quinta-feira, 18 de junho de 2015

Decisão

Por Amilcar Neves*


Preciso resolver isso de uma vez por todas, ela disse. Estou decidida. Absolutamente decidida. Não aguento mais viver assim. Melhor: não posso mais viver assim, preciso respirar, sair, me desprender, sentir a vida. E isto que vivo não é vida. Nem é justo. Não é justo para mim nem para ele. Mais para ele do que para mim, talvez. Talvez... Não sei não, acho que não é nada justo nem agradável para mim mais do que não é para ele. Ele tem sua vida lá fora, sua empresa, seus negócios, suas ligações, talvez suas amantes. E eu? Eu tenho tudo, carro do ano no modelo da moda, cartão de crédito cujo limite jamais consegui atingir, viagem internacional duas vezes ao ano, casa belíssima com piscina térmica, quadra de tênis com teto retrátil, academia de ginástica no meu quintal, empregados para a cozinha, a limpeza, o jardim, a segurança, o condicionamento físico, os serviços gerais... Tenho tudo de mão beijada, esta é a realidade. A minha surpreendente realidade. Tenho tudo e, ao mesmo tempo, tenho nada. Sinto-me sufocada, abafada, sem ar. Respiro por aparelhos para tentar sobreviver. Sobreviver não é viver. E eu sinto aqui dentro do peito que preciso decolar, necessito tomar um rumo próprio, pessoal, só meu. Sabes o que penso, bem no fundo? Que preciso quebrar a cara sozinha para poder levantar-me nas minhas pernas e fazer o meu caminho. Sem interferências, palpites nem coleiras. Porque é isso mesmo o que me parece: que sou uma cadelinha arrumadinha, limpinha, bonitinha, penteadinha, cheirosinha, vacinadinha, bem alimentadinha, presinha numa coleira de seda cravejada de brilhantes: um bichinho de exibição (menos, até, do que de estimação), um animalzinho de exposição, um brinquedinho vivo para concurso: égua que ganha a corrida e deixa o prêmio com seu legítimo dono e senhor, o qual, inclusive, por desinteresse, desfastio ou oportunismo, pode vendê-la, vender-me, passar-me adiante. Claro que, neste caso, no meu caso – não sou burra nem nada, afinal –, o preço será altíssimo, pois tomo sempre meus cuidados e precauções junto com a pílula anticoncepcional, sempre me precavi contra as surpresas que o mundo, o futuro e a vida podem nos reservar. O fato é que já me decidi, depois de muito pensar, de muito refletir cá comigo. Não aguento mais continuar assim. Te asseguro: em um ano ponho as cartas na mesa com ele. Um ano. Nem um dia mais.

*Crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 29.07.2009

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