Por Denise Fernandes
Quando eu
era criança, achava estranho: por que ficar só com o sobrenome do pai? O certo
seria possuir o sobrenome dos dois. Porque é assim, dizia minha mãe. É assim e
pronto. Mas eu continuava achando estranho.
Meu pai falava,
com voz de autoridade: o que importa é a pessoa, não o sobrenome. Eu achava
complexo como meu pai sabia algo da pessoa pelo sobrenome. Dizia: é judeu; ou é
de uma família tradicional de latifundiários. Ele disse que um dia eu também
saberia, que era só ler os jornais. Era difícil, na infância, entender porque o
sobrenome era e não era importante.
Minha ideia
era não casar, e nunca alterar meu nome. Mas o amor, uma gravidez, e uma sogra
boazinha e católica contribuíram para uma mudança geral nos meus planos de
vida. De repente, eu entrava na igreja, vestida de branco, e jurava bem mais
que amor diante de todos e de Deus. O pai da minha filha, no altar, com medo
que eu não fosse – pois ele também era meu amigo, e sabia que não estava sendo
fácil para mim. Mas ele não sabia que, independente das juras católicas, eu
jamais o deixaria na mão. Isso ele conquistou comigo, cantando para mim: “E no
seu íntimo, nunca me faça mal”.
Estávamos
casando no civil, e minha mãe me cutucou: seu noivo está triste porque você não
pôs o sobrenome dele no seu nome. Imagina, mãe, a gente não acredita nessas
coisas. Perguntei a ele: por acaso, você está triste porque eu não estou pondo
seu sobrenome? Bem simples e bem triste, ele respondeu: sim, estou triste por
isso, sim. Eu disse, tá, moço, dá para mudar, põe o sobrenome dele no meu nome,
põe, muda aí. O moço me olhou, com cara de tédio e ódio. Dá para mudar, mas
tinha que ter dito antes. E, assim, mudei de sobrenome. Mas demorei a atualizar
os documentos, e meu marido reclamava: você não me assume. Depois dizem que as
mulheres é que são dramáticas. Acho os homens mais dramáticos.
Depois que
nos separamos, eu não queria tirar o sobrenome dele (por razões profissionais e
burocráticas). Mudar tudo de novo? Muita gente me chamava de Denise Marsiglia e,
aí, não quis tirar. Mas as repetidas brigas, e o sobrenome em questão, me fizeram
ir desapegando. Não só do sobrenome me desapeguei. Em algum lugar, depois dos
quarenta anos, me desapeguei de tudo e de todos. Feliz ou infelizmente.
Embora
sejamos amigos, só descobri que não tinha o sobrenome do meu ex-marido no Poupatempo,
enquanto tirava outra vez meus documentos, após um assalto. Não acreditei que
ele tomou aquela atitude sem me dar um telefonema avisando. Podia ser até por
e-mail. Mas não dizer nada? Numa boa, pode enfiar seu sobrenome onde você está
pensando, se você acha que ele é tão importante assim.
Tive um
amigo que pertencia a uma família tradicional de São Paulo. Seus parentes tiveram
muitas terras, no tempo do café. Ao sobrenome importante da mãe, unira-se o sobrenome
um pouco menos importante do pai. Como era “chique”, ele fazia questão de ir a
lugares “badalados”, para legitimar sua importância. Narciso acha feio o que
não é espelho. Ainda há tanta incapacidade de amar no ser humano, que tudo
revela essa falta. Até o sobrenome.
O lado mais
poético do sobrenome vem da minha infância. Eu brincava de rádio com a minha
vitrola portátil, que ganhei no Natal de 1975. De manhã, escrevia as cartas dos
meus ouvintes, com cuidado especial no nome e sobrenome. Uma personalidade por
trás de cada denominação. Uma alma já trazia a carta consigo, enquanto eu
flutuava na minha imaginação. À tarde, a rádio entrava no ar. Além dos milhares
de ouvintes imaginários, meus dois irmãos eram ouvintes reais. Eles ouviam por
cinco minutos e saíam correndo. Eu usava o pompom da cortina de microfone, e
dedicava as músicas; como as cartas com nome e sobrenome pediam.
Durante
anos, treinei uma assinatura que jamais usei. Sorrisos dizem mais de uma pessoa
do que nome e sobrenome.
Interessante, Denise, eu tinha o mesmo pensamento seu de não acrescentar sobrenome do marido, mas de última hora acabei adotando a prática comum da tradição. Nunca troquei a minha identidade (outros documentos, sim) e o sobrenome fica lá sem dizer nada. O que importa mesmo é ter um bom marido, uma pessoa espetacular por perto e nada mais. Eu não me arrependi porque talvez eu tenha evitado conflitos enormes. Enfim, algo dispensável, ninguém deveria acrescentar nada ao nome no momento do casamento. Continuo pensando o mesmo.
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