Por Amilcar
Neves*
Espiando assim bem de longe essas
eleições que se aproximam, fica a recorrente impressão de que não conseguimos
distinguir com clareza o que precisa ser feito. Tal impressão renasce das
declarações que começam a ser dadas, alfinetando os adversários próximos
(aqueles que se comporão no segundo turno) e distantes (que serão os
contendores a bater), mas robustece-se com maior vigor e inclemência com tudo o
que já rola nas redes sociais, ampla arena de confrontos múltiplos, de
escaramuças sangrentas, de cultivo de ódios ancestrais e injustificáveis. E de
demonstrações de extrema deselegância e falta de civilidade.
No entanto, trata-se apenas de
uma eleição. Mas isto, obviamente, não é verdade: para muita gente, significa
garantir o salário por mais quatro doces anos. Outros veem o embate como
confronto de ideias e/ou ideologias e, por consequência, como uma decisão entre
visões de futuro distintas para o País, o Estado e, soberanamente, para o povo
brasileiro.
Assim, como em eleições
anteriores, fica sempre a incômoda sensação de que somos chamados a escolher o
novo Papa. A escolher a nova Madre Superiora do Convento. A buscar alguém que
vista o Corpo Puríssimo de Maria, quase como se fôssemos instigados a buscar
entre os candidatos e candidatas, e sufragar pelo voto universal, nada menos do
que o homem casto, do que a mulher virgem. Queremos mesmo eleger candidatos que
não tocaram o pó das estradas, que se isolaram das asperezas da vida?
Felizmente, só temos seres
humanos em quem votar. Gente que não é perfeita, que já cometeu e, com certeza,
ainda comete os seus pecados, maiores ou menores. Devemos condenar algum
candidato, riscá-lo da nossa lista de preferências, porque um dia fumou um
baseado, cheirou uma coca, bebeu em demasia, envolveu-se com prostitutas ou
participou de algum episódio meio escuso, situado naquela zona nebulosa que
impede o juízo absoluto sobre o certo e o errado, a distinção maniqueista entre
o bem e o mal?
Se critérios como esses
predominarem, não sobrará ninguém, a começar por nós mesmos, eleitores. Além
disso, convenhamos: o homem impoluto, a mulher pura, podem revelar-se
desastrosos administradores públicos, horrorosos negociadores, lamentáveis
julgadores - podem ter as piores ideias possíveis para melhorar o mundo, já que
sofrerão talvez a tentação de privilegiar o que se aproxime do seu modelo de
vida e comportamento. Vocês já pensaram como seria triste viver num mundo em
que todas as pessoas fossem homogêneas, iguais, similares, se todos fossem
iguais a você? Seria muito pior do que o comunismo.
Então, vamos avaliar o que
importa de verdade, e fazer a nossa escolha de acordo com considerações mais
elevadas. Não estão em disputa, não estarão em disputa, virtudes pessoais
contra defeitos pessoais, mas, sim, projetos de futuro para o Brasil. Ou
aceitamos que a prioridade deve ser dada ao ser humano, que governo e empresas
privadas têm de trabalhar para o ser humano - para todos os seres humanos que habitam
o Brasil - ou confiamos ser melhor entregar tudo ao deus mercado e deixar que
as empresas, e especialmente as grandes corporações, ajam com desenvoltura
fazendo o que lhes pareça melhor porque isto automaticamente será melhor para o
País e para as pessoas, ainda que o seja para uma minoria da população.
Ou aceitamos e desejamos que mais
e mais brasileiros ascendam a melhores condições de vida ou lutamos para manter
privilégios polpudos para uma minoria, torcendo desesperadamente para
contarmo-nos entre esse grupo de abençoados.
Mudar é sempre positivo, desde que seja uma mudança para melhor. Para piorar,
fiquemos com as coisas como estão. É infantil e irresponsável ser simplesmente
contra sem dispor de alternativas que apontem verdadeiramente para perspectivas
de avanço - pelo menos no sincero e desprendido entendimento de cada qual de
nós.
*Crônica publicada no jornal
"Diário Catarinense" de 29.07.14
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