária enquanto professores doutores,
sentados a uma comprida mesa retangular, discutiam apaixonadamente o
sexo dos anjos. Mais produtivo e útil, talvez, se discutissem o sexo
entre anjos.
Nunca poderia supor que um dia se encontraria em tal
situação, dentro de uma biblioteca, circunstância que devia debitar a
Mônica, sua gostosa amiga e apetitosa vizinha cujo casamento com Eduardo
vinha se desfazendo a olhos vistos. Estava ali pelas fabulosas pernas
de Mônica, por nada mais.
Interessada em Literatura e seus meios
de suporte, Mônica teve o desprazer de receber uma negativa de Eduardo,
que se recusou a acompanhá-la pelas alamedas escuras e cada vez mais
perigosas da Universidade (pelos perigos das alamedas da vida, em
verdade). Com isso, Manoel Osório gozou o prazer de lhe fazer companhia
naquele evento cultural de caráter tão erudito.
Encurtando a
conversa: ao final da discussão, e fazia calor no recinto, Manoel Osório
levantou-se entusiasmado com as agradáveis e estimulantes perspectivas
sugeridas pelo retorno através das aleias escurecidas ao lado de Mônica e
esqueceu o blusão de fibra sintética e marca famosa no encosto da
cadeira que ocupava, perda que somente foi perceber horas mais tarde.
Como
era final de semana, só pôde ir atrás do seu agasalho na segunda-feira,
ocasião em que o encontrou bem de saúde e bem disposto no lugar mesmo
em que o largara. Vestiu-o, pois já fazia frio na rua, para
horrorizar-se na hora: tinha a nítida e incômoda sensação de que sabia
tudo sobre escritores e seus livros.
Aquela imersão da blusa por dois dias em um ambiente que destilava Literatura por todos os lados...
Antes
que o mal se propagasse, Manoel Osório tratou de mandar lavar a peça de
roupa contaminada. Na quarta-feira tudo estava resolvido e a vida
voltava aos trilhos, à rotina habitual, a salvo de sobressaltos.
*Crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 01.06.11
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