quinta-feira, 26 de março de 2015

Detalhes

Por Amilcar Neves*

 
 
Gorda, frequentando já a alta meia-idade, a mulher fala ao telefone enquanto caminha pelas alamedas da Universidade Federal:
 
– Tenho os meus direitos! Não, mana, não vou sair da minha casa para embarcar na aventura de prestações por um apartamento.
 
Pronto. Só isso. Precisa de algum detalhe? Todo mundo já sabe que lhe coube a casa quitada na partilha do divórcio recente e que os filhos pressionam a tia para meterem a mão na grana da venda da casa.
 
Detalhes dificultam a vida, atrasam o ritmo da correria cotidiana e não acrescentam nada ao que já se sabe. Os detalhes de um caso apenas impedem que, no mesmo intervalo de tempo, se conheçam inúmeros outros casos.
 
Não é por menos, ou seja, pelo repúdio aos detalhes, que hoje se conta a história de toda uma vida em 140 caracteres (com espaços). Que se conta a História do Mundo em 140 toques. Sem que ninguém perca nada do essencial, que é o que verdadeiramente importa.
 
Tem gente que pega um assunto qualquer – um jacaré nadando no Rio do Sertão, por exemplo – e faz dele uma novela à custa de empilhar detalhes sobre detalhes a respeito do fato, quando seria bastante dizer simplesmente que havia um jacaré no riacho ao lado do "shopping".
 
Pronto. Só isso, e estaríamos todos entendidos – e satisfeitos – em relação ao assunto.
 
Essa gente, e escritores são teimosos e insistentes com essa irritante mania, faz uma novela, não uma telenovela, que é coisa totalmente distinta, consome páginas e páginas de papel quando uma sinopse diria tudo e muitas árvores seriam poupadas.
 
Só se dedica aos detalhes quem não tem pique para a ação, para a vida moderna, tocada ao estilo dos videoclipes: no texto, na música, nas conversas, nas decisões, nas imagens nervosas que se sucedem e se sobrepõem a cada dois segundos e meio, no máximo.
 
Assim é que se vive para aproveitar cada momento, cada instante. Assim são hoje os amores, vejam só, e isto já diz tudo: ninguém mais espera ficar gordo e velho como a mulher da universidade para trocar de parceiro. Até mesmo porque, em tais circunstâncias, consegue apenas ficar sozinho, não tem nem mais o que trocar.
 
E, também, já nem é o caso de falar em amor mas, objetivamente (quer dizer: sem detalhes), em sexo. O resto é encheção de linguiça. Pura perda de tempo, adiamento inútil do que em verdade conta.

*Crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 03.03.10

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