sábado, 27 de junho de 2015

Semínima

Por Meriam Lazaro




De alma cinzenta e caminhar medido, o carrilhão do tempo não para. Replicam os sinos às estações silenciosas; em que janeiros olham para trás.


Perdidos de significados, revivemos amores e apegos, deuses alternativos, desencontros numa festa do vinho, parreirais opacos e goles abissais.


Queremos voltar à unidade e à perfeição, mas esta saudade do que não fomos é completude idealizada. Tempo? Nossa criação... Médico e monstro que nos cura e nos espanta – e a qual desejamos mil vezes negar.


Há um conto mais ou menos assim: o saudoso imperador de meia idade (que acumulava riquezas, mas não tinha amigos) queria provar o sabor daquela omelete com amoras que experimentara aos cinco anos de idade, na companhia do pai. Tudo isso em meio à floresta em que se escondia, em plena guerra. Acompanhando seu exército, o conquistador estava faminto e cansado. Na ocasião, uma anciã ofereceu-lhes alimento e sua cabana como abrigo. Eles haviam perdido a trilha do castelo.


O imperador convocou seu melhor cozinheiro para preparar, novamente, a omelete com amoras. Em troca do deleite, daria fortuna, nobreza e a mão da filha em casamento. Porém, se não obtivesse sucesso, seria morto.


O cozinheiro disse, então, para matá-lo imediatamente. Ele sabia a receita da omelete, onde colher as amoras silvestres, a medida exata dos temperos, quais versos recitar durante o preparo do encantamento, os ritos para que a iguaria ficasse saborosa e cheirosa. Mas havia um problema: o sabor da infância, a companhia do pai, a aventura na floresta e até a ansiedade da guerra não estariam presentes para devolver-lhe a sensação que a omelete lhe despertara há cinquenta anos. O imperador encontrara, dessa vez, mais que o sabor da juventude.


Constantemente vivida no passado, essa tal felicidade pode ser um reconhecimento tardio do que agora vemos no outro (e queremos para nós); como ansiamos por tudo aquilo que não temos. Já não basta ser criado à imagem e semelhança. Somos devotos do eu. No afã da eterna juventude, tomamos prazer por felicidade.


Queremos pílulas para não sentir. Disfarçamos a vida, o calor, o frio e o que mais for crescimento. Achamos lindo ficar, beijar, adquirir. Apossamos-nos de amigos, filhos, companheiros, elogios, pérolas, tesão. Tensa, a corda toca sem beleza. Queremos intensidade e rebentação.


Se a vida hoje é vazia, que venha a morte gloriosa – com fãs à cova rasa e aplausos fantasmagóricos. Repensemos o sossego, a família, a praça, o banco, o passeio de mãos dadas, a bandinha. Eis a simplicidade de ser sol e sombra, dia e noite, pássaro em voo livre e bem-estar; sem comparação com o vizinho ou com a felicidade da televisão. Se a solidão é abraço, o pó do que fomos dedilha semínimas no barro em que formamos nossas alegrias e significados.

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