sexta-feira, 20 de março de 2015

Fantasma e estrelas

Por Mayanna Velame




Quando o sono se distrai em mim, penso e logo desisto de ficar exposto sobre a cama de lençóis surrados. Agito-me feito um animal selvagem, em busca da liberdade que me roubaram. Embora frágil, meus sentimentos são fortes. A noite sempre anseia pela solidão e eu sempre procuro exatamente aquilo que não sei procurar.


O relógio na parede conta, minucioso, as horas perdidas em que penso nessa vida sem sentido e sem entusiasmo. Isso são pensamentos mórbidos e circulantes; como nuvens negras em minha cabeça. Sim, sou oco por dentro, isso não nego. E, de fato, não me apavoro. Cabeça vazia permite ideias mirabolantes. Cabeça vazia permite imersão de pensamentos – que eu jamais poderia pensar.


Minhas noites são assim: chego do trabalho tétrico, desanimado. Apanho na geladeira presunto e cerveja. Ligo a televisão. O noticiário insiste em veicular tristeza, dor e desgraça. Não, a vida já é um desperdício.


No banheiro, minha imagem é refletida no espelho. Quando me olho, tenho medo. Pareço um fantasma, atarantado, em noites fúnebres. Meu castelo de areia se desfaz todos os dias.


Estou amuado. A água do chuveiro perfura cada poro imundo do corpo. Tenho frio intenso, sinto-me um gelo, minha alma morta quer viajar pelo mundo, enfrentar tempestades, destruir a solidão.


Deito-me. Não demoro muito e já estou de pé (feito um soldado). O silêncio me domina, meus ouvidos doem. Da janela, vejo o céu e os fantasmas que disputam espaço com as estrelas ofuscadas. Elas são assim: assombram, mutilam o rutilar da constelação. Eu gostaria de ajudá-las, mas não posso. O brilho mora dentro delas. A força, a majestade... tudo pertence a elas.


A fraqueza humana me dilacera. Eu já fui uma estrela! Uma estrela enorme, que iluminou muitas vidas. Hoje demonstro uma profunda hostilidade. Meu espaço foi cercado e possuído por fantasmas.


Eu me transformei. A vida me mostrou seu lado nada amistoso. Estou perdido. A vida é perdição; fragmentos de sonhos espalhados em nossos receios.


Chegou a hora de tentar dormir. A janela está aberta. Ouço os ruídos dos carros. Surgem passos, lentamente, ao meu redor. São fantasmas que crio para tolerar meus erros.


Prometi aceitar a vida da forma como ela se declara para mim. Percebi que estou enjaulado. A chave para a liberdade está dentro do coração e, talvez, eu não queira usá-la.


Vejo a dança das horas. A madrugada me beija. O vento sacode a cortina. Escuto sussurros. São eles, os fantasmas roubando minha alma. Lá fora, as estrelas. Noite solitária, coração pesado.


Não penso em dormir. Meu sono se esfarela como areia ao vento. Um cigarro não faz mal. E o vício é um fantasma que sustento há anos. Lembro-me de uma canção – resolvi cantar para as estrelas. Novamente estou diante delas. Agora, elas cintilam, parecendo fortes, robustas. Grito alto. Penso em nascer, em extinguir os fantasmas. Corro pela casa e abro a porta. Estou de braços abertos. Meu fim não é a derrota. Meu fim é seguir o caminho estrelar.


Deito-me no jardim. Formigas me presenteiam com ferroadas. Tudo bem, deixo a vida (por um segundo) sem mim. Porque, nesse momento, vivo apenas meus desejos.

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